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Mataram mais um jovem indígena do Povo Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul

Mataram mais um jovem indígena do Povo Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul

Roberto Liebgott
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Assim como já havia acontecido antes, mataram mais um jovem indígena em Mato Grosso do Sul. Foram tantos nos últimos anos. Lembro dos irmãos Rolindo e Genilvaldo Vera. Antes de serem mortos, foram sequestrados e torturados. Seus corpos, jogados em um córrego. Lembro de Oziel Terena, assassinado por forças policiais durante uma ordem de despejo.

São casos emblemáticos de jovens à frente de reivindicações pelos seus direitos a terra. A terra que é mãe, sagrada para eles, não uma fonte de negócios. Casos emblemáticos sempre com quatro atores bem definidos: alguns juízes ou ministros, o governo federal, as polícias e os fazendeiros.

Na manhã de 18 de setembro de 2024, a polícia militar de Mato Grosso do Sul avançou sobre um grupo de jovens da retomada Ñhanderu Marangatu, dentro de uma parcela do território originário, no município de Antônio João. Dentre os jovens estava Neri da Silva, 23 anos. Atiraram em sua cabeça. Outros também foram baleados.

Ao saber desses fatos criminosos, bate um desespero, porque na quinta-feira, dia 13 de setembro, os indígenas, naquele mesmo lugar, já tinham sido baleados pela polícia e nada se fez para puni-los ou, ao menos, impedir que continuassem a agredir os Guarani-Kaiowá.

No sábado, 15 de setembro, personalidades, representantes de instituições de direitos humanos, entidades amigas e aliadas da causa indígena, inclusive com integrantes do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), foram para Antônio João prestar solidariedade aos irmãos e irmãs da Terra Indígena Ñanderu Marangatu. Lembrei-me de Marçal Tupã, que em 1983 foi assassinado em função da luta pela defesa dessa mesma área. Que, aliás, chegou a ser homologada e depois, numa decisão estranha, no ano de 2005, dentro de um processo movido por fazendeiros, teve sua homologação suspensa pelo então ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal, senhor Nelson Jobim. Uma liminar que perdura por quase 20 anos!

Os atos daquele ex-ministro seguem causando dor, morte e conflitos. Ele precisaria ser informado disso, já que anda pelo país, a serviço de empresários, defendendo mineração em terras indígenas.

A crueldade não cessa e os covardes não dormem –

Na manhã de 19 de setembro, na área já conquistada pelos Kaiowá, também em Antônio João, mas numa rodovia, na entrada da aldeia, onde realizavam um ato político de protesto contra a violência e o assassinato do jovem Neri, mais uma vez, a polícia agrediu e disparou com arma letal. Muitos ficaram feridos, inclusive idosos.

Ouvi, então, três pequenos áudios divulgados pelo Cimi Sul, num testemunho impactante da liderança feminina Vilma Vilhalva, da Terra Indígena Guasu Guavira, Tekoa Yhovy, no Oeste do Paraná, que também vem sofrendo ataques constantes de fazendeiros. Vilma e mais seis pessoas, todas bem jovens, foram feridas a tiros – em ataque – na madrugada de 28 de agosto de 2024.

Nos áudios, Vilma denuncia a omissão dos governantes que nada fazem para garantir os direitos indígenas. Diz enfaticamente que as histórias se repetem cotidianamente sob o silêncio constrangedor das autoridades, isso quando nãos são as instigadoras dos conflitos.

Com sua voz calma e profunda, ela profere uma denúncia serena, mas contundente. Voz sofrida, repleta de dores, mas de uma convicção, pelo que lutam e buscam nesta existência, que impressiona. Ela preenche os sentidos da vida pelas vidas em doação, pois, generosamente se entrega às causas de seu povo.

Assisti aos vídeos da polícia atacando aqueles jovens, na retomada Ñhanderu Marangatu, onde meninos e meninas, aos prantos, fugiam carregando o corpo de Neri. Ele teria ainda tanta vida pela frente, mas acabou sendo covardemente baleado na cabeça por um policial.

Ao invés de atuar como “capitães do mato”, a polícia deveria preservar vidas. Trata-se de proteção a uma fazenda banhada de sangue, com outras ocorrências de violências contra comunidades indígenas.

Roseli Ruiz, proprietária da fazenda Barra, onde Neri da Silva foi assassinado, compõe a comissão de conciliação montada pelo ministro Gilmar Mendes para discutir, no STF, a constitucionalidade da tese do marco temporal. A fazendeira foi indicada pelos partidos Republicanos e PL. Isso demonstra que a conciliação proposta pelo ministro não passa de uma ação política, com verniz jurídico, inaceitável.

Assisti as imagens da fazenda que Roseli Ruiz se diz dona. Uma terra absolutamente degradada e abandonada, onde só há capim, mas daquele que nem o boi come. Nada há naquele lugar, depois de tanto sangue derramado. Mas lá vigora o sonho dos Guarani-Kaiowá de viverem na terra originária e dar-lhe alguma possibilidade de recompor a vida.

É triste saber que esse conflito se arrasta e o Governo Federal nada fez ao longo dos dias, a não ser deixá-los lá, à mercê de “capitães do mato”, colocados à disposição do agronegócio mais cruel e perverso. O agro que não é pop, o agro que é sangue derramado, que é morte. O agro comandado por facínoras.

É muito triste saber que temos um Ministério dos Povos Indígenas inerte, sem orçamento, sem peso político. Um MPI que não é considerado nas decisões de governo, que não é ouvido. Seria uma instância criada apenas para fazer bonito no exterior? Uma ação de marketing de Lula para turista ver e os gringos falarem bem de seu governo? Até mesmo a sua principal função, de demarcação de terras, lhe foi tirada. Não há sequer um plano, projeto, ou qualquer proposta de política pública, muito menos capacidade de intervenção, inclusive nas horas mais agudas e violentas, como as destes tempos tão sombrios.

A Vilma, com seu testemunho, nos mostra o abandono, de que realmente elas e eles estão sozinhos. A Vilma, nesse testemunho, nos diz que, diante dessa realidade de solidão, de abandono, ninguém, de fora, consegue sentir o tamanho da dor delas e deles sob os tiros e perseguições. Essa dor é muito profunda.

Não tenho a pretensão de dizer que sinto a dor dos Avá-Guarani ou dos Kaiowá, mas minha indignação dói pela impotência de saber que suas dores não vão terminar, porque continuarão sendo atacadas e atacados, matados e matadas.

É indignante saber que essa rede de violência funciona numa engrenagem a partir de poderes que deveriam resguardar suas vidas, com a omissão comissiva dos governantes e do poder inabalável de ruralistas criminosos, genocidas, que nada fazem a não ser agredir, destruir, escravizar e matar pessoas que requerem o direito que está na Constituição Federal.

É triste ter de lembrar de Marçal Tupã, Oziel Terena, Rolindo e Genivaldo Vera e agora, Neri, assassinados por covardes que dão amparo a assassinos, insaciáveis por sangue, ganância e poder. Eles combinam, em sua crueldade, dois elementos: a ambição desmedida e o racismo institucional.

Porto Alegre (RS), 21 de setembro de 2024.

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Roberto Liebgott, Missionário Leigo do Cimi e advogado.

 

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