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Sob os barracos

Sob os barracos

Roberto Liebgott
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Ali, sob os barracos, nas margens das estradas, por onde passam, em alta velocidade, caminhões dos usineiros, vocês sobrevivem até que a prematura morte lhes visite.

Ali, sob os barracos, na encosta dos barrancos de terra vermelha, cor do sangue cortado pela profunda anemia, vocês fincaram as esperanças de serem vistos, ouvidos e atendidos.

Ali, sob os barracos e entre arbustos, há uma água corrente onde bebem, lavam, banham e contaminam os corpos enfraquecidos, porque a rala água foi envenenada pelo agro.

Ali, sob os barracos, vez por outra, alguém passa para observar a pobreza, se há uma panela no fogo de chão, ou noticiar mais um atropelamento que ceifou uma criança ou a mãe.

Dali, sob os barracos, há imagens suas perambulando pelo mundo, comovendo gente que nada fará de verdade por vocês, porque as terras, suas terras tomadas, não serão demarcadas por governantes e nem agentes estrangeiros.

Ali, sob os barracos, estão sozinhas, mas do outro lado da cerca, o usineiro, o fazendeiro e seus capangas armados, vigiam os passos dados e articulam parcerias públicas e privadas, pois desejam a eliminação de suas existências.

Ali, sob os barracos, restam vocês, seus sonhos, pesadelos, a dor da indigência e da loucura que inunda a mente por não enxergar lá adiante, um sinal, pequenino que seja, da justa justiça, pois esta não compõe o lugar de ser e viver.

Ali, sob os barracos, quem mais lhes visitam, são as memórias de um tempo roubado, das crianças que não puderam crescer, da morte que não sai do lado, permanece teimosa, levando os seus.

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Ali, sob os barracos de lonas rasgadas, esfumaçadas e retorcidas pelos ventos e o intenso calor, os rostos Guarani Kaiowá, Avá, Mbya, Kaingang, Xokleng miram o horizonte vazio, reclamando a ausência do direito, das boas autoridades, da demarcação já!

Ali, sob os barracos….

Porto Alegre, RS, 06 de maio de 2023.