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Administração de Palhoça/SC e Vicente Dutra/RS usam cerca de R$ 300 mil em dinheiro público para ampliar discurso de ódio contra povos Kaingang e Guarani

Administração de Palhoça/SC e Vicente Dutra/RS usam cerca de R$ 300 mil em dinheiro público para ampliar discurso de ódio contra povos Kaingang e Guarani

Claudia Weinman
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Na última semana, dois documentos vieram à tona e chamam atenção dos povos indígenas e organizações indigenistas do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Um deles é uma lei aprovada no município de Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul e outro, um edital assinado pela gestão da prefeitura de Palhoça, em Santa Catarina. Ambos destinam um valor elevado em recursos públicos para disseminar ódio contra os povos indígenas Kaingang e Guarani e frear os processos demarcatórios.

Em Vicente Dutra, a prefeitura lançou um edital de contratação de serviços jurídicos com o objetivo de atacar os procedimentos de demarcação da Terra Indígena Rio dos Índios, investindo recursos financeiros do orçamento municipal no valor de R$ 140.000,00 e em Palhoça, a lei prevê a contratação de serviços de antropologia para produzir peças supostamente técnicas para atacar e combater os procedimentos demarcatórios. Tal articulação seria desenvolvida em um período de 11 meses a um custo de R$ 14.090,91 mensais, representando um montante total de R$ 155.000,00.

Em Vicente Dutra, o montante a ser investido para atacar os povos indígenas é de R$ 140.000,00 em recursos públicos.

Na formalização da demanda do município de Palhoça, por exemplo, a informação destacada é a seguinte:

Faz-se necessário a contratação de serviços técnicos profissionais de consultoria na área de antropologia para atualizar, adensar e completar todas as peças técnicas contestatórias necessárias para contestar, denunciar e combater a 04 (quatro) reivindicações territoriais indígenas no Morro dos Cavalos, Morro do Cambirela, Massiambu e Praia de Fora, atuando em defesa dos direitos de propriedade dos cidadãos e dos melhores interesses e o direito de desenvolvimento do município”.

Documento coloca em evidência a tentativa de ataque aos povos indígenas.

Para Cleber Buzatto, membro do Conselho Indigenista Regional Sul, equipe Florianópolis, é evidente a tentativa de combate aos procedimentos de demarcação dessas terras indígenas. Segundo Buzatto, o Cimi solicitou que o Ministério Público Federal investigue a situação de Palhoça, a fim de coibir qualquer prática que fomente o ódio e interfira nos direitos originários dos povos indígenas dessa região. No documento, o Cimi descreveu:

Como é de conhecimento, as terras indígenas tradicionalmente ocupadas são de domínio da União (CF Art 20, Inciso XI). Sendo assim, a prefeitura de Palhoça, SC, pretende fazer uso de recursos financeiros públicos da municipalidade para agir contra a própria União, a quem cabe a obrigação constitucional de demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas CF Art 231). Mais do que isso Sra. Procuradora. A prefeitura de Palhoça, SC, com esta iniciativa, favorece e privilegia parcela de seus munícipes ao mesmo tempo em que pretende atacar, com uso de recursos públicos municipais, injusta e arbitrariamente, o direito de outra parte dos seus próprios munícipes (membros da comunidade indígena que habitam a área de abrangência do município). Os recursos públicos municipais devem beneficiar toda a população municipal, não sendo pertinente, nem legal, o seu uso com a finalidade de produzir e ou potencializar discriminação entre seus cidadãos e cidadãs do próprio município por qualquer motivação, inclusive aqueles de caráter étnico”.

No caso de Vicente Dutra, o Cimi também encaminhou um pedido de investigação ao Ministério Público Estadual e Federal, explicando a situação da seguinte forma:

O Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, vem, respeitosamente, requerer que o Ministério Público Federal proceda à averiguação do seguinte fato: A Câmara de Vereadores de Vicente Dutra recebeu do Prefeito Municipal, Senhor Tomaz de Aquino Rossato, a proposta de lei municipal, cujo número é PL 2926/2024, através do qual autoriza o Poder Executivo Municipal a estabelecer um Termo de Fomento com a Associação dos Amigos das Águas do Prado de Vicente Dutra, e dá outras providências. Pretende, o Executivo Municipal, destinar recursos financeiros do orçamento municipal, no valor de R$ 140.000,00, para custeio de despesas inerentes a ações judiciais, desta associação privada, contra a demarcação da Terra Indígena Rio dos Índios, portanto, agindo contra a própria União, a quem cabe a obrigação de demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas, porque elas compõem seu patrimônio. Há flagrante descumprimento de finalidade em tal iniciativa, porque não cabe ao Poder Executivo Municipal, proceder o pagamento, com dinheiro dos munícipes – de todos eles, incluindo-se os indígenas – de ações judiciais de particulares, especificamente 70 (setenta) famílias. Essa proposta, além de ser uma afronta aos indígenas e aos demais cidadãos e cidadãs de Vicente Dutra, é inconstitucional, porque financia-se com recursos municipais medidas judiciais de interesses particulares, privados, para afrontar os direitos indígenas e os interesses públicos da União. Além disso, trata-se de flagrante violação a princípios basilares e constitucionais que devem reger a Administração Pública, nos termos do Art. 37 da Constituição Federal de 1988. O PL 2926/2024 foi aprovado, pela Câmara de Vereadores de Vicente Dutra, na sessão ordinária do dia 26 de março de 2024”.

A seguir, documento encaminhado ao Ministério Público Federal:

 

A seguir, documento enviado ao Ministério Público Estadual: 

 

Organizações criminosas podem estar instrumentalizando o discurso anti-indígena

 O missionário destacou ainda alguns elementos que devem ser considerados em ambas as situações. Segundo ele, é necessária atenção para a estratégia de destinação de recursos públicos com a finalidade de favorecer parte dos munícipes e atacar outra, no caso, os povos indígenas. “Considerando que os povos Kaingang e Guarani residem nessas áreas de abrangência dos municípios, são, portanto, cidadãos daqueles municípios, são munícipes. Na nossa avaliação, as ações dessas gestões afrontam diretamente os princípios da administração púbica, firmados no artigo 37 da Constituição brasileira, ou no Art. 2º da Lei de Procedimento Administrativo – Lei 9784/99, a qual diz que: A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.

Para Buzatto, tais ações demonstram uma articulação em curso onde, nas duas situações, de Palhoça e Vicente Dutra, pode haver uma ligação. “Podemos estar diante de uma articulação criminosa, de instrumentalização do discurso de ódio anti-indígena, utilizando-se de uma estratégia econômica de destinação de recursos públicos com volume elevado para fins privados”, alertou.

Além da oficialização de representações junto ao Ministério Público Estadual, Federal, Tribunal de Contas, Buzatto salienta a necessidade de atenção para qualquer nova informação sobre esses e outros casos em localidades diferentes, a fim de se tomarem as providências necessárias na garantia dos direitos dos povos indígenas.

“Não reconhecemos a lei do município. Que os envolvidos sejam punidos”, diz Luís Salvador, liderança Kaingang

É muito preocupante quando temos um cenário de desrespeito a dignidade dos povos indígenas”. Essa fala, da liderança Kaingang Luís Salvador, Cacique da Terra Indígena Rio dos Índios, de Vicente Dutra, demonstra o sentimento da comunidade ao saber da afronta que a gestão do município tem feito contra os povos indígenas dessa cidade no Rio Grande do Sul.

A homologação do procedimento demarcatório dessa TI aconteceu em maio de 2023, com base em mais de trista anos de luta pela demarcação e uma vida inteira de resistência, considerando que o Brasil é território indígena.

“Quando o município vêm com essa ofensiva, ele demonstra que não reconhece a tradicionalidade dos povos, criando mecanismos , decretando leis. Isso é ilegal porque somos parte do município também e não fomos ouvidos. Essa lei cria problemas sociais, discriminando de imediato os povos indígenas. A constituição nos garante a vida, a educação diferenciada, a saúde. Por isso a democracia é importante porque respeita a nossa diversidade. O que o município está fazendo é implantando uma ditadura e nós não reconhecemos isso”.

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Luís enfatizou ainda que os responsáveis por essa lei devem ser responsabilizados, pois estão agindo com base em violação dos direitos.

“Não fomos ouvimos, qualquer lei contra a democracia, contra a constituição brasileira, precisa de punição e, nesse caso de Vicente Dutra, inclusive, cabe a retirada de mandato dos envolvidos, porque esse recurso público não é só para um, mas para todas e todos. Essas pessoas ligadas ao decreto devem ser punidas pela justiça, com danos morais contra o bem-estar da nossa comunidade”, finalizou.

 

Leia mais:

Nota do Cimi Regional Sul: órgãos municipais se utilizam da máquina pública para atacar direitos indígenas

 

CONQUISTA: homologação do procedimento demarcatório da Terra Indígena Rio dos Índios, em Vicente Dutra/RS

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