Aldeias Guarani na Região do Vale do Ribeira fortalecem a resistência com a criação de abelhas nativas sem ferrão
Aldeias Guarani na Região do Vale do Ribeira fortalecem seus modos de vida e seus territórios com a criação de abelhas nativas sem ferrão
O Vale do Ribeira está localizado ao Sul do Estado de São Paulo e se estende até o Leste do Estado do Paraná. É nomeado desta forma em função da bacia hidrográfica do caudaloso Rio Ribeira de Iguape, um imponente rio que abre caminho entre as montanhas para desaguar ao mar. A região conserva a maior parte de floresta Atlântica ainda preservada e uma biodiversidade formidável, graças a presença histórica de comunidades e povos tradicionais que resistem contra a mineração, a monocultura e a especulação imobiliária e mais recentemente, a introdução de búfalos que se alastram causando grande impacto ao leito dos rios e aos moradores locais. Seu clima úmido e quente no verão, chega a confundir-se com o clima amazônico, propiciando o cultivo de diversas culturas, mas que foi legado a monocultura da banana que tomou grande parte de suas margens e pupunha, ambas produzidas em grande escala nos moldes da monocultura, o que tem desafiado a manutenção da floresta, sua biodiversidade, os rios e nascentes da região.
Por outro lado, estão as comunidades e povos tradicionais tentando manter seus territórios, dos quais dependem para sua sobrevivência, bem como a manutenção e preservação da biodiversidade que abriga a região. As abelhas nativas fazem parte do sistema de subsistência por meio do consumo de mel pelas comunidades e a polinização das flores que geram os frutos das arvores frutíferas, do milho, do bacupari, do cambucá, do pindo etc, mas são fortemente impactadas pela supressão das florestas que dão lugar a monocultura, da mesma forma que são vítimas do uso indiscriminado de agrotóxicos atirados por aviões nas monoculturas de banana, lavando o solo arrastados pelas águas das chuvas até os rios, onde as partículas se prendem ao barro nas margens, posteriormente retirados pelas abelhas para construção de estruturas em seus ninhos.
O Conselho Indigenista Missionário começou a pensar o fortalecimento desta prática de criação de abelhas nativas junto as aldeias na região do Vale do Ribeira. Observando a relação dos Guarani com as abelhas, intimamente respeitosa, se percebeu uma relação profunda e simbólica, especialmente as nativas sem ferrão. Elas são consideradas sagradas e essenciais para sua cultura e medicina tradicional. Os Mbya Guarani, por exemplo, praticam a meliponicultura em suas aldeias, valorizando o manejo das abelhas e seus produtos, como mel e cera, que são utilizados em rituais e tratamentos de saúde, simbolizando um vínculo ancestral com a natureza. Para este povo, as abelhas nativas são vistas como aliadas históricas, ajudando os Guarani durante a fuga dos colonizadores durante o processo de colonização.
O início deste processo se deu após visita realizada no dia 09 de fevereiro de 2023, nas aldeias indígenas da TI Ka’aguy hovy, no município de Iguape. Na ocasião, a equipe do Cimi perguntou curiosamente aos indígenas a respeito das abelhas e seu possível interesse no manejo das abelhas nativas sem ferrão, quando foram apresentados pelos Guarani aos seus enxames de abelhas Jataí (Jate’í), criadas no terreiro da aldeia Yakã Mirim. Esta espécie, em especial, tem uma importância imensurável para este povo, que utiliza, tanto o mel quanto a cera em suas cerimônias sagradas. A cera é usada tampo para a pintura corporal, quanto para confecção de velas que iluminam a casa de reza no (Nhemogarai), além de medicina.
Edmilso Karai Mirim, contou que:
“antigamente quando tinha eclipse, todos os Guarani entravam na casa de reza e acendiam as velas feitas de cera de Jataí, era perigoso permanecer na escuridão do eclipse. Hoje em dia não é mais, mas ainda pode ser”, disse.
A prática de coleta e consumo de mel de abelhas nativas está relacionado com os modos de vida, costumes e tradições, presentes nos meios de subsistência e nos rituais dos povos ameríndios. É bastante comum a criação destas espécies nas aldeias, como se vê na Yakã Mirim. De acordo com as vivências do Cimi junto a este povo, passou-se a conhecer cada vez mais sobre a existência destas abelhas, sendo criadas de formas diversas, tradicionalmente em cabaças (Yakua), em caixas de taboas e muitas vezes no mesmo tronco de árvore de onde são manjadas na floresta.
Em meados de 2023, a partir da parceria à congregação do Verbo Divino e entusiasmo de Pe. Joaquim, começou-se a construir uma parceria junto a equipe do CIMI na região do Vale do Ribeira para iniciar um pequeno projeto piloto de criação de abelhas nativas sem ferrão e abelhas com ferrão (Apis), tendo como referência à aldeia Pindo Ty, localizada no município de Pariquera Açu-SP. Ao mesmo tempo, com apoio do Instituto das Irmãs de Santa Cruz (IISC), se conseguiu chegar com as oficinas de capturas de enxames em outras aldeias junto aos Guarani. Foram realizadas oficinas chamadas de “Ei Pindoty Regua” em Itapuã, Guaviraty e Pindoty. Contudo, as mudanças climáticas que afetam a região com logos períodos chuvosos e frios, algo corriqueiro nos últimos tempos, traz desequilíbrios em proporções imagináveis para a natureza, com as abelhas não tem sido diferente o que às vezes impõe dificuldade na captura de enxames através das iscas utilizadas. Pois para um bom empenho, nas capturas, precisa haver clima favorável, seco, sem muitas chuvas e tempo frio, com floradas abundantes, pois é quando os enxames nativos crescem e se dividem indo nidificar nas iscas armadas na floresta.
Um dos objetivos do projeto, além contribuir no manejo destas espécies, é também dialogar com as lideranças acerca da importância da atividade para uso e fiscalização do território, já que grande parte desta atividade requer caminhadas nas florestas para identificação de ninhos nativos e instalação das iscas de captura. São momentos de aprendizados onde se é possível conhecer muito sobre a relação dos Guaranis com o uso do seu território, pois são apresentados muitos dos seus alimentos, medicina, material para artesanato e a importância da floresta (Ka’aguy Ete) para este povo.
Esta primeira fase consiste na elaboração de iscas pet a partir de materiais recicláveis, tais como, papelão, garrafas pet, jornais entre outros. Seguido por dicas de locais apropriados para instalação na floresta e manutenção das iscas com atrativo de abelhas. Desta forma os enxames nativos seguem preservados em seus habitats, de onde iram povoar novos enxames nas iscas que serão instaladas. Seguido por montagem das caixas de madeira para facilitar o manejo, onde serão criados os enxames após captura nas iscas. Seguiremos cada etapa das oficinas, desde confecção das iscas, instalação na floresta, processo do manejo e colheita do mel junto as aldeias.