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DESOCUPADAS

DESOCUPADAS

Claudia Weinman
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Mulheres do “meu tipo” são as desocupadas. Deitam e levantam querendo dormir. Desocupadas! Fazem mama, arrumam a casa, lavam, estendem, recolhem, passam, mas não olham se tem chave nos bolsos antes de colocar na máquina. Desocupadas! Cozinham, lavam louça, limpam de novo e por vezes, esquecem de nutrir o próprio corpo. Desocupadas!

Depois de passadas todas as roupas, organizam tudo. Tem quem não passe, amasse, ou sei lá. Mas dão jeito. Desocupadas! Embalam as crianças enquanto a reunião acontece. Ficam de pé, não sentam, essas desocupadas. A jornada do dia não termina à meia-noite. De tão desocupadas, vivem na escuridão enquanto a criança chora pelos dentes que estão nascendo, ou pela falta de sua mãe desocupada durante o dia. Noite escura, tão clara no significado.

As desocupadas feito eu, ainda reclamam e choram. Tem quem não entenda. Tem quem observe e ainda, tem quem aponte e que de longe, diga: sou eu quem estou cansada. Não é fácil ser tão desocupada. Quem me dera ocupar a cabeça com alguma coisa para não escrever bobagens. Desocupada que sou, só penso em como me manter ocupada para que não me critiquem o tempo inteiro ou me comparem com sujeitas e sujeitos, aqui o predicado da vida nem importa, não é?

Até o dicionário me condena, explicando que não possuo ocupação –  “sem trabalho; desempregada”. Mas eu trabalho, não estou desempregada. E o dicionário de sinônimos então, me denomina de: ociosa, vadia, até – vazia. Soubesse que estou cheia de desocupação, sim! CHEIA, sem paciência para tanta falta do que não fazer. Preciso arrumar uma função urgente nessa divisão social do trabalho que não existe. Desabilitado é esse lugar que colocaram as desocupadas nesse mundo que não é de deus.

Passou na rua agora outra desocupada, cumprimentei. Estamos na mesma profissão. É, achei que chamar desocupada de profissão daria um bom ofício. Será que assinam carteira? Enquanto pensam sobre isso, deixa eu contar que nas madrugadas que me ocupo com pensamentos que não me deixam dormir nem quando posso, eu viro para o lado e pego o caderno para não perder a ideia. Vai que pela manhã ela foge, como o compromisso de alguns por aí.

Mas continuando, enquanto acompanho o sinal das horas passando, sinto na alma as desocupadas saindo para trabalhar, pensando se terão grana para o aluguel e comida para as crianças, essas coisas do tipo, do meu tipo, de gente, mulher desocupada. E quando levanto da cama sem ter me deitado, eu sinto que não terão dinheiro e que venderão tudo o que tem – territórios chamados de corpos, suas lágrimas tão imerecidas por muitos. Coisa de gente desocupada que não comercializa sonhos, entrega para troca do que precisa urgente.

Hoje sinto-me mais preocupada. Sou mãe de outra desocupada. Será que no futuro finalmente teremos o que fazer?

A criança acordou. Não posso mais escrever. Não sirvo para escrever. Quem sabe eu seja melhor lavando essas roupas que ficaram de ontem.

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Deixa eu pelo menos ligar a TV para escutar os versos que falam da nossa caminhadura, dura caminhada, pela estrada escura… Gil me encantou com Drão, dizendo que o amor da gente é como um grão, uma semente de ilusão, que tem que morrer pra geminar, plantar n’algum lugar, ressuscitar no chão nossa semeadura. O que estou fazendo? Desocupada, só escuta música. Devia trabalhar, me ocupar.

Drão, os meninos são todos sãosOs pecados são todos meus…

 A versão de Hamilton de Holanda e Mestrinho é maravilhosa.