Chorem pela Argentina
“Lá fora era tudo escuridão e noite” (Abril Despedaçado )
A situação econômica da vizinha Argentina nos recorda a citação do filme, de livro homônimo, “Abril Despedaçado”. É necessário ser um pouco Evita Perón, interpretada por Madonna, cantando “Eu tinha que aceitar, então mudar, e deixar de viver sem ilusão”, de “Não Chore Por Mim Argentina”.
Os argentinos precisam muito é esperançar e alimentar alguma ilusão de que os movimentos de estabilização econômica funcionarão e a vida voltará ao seu equilíbrio. Não será fácil e nem é provável que o anarcocapitalista Milei consiga fazer algo notável além de insultar chefes de Estado e se aconselhar com o espírito do seu cachorro.
A Argentina já viveu seu apogeu econômico em meados do século passado, ostentando riqueza, indicadores sociais e econômicos comparáveis aos europeus. O objetivo deste texto não é discutir as causas que levaram à cena atual, mas observar se a estabilização econômica cumprirá também o seu proposito humanitário.
Neste momento, 55% da população encontra-se na pobreza. Nos últimos 3 anos, aumentou em 56% o número de pessoas dormindo nas ruas, metrôs e caixas eletrônicos. E absolutamente nada indica que essa situação vá melhorar no curto ou médio prazo.
O desajuste de preços por um período prolongado é deletério para os mais pobres e concentrador de renda.
Diversos estudos confirmam o aumento da desigualdade de renda em períodos de inflação alta. Como parâmetro, a renda por habitante na Argentina é de R$ 46.255,50 por ano, enquanto que no Brasil é de R$ 38.851,20 anuais. Se a renda por pessoa lá é maior porque a pobreza é mais acentuada? Justamente porque a inflação pune os mais pobres de forma mais cruel.
É fato que na ciência econômica os preços tendem ao equilíbrio. O modelo idealizado na Argentina supõe que tal equilíbrio ocorra naturalmente, sobretudo pela queda decorrente da simples razão de falta de quem compre.
É conhecida a fala do economista John Maynard Keynes que, enquanto defendia ações governamentais de proteção social durante as crises econômicas, ouviu de liberais que no longo prazo os preços se equilibram. “A longo prazo todos estaremos mortos” foi a resposta do economista que ajudou os EUA a saírem da crise depois do crash de 1929.
Talvez seja essa a questão fundamental sobre o anarcocapitalismo. Qual é o tamanho do sacrifício humano tolerado em prol da estabilidade de preços? Ninguém haverá de ser contra preços estáveis e economia previsível, mas quanto sacrifício é realmente necessário?
A resposta para essas perguntas é que tanto sofrimento poderia ser atenuado se houvesse ajuda externa atrelada a reformas econômicas de base, que colocassem a economia numa rota de crescimento. Acontece que os economistas liberais acreditam que as crises se resolvem sozinhas e que sacrifício humano é um efeito colateral tolerável. Como numa situação onde o doente deixa de ser tratado esperando que o próprio organismo promova a sua cura.
No horizonte argentino, fala-se que 2 anos serão necessários para uma retomada gradual. Isso é dito sem medir muito a perda do padrão material e a ocorrência de depressão econômica e humana. Porque importa menos. E esse estado de degradação é terreno fértil para populistas insensíveis e demagogos.
Sim, é fato que algum dia a estabilidade vai acontecer. A questão é saber quantos estarão vivos para testemunhar e em que condições. A economia é uma ciência que deveria ser usada para maximizar o bem estar coletivo, jamais para desertificar o futuro de quem quer que seja.
Professor aposentado Rildo Edson Lazarotto. Mestrado em Economia e Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná. Tema da dissertação: “Distribuição de Renda no Brasil, uma análise pós Plano Real”.