Admirável Escola Nova
A cultura empresarial adentra cada vez mais o ambiente escolar. Em muitos aspectos não poderia ser diferente, a escola não é um organismo à parte da sociedade que a produz. No estágio atual de desenvolvimento das forças político econômicas, o topo da subjetivação social é a figura do empresário. O grande problema é como isso adentra esse espaço, e principalmente, qual seu intuito. Vamos para uma rápida análise.
As recentes reformas no ensino, cito a Nova Base Comum Curricular e, principalmente, a Reforma do Ensino Médio, dão conta de inserir para o ambiente escolar essa ausência de empreendedorismo que lhe é flagrante. Existe uma percepção generalizada que a escola atualmente é um ambiente retrógrado, do século retrasado e muito resistente a novidades. O sistema político econômico ocidental já deu dois passos adiante do modelo escolar elaborado no século XVIII. E para somar também há a lendária crise eterna da educação.
Antes de aprofundar as coisas, cabe um momento para observarmos a ideia de crise da educação. Pois bem, pergunte a qualquer pessoa o que ela acha da educação no Brasil e ela vai dizer que não está boa. As vezes se apoiando em algum índice, ou, na maioria dos casos, na própria experiência escolar variavelmente traumática. A conclusão é sempre a mesma, a escola e a educação no Brasil vão mal. O curioso é que, é provável que junto com essa crítica venha uma solução, aparentemente todos aqueles que já passaram pela escola tem a solução para esse problema grave. No geral, a escola nunca está boa. Mas não é bem assim.
A crise da educação é uma percepção permanente calcada em alguns fatores. No foro mais íntimo, as vezes está relacionada ao sofrimento causado pelo processo educativo ao indivíduo. Estudar as vezes dói. De forma mais ampla, como já denunciou Darcy Ribeiro:
“A crise da educação no brasil não é uma crise: é projeto”.
Nosso país relutou muito em sua história para formular uma política nacional de educação, e quando o fez (ou tentou fazer), com a participação do próprio Darcy, encontrou entraves sérios. Historiadoras e historiadores da educação apontam que demos continuidade num projeto que não teve início, fingindo (ou ignorando) que os problemas estruturantes não existiam. Dessa forma ao se perpetuar o cerne caótico no sistema, incorpora-se a crise como projeto, negligenciando educação de qualidade a população, principalmente à parte mais vulnerável.
Então, temos o questionamento óbvio que segue: a quem interessa uma educação em crise? Difícil responder de forma precisa. Fato é que essa crise vem sendo aproveitada para os mais mirabolantes fins, como a recente Reforma do Ensino Médio. Sem compreender o sistema educacional como sistema, ignorando principalmente suas qualidades, toma-se a parte pelo todo e se joga a criança com a água do banho. Se aplica uma solução para o problema errado. Qual o problema que a Reforma do Ensino médio visa resolver? Objetivamente nenhum, a não ser essa vaga ideia que, mais uma vez, “a educação está em crise”. Ainda assim ela reforma todo o sistema de ensino nesse estágio, e parece não atingir o cerne problemático que lhe é projeto.
Na prática, a tentativa foi de flexibilizar a grade de ensino (já vi uma palestra “disruptiva” e autorreferida como genial sobre esse termo: grade) para inserir um conteúdo diversificado. Esse conteúdo diversificado tem como objetivo principal abrir espaço para a lógica do empreendedorismo na escola. De forma específica e ampla. De forma específica, pois, na maioria dos casos se configura justamente em aulas de empreendedorismo, uma prática vazia sem conceito, alienante por princípio e problemática como discutida anteriormente. De forma ampla, pois, se utiliza da lógica de transferir ao estudante a crise da qual é alvo. Parte significativa dos itinerários formativos (um dos nomes desse núcleo móvel da grade escolar) segue a lógica de dividir a compreensão da realidade e da sociedade em tópicos minúsculos, e principalmente instrumentalizar os adolescentes para lidarem com as frustrações do mundo do trabalho diluindo as ferramentas para compreender as origens de seu fracasso (e/ou sofrimento). Nesse novo momento a formação escolar visa dispor ao estudante técnicas para erguer a cabeça e lidar com fracasso, das formas mais criativas e geralmente se resumindo em tentar mais, de novo e com mais força. Ou seja, se você não deu certo é porque não empreendeu o suficiente. Esse é o efeito do empreendedorismo na educação.
A educação perde seu horizonte formativo, deixa de ser o espaço dialético de construção de pessoas em suas capacidades e potencialidades para se tornar um campo de adestramento para trabalhadores contentes. Huxley em sua fábula de estrapolação “Admirável Mundo Novo” escrito na década de 30 utilizou uma droga que tinha servia como anestésico da realidade de exploração social, o soma. Hoje realizamos parte de sua fantasia distribuindo ideologia de coachs e empreendedores na escola, o efeito é o mesmo: vicia e aliena.
Grande abraço
Até a próxima!
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Crédito da imagem de capa: marupiara.com.br.
Cientista Social e Professor de História, Filosofia e Sociologia em São Miguel do Oeste. Natural de Palma Sola é mestre em Educação pela UNIOESTE de Francisco Beltrão e escritor de prosa e poesia. Profundo admirador da nossa gente, das experiências, vivências, possibilidades, significações e contradições únicas do nosso canto do mundo.