Povos originários e comunidades tradicionais no futuro
Haverá, sem dúvida, um bom futuro para os povos originários e comunidades tradicionais no Brasil, mas, até sua concretização, a distância ainda é muito longa. Para se chegar lá, do outro lado, existe, entre o futuro e o presente, um enorme abismo ou um estreito atalho.
No abismo estão os mecanismos da destruição, discriminação, intolerância e suas ferramentas de morte.
Dentre eles há o ruralismo com suas boiadas, monocultivos, transgenia e veneno lançado sobre meio ambiente, as águas e as vidas;
A bancada parlamentar da bala, suas milícias, contrabandistas, narcotraficantes, pistoleiros matadores;
O madeireiro e suas motosserras, tratores, correntões, caminhões, incêndios e devastação;
O garimpeiro e sua cobiça interminável, o mercúrio, as dragas e balsas, sua sede de sangue e uma brutalidade extrema;
O empresário inescrupuloso, sonegador, aliciador de pobres, escravocrata, criminoso, usurpador da dignidade humana;
O especulador, pescador, caçador, invasor de terras, territórios, lagos, lagoas e rios;
O arrendatário, grileiro, esbulhador de terras, culturas e vidas, sanguessuga dos bens da vida;
O minerador degradador do solo e subsolo, que através de suas máquinas comem e contaminam as terras, tendo em vista a obtenção de lucros fartos, independentemente do rastro de destruição e morte que deixam para trás;
O bolsonarista vinculado ao fascista e ao neopentecostalista aliciador de fiéis cristãos, desmotivador da paz, do amor, dos direitos individuais e coletivos, propagador do ódio, do preconceito e da violência extrema;
A tese do marco temporal, interpretação constitucional nefasta dos direitos indígenas, em julgamento no Supremo Tribunal Federal e que vem sendo obsessivamente acionada e incentivada por políticos, juízes, fazendeiros, todos transgressores dos direitos humanos e originários dos povos, primeiros habitantes do Brasil, e dos quilombolas que se libertaram das correntes da escravidão.
Por dentro do estreito atalho existem também muitos obstáculos a serem transpostos. Há lama, atoleiros, buracos e pedregulhos. São a insegurança, a pobreza, o racismo, o machismo e as enormes divergências entre os grupos políticos e econômicos. Mas há uma saída e nela residem as esperanças, as lutas e resistências, a coragem e persistência no enfrentamento das injustiças.
A conquista do futuro não será tranquila, pacífica e muito menos um céu florido de libertação. Exigirá mobilização, união, redes de articulação e solidariedade entre os de baixo para desacomodar àqueles que estão em cima e que mantém ativa a pirâmide da exclusão, da pobreza, do racismo, machismo, homofobia e todas as outras formas de exploração, intolerância e discriminação.
Roberto Antônio Liebgott é missionário do CIMI - Conselho Indigenista Missionário, atuando na região Sul do Brasil.