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Luta dos povos indígenas e aliados garante homologação da TI Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, em Santa Catarina

Luta dos povos indígenas e aliados garante homologação da TI Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, em Santa Catarina

Jornalismo das Gentes
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Escrito por:

Ivan Cesar Cima

Claudia Weinman

Jacson Lopes Santana

Marline Dassoler

Osmarina de Oliveira

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Muitas crianças que nasceram e acompanharam a luta, hoje são adultas, e fruto do sonho pela homologação. Essa fala, da liderança indígena Valdecir de Oliveira Santos expressa não apenas a emoção pela conquista da homologação da Terra Indígena Toldo Imbu, em Abelardo Luz, no Oeste Catarinense, mas, também, o tempo histórico de resistência dos povos indígenas que, incansavelmente, precisaram fazer de suas vidas, uma existência dedicada à garantia de direitos ancestrais e constitucionais.

Toldo Imbu é uma luta histórica dos povos indígenas de Santa Catarina.

O que o cacique fala está diretamente ligado ao histórico momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) divulgou, no início do mês de dezembro de 2024, mais precisamente na quarta-feira, 04. Neste dia o presidente homologou três terras indígenas: Monte-Mor, na Paraíba, Morro dos Cavalos e Toldo Imbu, ambas em Santa Catarina.

História do Toldo Imbu

Mobilização Terra Indígena Toldo Imbu. Foto: Ivan Cesar Cima/Arquivo Cimi Sul/Ano: 2005.

Em uma nota publicada pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – Regional Sul, que há cinquenta anos dedica-se a causa indígena, encontra-se uma parte importante do histórico de luta do povo Kaingang que ocupa o território hoje homologado, denominado de Toldo Imbú. Nas informações, um marco importante, o ano de 1902, quando foi ampliada a linha telegráfica que ligava Palmas, no estado do Paraná, ao Rio Grande do Sul. Ali, os Kaingang trabalharam na abertura de picadas. O trabalho serviu como garantia de pagamento sobre as terras que a eles já pertenciam.  O Governador da época, Francisco Xavier da Silva, assinou o decreto nº 7, de 18 de junho de 1902, reservando aos índios as terras estabelecidas.

Conforme estudos das lideranças indígenas do Toldo Imbu, analisando documentos e relatos contados por pessoas da comunidade, a resistência para permanecer na terra e lutar pelo território começou quando o Estado, de forma brutal e cruel, realizou a expulsão dos indígenas da terra, ainda em 1949. Como forma de resistência, algumas famílias de Kaingang retornaram para a área urbana do município de Abelardo Luz, área compreendida como antigo Toldo Imbu. Essas famílias indígenas viviam em casas improvisadas, feitas de tábuas e cobertas de plástico, num espaço minúsculo e com pouca área para roça. Organizados e determinados a retomar seu território, os Kaingang se mobilizaram para buscar a reconquista do espaço sagrado, usurpado pela colonização. Porém, passaram a sofrer com as represálias dos ruralistas e políticos da região. A primeira conquista, na luta pela retomada do território, veio em 1986, com o início do processo de identificação e delimitação da terra.

Terra Indígena Toldo Imbu. Mobilização tendo como foco a reivindicação para que o governo federal, por meio da FUNAI e Ministério da Justiça agilizassem a demarcação da terra. Foto: Ivan Cesar Cima/Arquivo Cimi Sul/Ano: 2005.

Primeiras Conquistas

No ano de 1987, quando o Grupo Técnico começou os trabalhos de pesquisa, houve interferências da elite política do município de Abelardo Luz. A oligarquia local entendia ser “inconveniente” a permanência do grupo de indígenas na região. Alegavam que não poderiam garantir a integridade física deles, com sutis ameaças aos Kaingang. Mesmo com toda a pressão local, os técnicos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), no ano de 1999, apresentaram o levantamento fundiário identificando a área a ser demarcada. Resistindo as ameaças dos ruralistas e da elite do município, um grupo de indígenas seguiu acampado no território reivindicado. Depois de muita luta, os Kaingang conquistaram um espaço para a construção de nove casas, vitória que serviria para abrigar os que permaneceram no local e para fortalecer a luta pela reconquista da terra.

Para a sobrevivência física e cultura, sentiam a necessidade de retomar o espaço sagrado onde viveram seus antepassados. Com o apoio do movimento indígena da região, realizaram diversas mobilizações visando pressionar o Governo Federal a demarcara o território do Toldo Imbu, a terra que nunca abandonaram. Após tantas lutas, resistência e pressão, em 20 de abril de 2007, o então Ministro da Justiça, Tarso Genro, assinou a Portaria Declaratória, ato que reconhece o território como de ocupação tradicional dos Kaingang. Após ato administrativo do Governo Federal, uma longa batalha Judicial teve início.

As razões apresentadas nas contestações da União e da FUNAI serviram de base da sentença de mérito proferida pelo Juiz da 2ª Vara Federal de Chapecó, no ano de 2011, que julgou improcedente o pedido de anulação da Portaria do Ministério da Justiça, de nº 793/2007. Os autores da ação declaratória de nulidade da Portaria Nº 793/2007N ingressaram com recurso de apelação junto ao Tribunal Regional Federal da Quarta Região – TRF4, em Porto Alegre, que manteve a decisão do Juiz Federal de Chapecó. Para os Desembargadores, a Constituição Federal reconheceu aos índios o direito originário sobre as terras tradicionalmente por eles ocupadas, devendo a União promover o processo demarcatório, mediante processo administrativo, sendo insignificante a prova do uso ininterrupto da área habitada pelos indígenas.

Os autores interpuseram recurso especial e extraordinário. O primeiro foi indeferido pelo Superior Tribunal de Justiça. O recurso extraordinário teve seguimento negado e o exame de mérito prejudicado em decisão monocrática do ministro Marco Aurélio. Porém, os autores insistiram com agravo regimental, tendo provimento negado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. A disputa sobre a posse da terra indígena seguiu em ação cautelar incidental nº 5002072-96.2010.404.7202, onde a justiça federal da época permitiu a manutenção dos autores na posse dos imóveis compreendidos na área em questão, ao menos até a homologação da demarcação por decreto Presidencial.

Com a homologação do território, é quase que inexplicável o sentimento de conquista, diante de tantas perseguições e lutas, como explica a liderança indígena Valdecir de Oliveira Santos. “Nós precisamos celebrar e dizer para a sociedade não indígena e, também, para os nossos parentes, que nossa terra é nossa mãe, nossa vida. Tivemos muitos/as guerreiros/as que dedicaram a sua vida em defesa do território. As juventudes, crianças, os mais velhos, estão hoje comemorando essa conquista. Hoje é possível sentir o que é liberdade, ao poder caminhar pelo nosso território”, enfatizou.

O Cacique Albari José de Oliveira Santos também destaca com alegria a homologação do território. “Faz mais de vinte anos que a gente vem lutando pelo território, brigando pelos direitos. Foram muitas as viagens que fizemos com todas as lideranças, esperando uma decisão de Brasília, até chegar ao objetivo que cada um dessa comunidade queria. A gente como cacique sempre buscava a solução para esse lugar, chegava de lá e o nosso povo pergunta: até quando? Quando vai chegar? Então agora chegou, é uma emoção. Precisamos agradecer a todas as lideranças que estão lutando com a gente”.

A conquista é também cultural e espiritual, segundo a professora Samara (vídeo), que na língua do seu povo, dialoga sobre a vitória, e para a sociedade não indígena, ela explica: “É muita felicidade para o povo Kaingang, conseguimos essa vitória, roubaram de nós a terra que agora está voltando para nossas famílias”.

Da mesma forma, o Vice Cacique Aldir Alves e o capitão da comunidade indígena, Edenilson Gonçalves, mencionam: “Ainda estamos vivendo o momento de nos perguntarmos: será que é verdade? É muita emoção e vamos dialogar com nosso povo sobre os próximos passos e as expectativas futuras”, detalham.

Morro dos Cavalos, no litoral catarinense, também é terra indígena homologada

Visão da Escola Itaty da TI Morro dos Cavalos. Foto: Arquivo Cimi Sul/Ano: 2014.

Outra conquista para os povos indígenas de Santa Catarina, resultado de muita luta e organização, é a homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos que, segundo dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI),  foi declarada pela Portaria 771, de 18 de abril de 2008, e conta com aproximadamente 1.988 hectares. O território, localizado no sul de Palhoça, é habitado por indígenas dos povos Guarani Mbyá e Nhandeva.

Nesse sentido, o mês de dezembro iniciou, segundo o Cacique Guarany Teófilo Gonçalves, com um presente, que não veio de graça obviamente, mas que simboliza um alento frente a tantas perseguições já enfrentada pelos Guarani.

Cacique Guarany Teófilo Gonçalves. Foto: Arquivo Pessoal.

“Agradecemos ao Cimi e a todas as pessoas que compartilharam essa luta com nós. Essa sempre foi uma luta grandiosa junto aos povos indígenas de todo o Brasil. Estamos felizes pela homologação”, disse.

Muita luta envolvida

Missionários do Cimi Regional Sul, juntamente com o Secretário da CNBB Sul 4, Padre Elias Della Giustina visitaram a terra indígena Morro dos Cavalos e fizeram alguns registros fotográficos da família Moreira que moravam na TI. Foto: Arquivo Cimi Sul/Ano: 1988/abril.

A história de luta no Morro dos Cavalos envolve, inclusive, campanhas feitas em prol da sua homologação. Entre elas, destacamos a pesquisa feita pela Comunidade Guarani Itaty/Terra Indígena Morro dos Cavalos, a partir do Cacique Teófilo Karaí, também Celestino Gonçalves e Antônio Carlos Antunes – Cacique e vice-cacique da TI Morro dos Cavalos no ano tal, além da Comissão Guarani Nhemonguetá, com Agostinho Moreira – Coordenador, do Conselho Estadual dos Povos Indígena, José Benites e membros do Conselho Indigenista Missionário, Osmarina de Oliveira e Clovis Brighenti, Comissão de Assuntos Indígenas/Associação Brasileira de Antropologia e Marque e LII/UFSC, Maria Dorothea Post Darella, com os seguintes detalhamentos:

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Em 2018, a comunidade com os apoiadores elaboraram uma nova campanha pela demarcação:

 

Campanha realizada em 2023:

Terra indígena Potiguara de Monte-Mor, na Paraíba, também demarcada pelo Governo Federal

Junto as Terras Indígenas Homologadas em Santa Catarina, soma-se outra conquista para os povos indígenas: A TI Potiguara de Monte-Mor, que teve o procedimento de demarcação iniciado ainda em 2001. Essa TI está localizada nos municípios de Rio Tinto e Marcação, na Paraíba. A área, segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), com 7.530 hectares, abriga 5.799 habitantes do povo Potiguara e marca um avanço significativo no reconhecimento dos direitos dos povos indígenas no estado da Paraíba. De acordo com dados do Censo 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o local abriga seis aldeias.

A homologação da TI Potiguara de Monte-Mor reconhece o direito ancestral dos Potiguara sobre o território e reforça a importância da preservação ambiental. O processo de demarcação da TI começou em 2001 com a formação de um Grupo Técnico, seguido pela publicação do relatório em 2004. Em 2007, foi emitida a portaria declaratória e, em 2009, a Funai fez a demarcação física dos limites. A TI Potiguara de Monte-Mor possui rica biodiversidade e está localizada em áreas com relevante interesse ecológico, incluindo manguezais e zonas de proteção ambiental, no bioma Mata Atlântica.

Cimi no processo de luta 

Dos longos anos de luta das comunidades do Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, um parceiro de caminhada foi e é o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Regional Sul, que, por meio das equipes de Florianópolis e Chapecó, estiveram presentes para fortalecer e contribuir na garantia do acesso ao direito fundamental, que é a terra. Segundo Ivan Cesar Cima, da Coordenação do CIMI SUL e membro da Equipe Norte RS, a persistência e a coragem dos povos Kaingang e Guarani são reflexos da conquista de hoje.

“Tanto no Toldo Imbu quanto no Morro dos Cavalos é importante destacar que ao longo de todo tempo de luta dessas comunidades pela conquista do território, vivenciaram violências diversas, desde a expulsão de seu território, preconceito, negação dos direitos e procuraram, ao longo da luta, diferentes estratégias para reconquistar seu espaço, seja nas retomadas ou em mobilizações em órgãos públicos. Mesmo em um estado como o de Santa Catarina, muito preconceituoso com os povos indígenas, os Kaingang e Guarani não desistiram e seguiram persistentes, fazendo pressão para que a Funai constituísse o Grupos de Trabalho para realização dos estudos de identificação e delimitação do território, para que o Ministério da Justiça publicasse as portarias declaratórias das terras Kaingang e Guarani e, nos últimos tempos, para que o Governo Federal efetivamente, por meio da homologação, desse outro passo essencial na garantia desse direito fundamental, que é a reconquista do território”.

O Cimi, conforme Ivan, sempre permaneceu aliado dessas comunidades na garantia de direitos.

“Importante dizer que a homologação foi um passo fundamental na luta desses povos e agora, cabe ao Governo Federal dar sequência para efetiva garantia de direito, para que essas áreas sejam registradas como patrimônio da União, em usufruto com as terras indígenas do Toldo Imbu, Morro dos Cavalos e Monte-Mor, e que o Governo Federal, por meio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), indenize aqueles ocupantes de boa fé, para que essas comunidades indígenas tenham efetivamente acesso a plenitude de seu território”, finalizou.

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Acesse os decretos: 

Morro dos Cavalos

Toldo Imbu

Monte Mor