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V Seminário dos Povos Indígenas da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a defesa do grande Opará como Sujeito de Direitos

V Seminário dos Povos Indígenas da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a defesa do grande Opará como Sujeito de Direitos

Claudia Weinman
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Grande Opará, o Velho Chico, o São Francisco é assim denominado pelos povos indígenas que vivem ou viveram ao longo da bacia do rio. Suas águas, sua mística, alimentam historicamente a vida ancestral. Diante das ofensivas do capitalismo, da destruição de sua biodiversidade, os povos lutam para salvar o São Francisco, defendendo o seu reconhecimento enquanto sujeito de direitos – para que seja amparado por leis inclusive, que o protejam da ganância e da completa destruição.

“Desde o princípio os povos indígenas viviam na bacia do rio São Francisco e ele alimentou muitos dos povos, por isso temos essa ligação forte, na cultura, na tradição”. – Fala do Coordenador Executivo da Apoinme, Sarapó Pankararu. Foto: Ney Pankararu.

Pensando nisso, ainda no mês de setembro, foi realizado o V Seminário dos Povos Indígenas da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco, atividade marcada pela presença de 37 povos indígenas e 200 representantes indígenas para mobilização de aplicação de políticas públicas destinadas a proteção do rio São Francisco e aos povos que vivem ao longo de sua Bacia Hidrográfica. Na ocasião, as lideranças  debateram a defesa do grande Opará e destacaram a campanha para que o rio São Francisco, o Velho Chico, seja reconhecido como sujeito de direitos.

Segundo o Coordenador Executivo da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – Apoinme, Sarapó Pankararu, o objetivo do seminário foi o de reunir os povos indígenas que estão na bacia do rio, desde Minas Gerais, Alagoas, Sergipe, para defender o Velho Chico.

“Esse é um movimento em defesa do rio São Francisco e também, o seminário serviu para fazer um levantamento de algumas demandas referentes aos povos indígenas. Esse momento é importante porque trás outros povos, de outros estados e a gente, juntos/as, vamos fortalecer a luta pelo São Francisco”.

Coordenador Executivo da Apoinme, Sarapó Pankararu. Foto: Arquivo Pessoal.

A liderança destacou ainda que tornar o rio São Francisco um – sujeito de direitos, é uma forma de reivindicar que providências sejam tomadas quanto a sua revitalização e possa impedir novos crimes contra o Velho Chico.  “Quem agredir, quem impactar, estará cometendo crime. Importante destacar que desde o princípio os povos indígenas viviam na bacia do rio São Francisco e ele alimentou muitos dos povos, por isso temos essa ligação forte, na cultura, na tradição. Muitos dos nossos povos foram expulsos das margens do São Francisco, só tem acesso se pedir autorização”, enfatizou.

“O rio é como se fosse nosso pai, nossa mãe, nossos avós”

“As pessoas não enxergam o rio como nós, como parte da gente, da nossa família, como nossos pais, mães, avós. Não é justo que continuem atacando o rio. Sempre estivemos lutando pela revitalização, para que as leis ambientais protejam o Velho Chico, mas as leis são falhas”.

Na fala de Aurivan de Santos Barros, o Cacique Neguinho Truká, está conectada a dor dos povos indígenas que tem o rio como seu lar e, portanto, zelam e sofrem por vê-lo agredido.

“O São Francisco sempre foi presente na vida do nosso povo” – fala do Cacique Aurivan Truká. Foto: Arquivo Pessoal.

“Até 1970, 1980, nosso povo vivia basicamente da benevolência do rio São Francisco. Tinha os períodos das enchentes, onde limpávamos todo o mato pequeno, deixando as árvores grandes frutíferas. Cultivávamos o milho, abóbora, macaxeira, batata-doce, cana, arroz vermelho. Toda essa cultura era orgânica, não utilizava agrotóxico. A partir de 1979, quando fizeram a barragem de Sobradinho, a gente perdeu essa atividade, tivemos que passar para os motores bomba para irrigar as plantações. Tinha essas plantações e produzia nas terras para o nosso sustento, mas a parte mais importante vinha do rio, fazia pescarias, colhia as frutas nas margens dos rios.  A partir de 1980 isso mudou radicalmente e mudou também a nossa forma de vida”.

O rio, familiar tão preservado pelos indígenas, sempre foi a morada dos rituais sagrados dos povos ancestrais. “O São Francisco sempre foi presente na vida do nosso povo, há relatos escritos datados de 1740, aonde a gente já vivia dessa mesma maneira. Nossos rituais sagrados são praticados tanto nas caatingas, quanto nas ilhas do meio do rio. Nossos encantados das águas, das matas, todos da nossa cultura tem o rio como a parte mais importante que compõe a nossa cultura”.

Com o passar dos anos, o cacique Truká menciona que o aprisionamento do rio, por meio de barragens e sua transposição, afetaram inteiramente os povos indígenas.

“Desde então ele está sendo atacado, explorado e suas matas ciliares não existem mais. São 380 cidades jogando dejetos no rio São Francisco, índice de assoreamento grande, além da poluição do agronegócio e das indústrias”.

A liderança disse ainda que a realização do seminário é  importante para fortalecer a luta e recuperar o São Francisco. “A gente acredita que a partir do momento em que o rio  São Francisco e seus biomas são vistos como sujeitos, se consegue garantir a vida e a saúde do rio, pois ele está doente, está anêmico, perdeu muito, mesmo assim as pessoas continuam ignorando, explorando, como se o rio, a natureza, fosse infinitos”, finalizou.

“Discutir o rio Opará como sujeito de direito, é romper com o paradigma do direito e reforçar direitos intrínsecos, com novos elementos éticos, estéticos e espirituais”

“Todos são iguais no direito de existir e florescer, com possibilidades e limites”. – Pesquisadora Alzení de Freitas Tomáz.

Na frase da Pesquisadora em Povos e Comunidades Tradicionais e os Direitos da Natureza  e Membro da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana – SABEH, Alzení de Freitas Tomáz, um resumo do que significa ter o rio São Francisco como um sujeito de direitos. Para ela, a luta dos povos tradicionais em defesa do Velho Chico, simboliza o enfrentamento ao modelo de sociedade que vivemos, onde o lucro não mede as vidas que mata para se manter.

“Pensar o rio Opará como um sujeito de direito, é romper com uma epistemologia colonial onde a natureza sempre foi vista incorporada aos mercados, a concentração de terra e a gestão ambiental em termos econômicos, tudo isso, à custa da subjugação dos povos originários e tradicionais, massacrados e desterritorializados por um modelo de desenvolvimento predador que mata e destrói.  Discutir o rio Opará como sujeito de direito, é romper com o paradigma do direito e reforçar direitos intrínsecos, com novos elementos éticos, estéticos e espirituais. Na cosmologia dos povos que mesmo subjugados, acreditam em territórios mais humanizados, multiculturais, no qual todas as coisas possuem vida: a terra, a água, os animais, as plantas, as florestas/caatingas, as pedras, os humanos, todos são irmãos, mães, parentes, portanto, todos são iguais no direito de existir e florescer, com possibilidades e limites”.

Alzení ainda detalha que a história de exploração e devastação precisa ser barrada, para que o São Francisco possa ainda sobreviver e servir de morada de toda uma diversidade que depende de seu bem estar.

“O rio Opará explorado e massacrado a mais de 500 anos, com o domínio colonial, permanece sendo recolonizado até hoje, com as velhas e novas barragens, com a sangria da transposição, um modelo de domínio privatista dos ventos através dos parques eólicos, mineradoras e proposições como usinas nucleares, são modelos de exploração que vem destruindo sistematicamente, toda diversidade do Opará e nos coloca em situação crítica de ecocídio generalizado.  A campanha do rio Opará como sujeito de direito, por dentro do Comitê da Bacia do São Francisco, é mais uma expressão da luta que lideranças dos povos originários têm no chamado parlamento das águas e, que por vezes, a correlação de forças são injustas e desiguais. O Opará, nunca foi cogitado pelo Comitê de Bacia como ente de direitos intrínsecos, mas, em sendo pautado pelos povos, hoje não poderá ignorar a urgência em considerar o Velho Chico, como sujeito e, portanto, detentor de direitos”.

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