Kaingang da Terra Indígena Ventarra iniciam retomada e reivindicam ampliação de território ancestral


Por Ivan Cesar Cima – Cimi Sul Equipe Norte RS.
Erebango (RS), 1º de agosto de 2025 — Diante do crescimento populacional e da omissão dos órgãos públicos frente às denúncias de invasões, a comunidade Kaingang da Terra Indígena Ventarra, localizada no município de Erebango (RS), decidiu iniciar uma nova retomada territorial. A ação, denominada Retomada Re Si᷉, começou oficialmente em 21 de julho e tem como objetivo recuperar uma área situada na fronteira oeste da atual Terra Indígena.
A decisão foi formalizada em assembleia realizada no dia 30 de julho, quando as lideranças locais reafirmaram a urgência do reconhecimento e demarcação dos territórios tradicionalmente ocupados pelos Kaingang. Segundo a liderança, a população da TI Ventarra saltou de 30 famílias, em 1993, para 130 famílias atualmente, pressionando ainda mais os limites do território já demarcado.
A comunidade denuncia que marcos físicos que delimitavam a TI Ventarra foram alterados por colonos vizinhos, o que representa uma tentativa de redução territorial. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) teria sido comunicada, mas, segundo a liderança, não tomou providências concretas.
“Observamos que os colonos mudaram os marcos de lugar, alterando os limites da Terra Indígena a seu favor”, destaca trecho da ata assinada pelas lideranças Kaingang.
Território ancestral ignorado na demarcação

Documentos históricos, livros e estudos antropológicos reforçam a tese de que o território originalmente ocupado pelos Kaingang vai muito além dos 700 hectares atualmente reconhecidos como Terra Indígena Ventarra. Conforme registrado na obra “Erebango – Novos tempos, novos rumos”, a área onde hoje está localizada a TI Ventarra foi palco de trabalho dos indígenas na construção da ferrovia Passo Fundo–Marcelino Ramos. Em troca dos serviços prestados, o cacique Góg teria reivindicado a posse da terra — o que incluiria, além do atual território, áreas conhecidas pelos nomes tradicionais: Ga Kusu᷉g (terra vermelha), Fág Rá (pinheiro marcado) e Ma᷉ Sá (jabuticaba preta).
Apesar disso, em 1911, o então Serviço de Proteção aos Índios (SPI) demarcou apenas dois “toldos” na região — Ventarra e Erechim — sendo o segundo extinto pouco depois, e sua população absorvida pelo Toldo Ventarra. Décadas mais tarde, entre 1962 e 1966, durante o governo de Leonel Brizola, o Toldo Ventarra foi transformado em área de reforma agrária, resultando na expulsão das famílias indígenas. “Os Kaingang foram transportados em caminhões para outras Terras Indígenas, principalmente Votouro”, relata o documento.

Reivindicação formal e achados históricos
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que reconhece os direitos originários dos povos indígenas, os Kaingang retornaram à região e iniciaram novo processo de reivindicação. Estudos realizados pela própria FUNAI identificaram que os limites do território são maiores do que o espaço atualmente demarcado. Uma das recomendações de especialistas foi a unificação dos antigos toldos sob o nome “Terra Indígena Ventarra-Erechim”.
Apesar de reiteradas solicitações desde 2005, a FUNAI ainda não criou o Grupo Técnico (GT) multidisciplinar necessário para elaborar o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). Diante da inércia institucional, a própria comunidade localizou marcos antigos fora dos atuais limites — um próximo à nascente do Goj Já᷉mri e outro na nascente do Rio Erechim, indicando que a área tradicional se estende em ao menos mais 100 hectares além do reconhecido atualmente.
Solicitação urgente de regularização
A liderança da TI Ventarra solicita com urgência que a FUNAI crie um GT multidisciplinar e dê início aos estudos técnicos que viabilizem a demarcação completa do território ancestral dos Kaingang. Em anexo ao documento, foram incluídos registros fotográficos dos marcos antigos, mapa da área reivindicada e trechos do livro citado como fonte histórica.
“Essa não é apenas uma luta por terra, mas pelo respeito à memória, à justiça histórica e à sobrevivência do nosso povo”, afirmou uma das lideranças locais.
