O Carnaval Assusta!
Essa semana quero tentar um texto um pouco mais teórico e lisérgico no melhor estilo desabafo desamparado com recheio de lágrimas e críticas.
O mundo contemporâneo me entristece, por mais de um motivo. Porém algo vem especialmente me deixando deprimido e preocupado. Vivemos num tempo brutalmente pobre. Há um tempo ouvi um ditado preciso que cresce e ecoa na minha cabeça, gostaria de começar por ele para compartilhar minhas preocupações e talvez deixar alguém também com a pulga atrás da orelha. O ditado em questão é “aquele é tão pobre que só dinheiro tem”. Essa frase retumbante ganha força em mim a cada dia que passa. E antes de adentrar num debate moral acusatório, em que aquele que escreve se coloca no lugar de sábio profético e o que lê averigua a medida de sua possível culpa, não é sobre alguém ou qualquer individuo esse meu lamento, é sobre nossa sociabilidade.
Pois bem, não é nova a crítica que se faz apontando esse problema. A mercadoria ocupa a centralidade das relações humanas no atual sistema, já disseram acertadamente gente há mais de século. A questão é que como um veneno essa premissa infecta os liames sociais e contamina as mais simples expressões da vida. Não é culpa de ninguém, pois não há o que culpar, repito, tentarei fugir de qualquer discurso moral. Seguindo: a mercadoria, este artefato material, reduz ao status de coisa ou serviço comprável qualquer fenômeno, diminuindo a experiência humana à: “quanto custa?” Ou pior: “dá lucro?”
A música, o cinema e muitas formas de arte e expressão há muito tempo são resultado desse mantra: dá lucro. Reduzindo dramaticamente a fruição humana quando insere na lógica do mercado a expressão e/ou a criatividade. Bauman também aponta a tragédia contemporânea: a supressão da instância pessoa ao conceito de consumidor. A capacidade de consumir fornece o barômetro que medimos o quão pessoa é alguém, pois, esses dois conceitos infelizmente são hoje fundidos. Pessoa consome, e consumo faz de alguém pessoa. Tanto que, aquele que não tem capacidade de consumo é a não-pessoa. Vide a população em situação de rua, orbitando a margem daquilo que se reconhece como indivíduo, constantemente alijados de direitos básicos.
E assim limitamos a experiência daquilo que é ser humano. Somos dóceis demais ao mercado, pois, alimentamos nele nossa renovada fé em ser. Ascender na escala social é uma tarefa econômica, por isso, a boia salva vidas do capitalismo tardio é (novamente) o empreendedorismo. Empreender é uma tentativa de ser, de ser alguém mais, uma cega forma de atingir o além-homem de Nietzsche, pois, alguém com mais capacidade de consumo acaba sendo mais. Precisamos corrigir o poeta que diz “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, é sobre esse valer a pena, que antes era referenciado na largura da alma humana, pois bem, não mais. Agora é “Tudo vale a pena quando a carteira não é pequena”. Isso se torna flagrantemente mais evidente no nosso contexto regional em que o valor do trabalho e principalmente do sacrifício pelo trabalho é fundamental como avalista do sucesso. E nada passa sem ser batizado pelo sacrifício no altar do trabalho.
Somos uma sociedade mesquinha, com espírito empobrecido pelo dinheiro, atravessada pelo trabalho em sua versão torturante. Para finalizar sem citar o óbvio e suscitar qualquer fagulha de esperança na revolta da razão, quero replicar um texto do professor e escritor Luiz Antonio Simas.
“Num mundo cada vez mais individualista, o Carnaval assusta porque afronta a decadência da vida em grupo, reaviva laços contrários à diluição comunitária, fortalece pertencimentos e sociabilidades e cria redes de proteção nas frestas do desencanto. A festa é coisa de desocupados? Fale isso para as trabalhadoras e trabalhadores da folia. O carnaval é também, para muita gente tratada como sobra vivente, alternativa de sobrevivência material, afetiva e espiritual. Escolas de samba, por exemplo, surgem como instituições comunitárias das populações negras. Possuem ainda, mesmo com todos os dilemas, setores orgânicos que a partir delas elaboram sentidos de mundo. Por isso afirmei que o carnaval está sob ataque faz tempo: os higienistas da casa grande querem eliminá-lo, os tubarões do mercado querem gentrificá-lo, os mercadores da fé querem atrelá-lo ao imaginário do pecado. O Brasil não inventou o Carnaval, é certo, mas o povo brasileiro o vivenciou de tal forma (na pluralidade de suas manifestações) que ocorreu o inverso: foi o Carnaval que inventou um país possível e original, às margens do projeto de horror que nos constituiu. É perturbador para certo Brasil – individualista, excludente, raivoso, intolerante – lidar com uma festa coletiva, inclusiva, alegre, diversa, rueira. Tenso e intenso como lâmina e flor, o Carnaval assusta porque nos coloca diante do assombro da vida.”
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Tem mais, mas era isso.
Até !
Cientista Social e Professor de História, Filosofia e Sociologia em São Miguel do Oeste. Natural de Palma Sola é mestre em Educação pela UNIOESTE de Francisco Beltrão e escritor de prosa e poesia. Profundo admirador da nossa gente, das experiências, vivências, possibilidades, significações e contradições únicas do nosso canto do mundo.