A escola é uma mãe esperando no portão
Uma menina sentou-se na poltrona ao lado. Ela era eu, mais jovem, estudante na escola ainda. Vi-me em três gentes: em mim mesma, na Marina Renata aqui dentro e naquela guriazinha de cabelos lisos, camiseta branca com listra azul do uniforme.
Ela aguardava para entregar um papel para a diretora. Incrível, me disse um “oi” envergonhado. Uma pulseira de coração balançava em seu pulso e aqui dentro de mim, um só batia, bem forte, na saudade do lugar. Não romantizo a escola, não é sobre isso, são as lembranças descalças que andam por aqueles corredores chamando meu nome.
É delas que falo. Da paciência e carinho das professoras de português. Da matemática, a qual nunca simpatizei, os números não me agradavam, eu queria tocar violão no corredor, queria o o seu “Mota”, que era um faz tudo naquele espaço, para conversar porque ele tinha histórias que poucos paravam para ouvir. Eu não desejava Bhaskara, eu copiava de alguém sim, eu queria escrever meu textos e na educação física também me apertava. O esporte não era meu forte, mas me ajudava a alimentar a cabeça para o restante do dia.
Eu tive os/as melhores, mas não fui a melhor em muita disciplina química, física e todas essas das chamadas exatas. Mas foi ali que aprendi a ter e a perder a paciência quando se é necessário.
A escola está mais bonita e não me sinto estranha nela. Acho mesmo que a gente é parte desses espaços. Tem artesanato nas paredes feito de barbante em formato de coração. O meu também vive ali, batendo de saudade dos tempos que voltam sim, fortes na memória sensível de quem consegue sentar na poltrona de espera da secretaria para mirar as novas meninas e meninos que constroem outras histórias e todos os presentes da nossa vida.
A gente passa, a escola fica, assim, aberta, esperando os próximos/as andantes. Que tenham jornadas bonitas também para lembrar. Escola é uma mãe, esperando no portão de entrada, aflita por vezes, dizendo: “mas já vai? É cedo ainda”.
E feito mãe preocupada, transforma-se em vida naquele muro que era só cinza e que o artista Neori Jorge Reolon organizou. Tem mulheres desenhadas nele, representadas na diversidade, com a mão encostada no rosto, pensativa e observante. Tem a senhora do tempo, a experiência viva onde o branco está apenas no cabelo. Tem a que talvez não enxergue o mundo com os olhos, mas deve conhecer profundamente a jornada que todos e todas passamos. Tem também a que não está terminada, eu acho, não sei, o artista tem essa característica de nos colocar na periferia para mirar com maior reparo o que está sendo dito nas linhas configuradas pelo desenho. Só sei que vi mulheres ali e para mim, elas são as guardiãs da escola e estão por toda parte tentando sobreviver junto aos seus companheiros, com os baixos salários e tudo mais.
As/os vejo entrando e saindo das salas. Os jovens educadores que chegam e as já experientes educadoras que amam a profissão, mas estão cansadas. Sinto todas e todos empenhadas/os em cuidar até das plantas que compõe o verde daquele meu sempre espaço escola. Trabalhando dobrado e colecionando aulas cá e lá para sobreviver.
Não é fácil ser escola, como eu fui feliz ali. Hoje o ônibus passa e eu já não preciso embarcar. Têm outros e outras no meu lugar, no lugar deles e delas. Que a vida nos permita os reencontros para lembrar os amores queridos que por ali tivemos.
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*Esse texto foi escrito enquanto aguardava o Pedro, meu companheiro, organizar suas aulas da disciplina de história, na secretaria da escola onde estudei em Descanso: E. E. B. Everardo Backheuser. Lá reencontrei gente diferente, mas também, algumas das mesmas que tem meu respeito. Meu irmão Carlos também trabalha por ali e é alguém que dedica carinhos ao lugar.
Jornalista, militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP).