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Povos indígenas no estado do Rio Grande do Sul: histórias de violências e resistências

Povos indígenas no estado do Rio Grande do Sul: histórias de violências e resistências

Ivan Cesar Cima
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O processo de dizimação dos povos indígenas, que ocorreu por meio da colonização europeia, se deu de modo mais dramático e intenso nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil. Foram nessas regiões onde os territórios acabaram sendo fatiados, primeiro pelos senhores do Império, a história dos Sete Povos das Missões e sua aniquilação é a expressão cruel da força genocida dos exércitos de Espanha e Portugal, em 1756. Depois a perseguição, escravização e matança dos povos se deu através de várias frentes de expansão e ocupação das terras, através dos bandeirantes, da imigração e colonização europeia e o consequente fatiamento e divisão dos territórios.

Depois de séculos, as resistências dos Filhos Originários da Mãe Terra ainda existem, subsistem, resistem e enfrentam a sempre perene colonização, aquela que nunca se desfez da prática de expropriação das terras e que também se instalou nas mentes e corações de uma grande parcela da população.

Se no passado, aqui nas terras do Rio Grande do Sul, habitavam dezenas de povos, na contemporaneidade vivem os Kaingang, maioria da população, próximo a 35 mil pessoas, os Mbya Guarani, em torno de três mil pessoas, os Charrua e Xokleng com algumas dezenas de famílias.

No Rio Grande do Sul, no início do século 20, foram estruturadas duas políticas para indígenas: uma pelo Estado, que precisava garantir a entrega de porções de terras para colonos europeus e, em função disso, naquele período, decidiu reservar pequenas porções de terras para indígenas e depois liberar o território; outra, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), comandado por militares que assumiram a relação com os indígenas, tendo como o horizonte pacificá-los e integrá-los. Foi neste contexto que criaram algumas reservas para onde promoveram a remoção forçada dos indígenas, liberando, com isso, em definitivo, as terras para o “progresso colonial”.

Haviam duas teses em curso naquele período. A primeira, a de que os indígenas deveriam ser ensinados a viverem como brancos, portanto, como os colonos descendentes de europeus, integrando-se a sociedade e ao trabalho. E a segunda, vinculava-se a perspectiva de que eles deveriam, aos poucos, na medida em que não aceitassem a catequese política, religiosa, educacional do Estado, serem extintos violentamente, por força dos conflitos, perseguições, como se estivessem numa guerra, ou mortos pelas doenças e o abandono.Os povos, apesar do sofrimento, subsistiram e se mantiveram na luta pelos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988, mas que somente se materializam graças aos movimentos de lutas e resistências contra as políticas genocidas do Estado.

Podemos dizer que há no Rio Grande do Sul, atualmente, pelo menos seis grandes realidades indígenas distintas, mas que se interligam e interagem constantemente. Aquelas onde os indígenas vivem em reservas do SPI, em torno de 10; outras que foram demarcadas como terras tradicionais – menos de 20 – seguindo o procedimento determinado pela Constituição Federal de 1988; outras áreas que foram cedidas ou compradas pelos poderes públicos e destinadas ao assentamento de famílias; e, a grande maioria das terras indígenas, mais de 50, estão com os procedimentos de demarcações iniciados, mas paralisados; há, ainda, dezenas de comunidades Kaingang, Guarani e Xokleng, que vivem em acampamentos, ou terras degradadas, sem acesso à água potável, a lugares de plantio e a matéria prima para a confecção de artesanatos comercializáveis; e, para nunca esquecermos, a realidade dos indígenas em contextos urbanos, que somam cerca de mil famílias, vivendo na capital do Estado, Porto Alegre, assim como em Passo Fundo, Erechim, Bento Gonçalves, Rio Grande, Santo Ângelo, Santa Maria, dentre outras cidades.

Nos últimos anos houve a paralisação das demarcações de terras, causando insegurança jurídica e gerando conflitos, mas também há em curso a antipolítica indigenista, que busca desconstruir as conquistas do passado, deteriorando as bases constitucionais dos povos indígenas e submetendo-os ao abandono.

Concomitante, se intensificam as ações políticas e administrativas para atacar as terras demarcadas e colocar, todas elas, a disposição do mercado do agronegócio, através da produção de soja transgênica, criação de boi e plantio de pasto. Esse movimento de governo, fortalece os arrendamentos criminosos das reservas indígenas e, além disso, coroe as relações culturais e étnicas nas comunidades.

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Há, por fim, que se abordar o tema da discriminação e do racismo contra indígenas. A sociedade, em geral, age sempre com intolerância em relação aos indígenas, tratando-os como preguiçosos, incapazes e violentos. A institucionalização do racismo é, dentre os vários fatores de violência, aquela que mais agride e, por conseguinte, é a estratégia mais usada para combater os direitos dos povos à terra, às políticas públicas diferenciadas e ao modo de ser e viver de cada comunidade.

Arquivo A Fronte.

Mesmo diante de toda essa realidade de negação à vida, os povos nos ensinam a resistir, lutar e construir caminhos. Eles se mobilizam em âmbito local, regional e nacional, como acontece em Brasília, com os eventos denominados de Acampamento Terra Livre, onde milhares de indígenas, de todo o país, marcham em luta pelos seus direitos, contra os projetos de leis que arquitetam a morte – o PL 191 e 490 – e contra a tese do Marco Temporal. E nós, cada um e cada uma, precisamos aprender e seguir em luta pelo Bem Viver, por um outro mundo possível.

Chapecó, SC, 04 de novembro de 2022.