Lendo agora
Do cantinho da janela

Do cantinho da janela

Rafael Lewer
blank

— Eu acho que ele está fazendo de novo, Sabino!
— De novo com essa mania de se meter onde não deve?
— Mas, Sabino, ele está fazendo de novo!
— Tu já devia saber.
— É só ouvir o estalo do facão no poste da esquina que já sei que o demônio tá chegando.
— Não se mete!
— Eu não sou louca! Mas me dá pena.
— Eu também sinto pena. Mas não dá pra se meter. Depois acont…
— Sabino! Sabino! O menino tá saindo de novo. Ele tá chorando!

Rose seguia olhando por um cantinho da janela descoberto pela cortina escura.

— Para de gritar! Ele sempre tá chorando.
— Coitado. Aposto que tá indo no orelhão de novo. Tá sem guarda-chuva, se molhando todo.
— Esse me dá dó. Cuidando de seis mais novo que ele. Fazer comida, trocar fralda cagada e ainda
assim vai bem na escola.
— Tá ouvindo?
— Nem essa chuva esconde. Liga a luz e a TV de novo. Não se mete.
Click! Click!

Rose liga a luz e a TV, sentando-se novamente no sofá sob a janela. Estava no noticiário das
9h.

— “Hoje mais uma mulher foi vítima de feminicídio.” — pronunciava, sem emoção alguma, o
jornalista.

— Ele não ia fazer isso por nada.
— Ai, credo!
— Socorro! Socorro!
— Está ouvindo, Sabino?
— Desliga a luz e a TV! Rápido, sua monte.
— SOCORRO!
Timmmmmmmmm! — Som seco do estalo do facão. A chuva não abafava. As ondas levavam
o terror adiante.

— SOCORRO! — a chuva abafava, à escolha de cada um.
— Sabino, ele tá com o facão! Ele vai matar ela!
— Sai da janela, imundícia.
— Sabino, ele vai matar ela!
— Sai da janela. Não se mete.
— ELE VAI MATAR ELA! O menino está voltando!

See Also
blank

— Sai daí, inferno! — puxou Rose pelo braço para cima do sofá. — Fica sentada quieta.
— SOCORRO! — a voz era de uma criança.
— Eu vou lá! Me solta!
— Tu não vai merda nenhum. Não se mete no que não é teu!
— Sabino!? — surpresa e confusa. Sabino estava confuso?!
— Eu vou lá. Seu covarde!
POF!

Rose foi ao chão logo que foi acertada pela mão pesada de Sabino.
— Tu não vai se meter!
Não se ouviu mais nenhum pedido de socorro.

Rose apenas chorava. Sabino mandava enxugar as lágrimas e ficar quieta para ver a TV.
Naquela noite, o único som da rua, além da chuva, foram as sirenes chamadas de um
orelhão.