O Marco Temporal precisa ser combatido
Nas duas últimas semanas de maio de 2023, houve muita tensão, repercussão e revolta, especialmente em meio os povos indígenas. A urgência na tramitação do PL 490/2007 e sua apreciação, pelo plenário da Câmara dos Deputados, reorganizou as forças genocidas encravadas no Congresso Nacional e fora dele, contra os originários povos do Brasil.
O PL 490/2007 acabou aprovado e seguiu para o Senado Federal, onde passa a tramitar como PL 2.903/2023. Sempre que os projetos aprovados numa das casas legislativas seguem para a outra, mudam de número.
O projeto de lei – o agora PL 2.903/2022 – é inconstitucional. Essa análise tem sido feita por juristas, indigenistas, indígenas, procuradores do MPF, defensores públicos da União (DPU), advogados e advogadas que conhecem os direitos constitucionais.
Dentre as inconsistências legais, podemos destacar os seguintes aspectos:
– Os projetos que visam regulamentar a Constituição Federal devem ser apresentados através de projetos de leis complementares e não ordinários, como foi o caso desse PL.
– Os projetos que buscam alterar dispositivos constitucionais, como também é o caso desse projeto, devem ser apresentados através de Projetos de Emendas Constitucionais (PECs) e aqui, novamente, há uma inconstitucionalidade formal;
– A tese do marco temporal, que foi proposta no parecer 001 da AGU/2017, onde se buscou vinculá-la a toda administração pública, está suspensa – por decisão do STF – até que aquela Corte Suprema julgue o Recurso Extraordinário 1.017.365, de repercussão geral, o qual discutirá o indigenato – direitos originários dos povos – e a tese genocida do marco temporal.
– O PL retira dos povos indígenas o direito ao usufruto exclusivo das suas terras e, portanto, oportuniza a exploração indiscriminada das terras por terceiros;
– O projeto pretende impor a tese de que somente terão direito à terra aqueles povos que mantém a sua cultura intacta, ou seja, se fará uma avaliação, caso a caso, para saber se as culturas se mantém como há 500 anos atrás, o que é um abuso e denota preconceito contra os povos indígenas na medida em que nega- lhes o dinamismo, aspecto que caracteriza toda e qualquer cultura;
– 0 projeto abre a possibilidade de se impor a revisão de terras para atender aos requisitos da tese do marco temporal. A partir de então, as demarcações ocorridas depois de 1988 podem ser afetadas, exigindo-se a comprovação da posse indígena na data de 05 de outubro de 1988;
– o projeto determina que as demarcações de terras futuras somente ocorrerão mediante autorização do Congresso Nacional, através de leis específicas para cada caso.
A nossa esperança e avaliação é de que o Senado Federal tratará o PL 2.903/2023 com prudência e aguardará o julgamento, pelo STF, do RE 1.017.365 de repercussão geral, onde, espera-se, preservará o indigenato, expresso no direito originário, artigo 231 da CF/1988.
Ha, em nosso pensar, boa expectativa quanto a decretação, pelo STF, da inconstitucionalidade da tese do marco temporal. Também devem ocorrer debates em torno de possíveis condicionantes para contemplar interesses específicos, especialmente quanto às indenizações de terras impactadas pelas demarcações, desde que adquiridas e tituladas de boa fé.
Mas tudo isso, por enquanto, não passa de especulação. Portanto, não se pode fazer projeções e tudo dependerá do entendimento dos ministros do STF acerca dos direitos indígenas. Temos, sim, estudos e manifestações de juristas que concebem os direitos indígenas como fundamentais e que interpretam os artigos 231 e 232 conceituando-os como cláusulas pétreas, ou seja, não podem ser alterados.
Fato concreto é que, havendo a decisão pela inconstitucionalidade do marco temporal, o PL 490/2007 – agora PL 2930/2023- terá sua tramitação inviabilizada.
Diante das pressões das bancadas políticas de direita e extremistas, dos ruralistas, mineradores, garimpeiros, grileiros que fazem oposição aos povos indígenas e as demais comunidades tradicionais serão necessárias articulações e mobilizações pedindo respeito à Constituição Federal e requerendo, junto ao STF, a inconstitucionalidade absoluta do marco temporal.
Roberto Antônio Liebgott é missionário do CIMI - Conselho Indigenista Missionário, atuando na região Sul do Brasil.