Eu tenho um sonho escrito em versos de sentimentos lindos
Eu tenho um sonho que cabe em um jornal, desses que a gente consegue escrever e entregar.
Delineado, é, com lápis de cores muitas. No meu sonho mora gente que ajuda a passar os dias, que atravessa na rua e chama, que levanta a mão e diz: E aí? Eu tenho um sonho que conversa comigo, falando baixinho com medo de alguém ouvir. Pergunto o motivo, não quer me contar. Mas esse sonho me diz que as violências que afastam pessoas precisam acabar. Esse sonho nem rima ao certo, que é para não deixar bonito o que não pode ser.
Eu tenho um sonho, nele, o vento passa mansinho, sereno, bonzinho de sentir. É um sonho verdinho, igual mate quentinho, não bebo sozinha.
Eu tenho um sonho que afronta, corre a fronteira e diz: pode cair, só não tenha medo de levantar.
Eu tenho um sonho que não mora aqui. É povo, caminha.
Engraçado que esse sonho conversa tanto comigo. Sabe?
É um sonho que provoca, mas que ri e chora. Um sonho desses que lá no meu pensamento fala às vezes: menina, isso foi grave, não deixa passar.
E conversa devagarinho, com cuidado, bem quietinho, vai chegando até se sentar.
E se estende pela minha cabeça, deita feito gatinho em sofá gostoso, recolhe meus pensamentos doloridos e abraça feito coisa que desconheço.
Um sonho que diz que o que vivi foi violento, que não deixei projeto algum por loucura da minha cabeça. É um sonho que se revolta e me xinga por silenciar.
Que sonho é esse, minha gente, que faz pensar tanto.
Mas eu gosto dele, gosto de sonhar.
Gosto de pensar que a violência não vai me matar, que avançaremos, que não será em vão todas as noites mal dormidas, todos os dias em que lavei meu corpo esfregando sem parar.
Gosto de sonhar e sonho, abraço, acaricio, afetividade não é crime, mas outras coisas são.
Não sou sozinha, esse sonho é multidão.
*Esse é um texto dedicado à todas as mulheres da classe trabalhadora explorada, que sonham e lutam contra a violência na estrutura machista dentro da esquerda brasileira. Que tenham forças para recomeçar.