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Professor de SC é perseguido e ameaçado por ser adepto de Candomblé

Professor de SC é perseguido e ameaçado por ser adepto de Candomblé

Claudia Weinman

O professor de Ensino religioso, Jobson Bispo Mascarenhas, da EEB Ivo D’Aquino de Gaspar, região do Vale do Itajaí, está sendo perseguido e ameaçado por ser adepto de candomblé. Jobson disse em entrevista que medidas estão sendo tomadas e aponta para reflexões importantes, tais como, qual é o papel do ensino religioso nas escolas.

“Gostaria de deixar bem claro que em nenhum momento nós somos uma religião proselitista, pois uma das ameaças que tenho sofrido é essa, de proselitismo da minha religião. Ninguém vê um adepto de matriz africana pregando que “oxalá te ama”, ou entregando folhetinho que a gente cura, salva e liberta. Nós não temos esse tipo de comportamento. Sobre as aulas de ensino religioso também digo: a religião faz parte da análise, mas aqui estamos produzindo conhecimento por meio da ciência e não por meio da religiosidade, da teologia”, disse ele.

Jobson conta que, segundo seus preceitos religiosos, ele usaria durante um ano roupas da cor branca. “Isso despertou a curiosidade, os alunos queriam saber o motivo, os professores, colegas. Para mim isso é extremamente tranquilo”, contou.

A questão é que, os questionamentos tornaram-se ofensas e transformaram-se em falas preconceituosas. “Para muitos a nossa religião está fazendo maldades, destruindo famílias, matando pessoas, quando isso é falta de conhecimento. Isso não é da nossa filosofia, daquilo que pensamos, do que cultuamos e cultivamos na nossa comunidade”.

Assista a entrevista completa:

 

Diante das indagações e questionamentos, o professor comenta que explicou que era adepto de candomblé, quando aumentaram as perguntas, inclusive, questionando se o professor faria indução dos/as estudantes à sua religião, ocasionando a procura de alguns pais à explicações na escola. “No dia 23 de março tivemos uma reunião pedagógica com a participação dos pais e estudantes para falarmos de desenvolvimento dos alunos no período da pandemia, readaptação, dificuldades no processo, relacionamento em turmas. Porém, para além desses temas, chegaram os questionamentos do porque o ensino religioso estava abordando determinados temas”.

O professor comenta que tinha ideia de alguns comentários que haviam chegado até a escola por meio dos estudantes falando da prática docente e até mesmo que ele poderia ser expulso da escola. Jobson contextualiza que entre os temas trabalhados em sua aula, estão: o papel da mulher na sociedade, LGBTfobia e feminicídio.

“A disciplina tem uma aula por semana, 45 minutos, tempo curto para abranger temas complexos. Mas sempre abordo a visão das religiões sobre a questão do aborto e todas essas citadas anteriormente, tudo isso, pensando nas filosofias de vida, entre elas o materialismo, ateísmo, ceticismo, como essas filosofias não religiosas também definem e percebem esses comportamentos e relações humanas, pois o papel do ensino religioso é fazer uma análise da sociedade tendo a religião como seu objeto de estudo, os movimentos religiosos e as filosofias de vida como seu objeto de estudo. Porém, na cabeça de muitos pais, a aula de ensino religioso é a religião, tanto que fui questionado por uma das mães de uma estudante: “tá mas essa aula não é de religião? E eu disse: Não! A religião faz parte da análise, mas aqui estamos produzindo conhecimento por meio da ciência e não por meio da religiosidade, da teologia”.

Segundo o professor, todas as acusações contra ele são de cunho teológico. “A questão fica bem evidente: tem-se um professor de ensino religioso que não é cristão . E aí as acusações eram de que eu disse que tinha que se queimar a bíblia, que eu falei que Jesus não iria voltar, que Deus não existe e que eu teria dito que não acreditava em Deus. Eu não sei em que momento essas coisas aconteceram, mas estava sendo acusado de dizer isso em turma . Expliquei para os pais, me dispus a conversar, oferecer os meus planejamentos para que olhassem, convidei para que participassem das aulas e tivessem acesso ao currículo para que saibam que o que trabalho não é aula de uma religião específica”.

“Uma mãe veio conversar comigo dizendo que eu estava fazendo proselitismo da minha religião em sala. Questionei a mãe e ela ficou em silêncio, não sabia me responder quando ou em que situação eu teria feito isso. Então ela disse: ‘Essa sua religião não é a minha, seu Deus não é o meu’, foi o que ela me disse”.

Estado laico

Jobson faz ainda outras reflexões ao se referir ao ensino religioso na escola pública do estado laico.

“As pessoas tem o costume de pensar o ensino confessional da antiguidade, de quando o Brasil, mesmo sendo proclamada a república, ainda estava muito vinculado à Igreja Católica e aos preceitos cristãos e a ideia de que a laicidade do Brasil ainda não estava muito bem definida, até isso se consolidar com a constituição de 1988. Ainda assim, pós-constituição, a prática confessional era muito recorrente até mesmo na escola pública. A partir do momento que nós elaboramos a BNCC e aqui em Santa Catarina, o currículo base do território catarinense, a gente diz: qual é a função do ensino religioso? Nós somos uma área da ciência, como qualquer outra disciplina, temos formação para atuar nessa área, não é qualquer pessoa que pode lecionar, como era antigamente, a nossa disciplina é de cunho não confessional, obedecendo a escola pública de um estado laico”, explicou.

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Outro elemento importante que Jobson reflete é sobre a formação de Santa Catarina e porque o preconceito se naturaliza em muitas situações. Esse é um território que se forja a partir da matança indígena, negra, de genocídio caboclo como o Contestado, que completa 110 anos em 2022. “Santa Catarina se declara com orgulho como sendo o estado mais branco do Brasil. O vale do Itajaí representa a Alemanha brasileira. Porém, a presença é de muitos negros e negras que estão aqui há muitos anos e são parte da construção da história da região, toda arquitetura, mão de obra negra, indígena, do povo Kaingang, Xokleng, Guarani, que foi explorado para construção de tudo que se conhece hoje”.

A visão colonial segundo Jobson, considera toda pessoa que “vem de fora” como estrangeiro, forasteiro.

“Um dia me perguntaram: mas você já é blumenauense, 10 anos vivendo aqui. Eu disse: não! Eu sou Baiano, sou habitante de Blumenau. Porque para dizer que sou blumenauense tenho que ter territorialidade e identidade, e não há identidade. Primeiro ponto quando me conhecem não perguntam como é meu nome, mas: ‘você não é daqui né, é de fora’, depois vão saber o nome. Então como é a relação de pertencimento se sou visto como forasteiro todo instante”?

Encaminhamentos:

Além de outras notas de apoio, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública de Ensino do Estado de Santa Catarina (Sinte), divulgou que está acompanhando a denúncia com aporte jurídico. Além disso, o caso está sendo acompanhado pela Secretaria de Igualdade Racial do sindicato.