110 anos da Guerra do Contestado, alertando sobre dívidas seculares
Nos 110 anos da Guerra do Contestado, estudantes, professores/as, pesquisadores, comunidade em geral, reunidos no Anfiteatro do PDE da Universidade do Norte do Paraná, UENP-Cornélio Procópio, foi realizado o IV Congresso Brasileiro da Guerra do Contestado, que na plenária final promoveu a leitura de uma moção pelas 110 anos da guerra, que foi aprovada por aclamação da plateia presente.
Tal documento, a exemplo da moção dos 100 anos aclamada em Timbó Grande, SC, solicitando do Governo e do Estado brasileiro, ações mitigadoras para a população e os municípios da região e da Guerra do Contestado, tanto no Paraná, quanto em Santa Catarina. No dia 23 de fevereiro de 2023, o Observatório da Região e da Guerra do Contestado recebeu correspondência do Gabinete Pessoal do Presidente da República, acusando recebimento e encaminhando os pedidos constante na moção, aos Ministérios competentes: Ministério de Portos e Aeroportos; Ministério da Educação; Ministério da Cultura; Ministério da Saúde e Ministério dos Transportes.
Aproveitando o momento histórico, que incluía mudança de governo, a moção pelos 110 anos da Guerra do Contestado complementam a Carta do Timbó Grande, que fora enviada para a Presidenta Dilma Rousseff, em 2015, pouco antes do golpe de 2016. Acreditamos que tanto o Estado Nacional, quanto os estados federados do Paraná e Santa Catarina, possuem obrigações esquecidas com a região da Guerra do Contestado, principalmente no âmbito da saúde, infraestrutura, ensino e cultura.
Cumpre agradecimento aos estudantes do Curso de Geografia da UENP-Cornélio Procópio e ao Grupo de Pesquisa GeoFome – Geografia da Fome, Território, Campo-Cidade (CNPq), coordenado pela Profa. Dra. Vanessa Maria Ludka, que sediaram o quarto Congresso Brasileiro da Guerra do Contestado, em parceria com o Laboratório de Geografia, Território, Meio Ambiente e Conflito, do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Londrina.
Na sequência, apresentamos um fragmento do ofício vindo de Brasília, assim como a íntegra da moção:
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Gabinete Pessoal do Presidente da República
Gabinete Adjunto de Gestão Interna
Diretoria de Gestão Interna
Assunto: Moção – carta dos 110 anos da Guerra do Contestado.
Senhor Coordenador do Observatório da Região e da Guerra do Contestado,
Acusamos o recebimento da Correspondência s/n, protocolada em 22/2/2023, dirigida ao Senhor Presidente da República, pela qual anexa a Moção Carta dos 110 Anos da Guerra do Contestado, apresentando demandas dos representantes do Povo Brasileiro, professores, estudantes, pesquisadores e comunidade norte paranaense.
Pela natureza do assunto, informamos que os referidos documentos foram encaminhados aos Ministérios de Portos e Aeroportos, da Educação, da Cultura, da Saúde e dos Transportes, por meio do Ofício Circular nº 87/2023/DGI/GAGI/GPPR.
Nesse sentido, caso haja interesse em acompanhar seu expediente, poderá contatar diretamente os órgãos indicados (…):
Segue a moção na íntegra:
CARTA DOS 110 ANOS DA GUERRA DO CONTESTADO
Nós, representantes do Povo Brasileiro, professores, estudantes, pesquisadores e comunidade norte paranaense, reunidos entre os dias 07 e 08 de novembro de 2022, no IV Congresso Brasileiro da Guerra do Contestado, cuja temática central versou sobre os 110 anos do início da Guerra do Contestado, entre a realidade científica e as ilusões da vida no sertão que espelha um território de empobrecimento, promovido pelo Grupo de Pesquisa GeoFome – Geografia da Fome, Território, Campo-Cidade e Desenvolvimento, da Universidade Estadual de Norte do Paraná, pelo Laboratório de Geografia, Território, Meio Ambiente e Conflito e pelo Observatório da Região e da Guerra do Contestado, da Universidade Estadual de Londrina, preocupados com o estado e situação da conservação dos acervos documentais pessoais e públicos do Contestado, dos sítios histórico-geográficos de memória em espaços públicos e particulares, patrimônio material e imaterial e das populações remanescentes da Região e da Guerra do Contestado, alertamos a sociedade civil, contestadense, paranaense, catarinense e brasileira, e conclamamos as autoridades e os poderes públicos, Executivos, Legislativos, Judiciários, nas escalas municipais, estaduais e da União, incluindo os órgãos públicos de defesa e atuação sobre o patrimônio material e imaterial, assim como os Ministérios Públicos Estaduais e o da Federação, para:
a) iminente implantação de políticas públicas advindas das três esferas federativas, na área de saúde, da educação, da mobilidade e da terra (o bem máximo marcante da população cabocla que viveu a Guerra do Contestado), para toda a população remanescente da Guerra do Contestado, como forma de pagamento de dívida histórica aos cidadãos e cidadãs que, por mais de um século, vem se mantendo no limite dos benefícios da sociedade contestadense, paranaense, catarinense e brasileira, argumentando que as localidades e núcleos populacionais dos progênitos da Guerra do Contestado no Paraná e em Santa Catarina, na sua maioria, apresentam os mais baixos índices de desenvolvimento humano do Sul do Brasil – isso considerando os dados e as avaliações dos órgãos oficiais;
b) a improrrogável salvaguarda dos locais de memória patrimonial material e imaterial, além de políticas públicas de convivência das populações tradicionais com as sociedades contemporâneas que as envolvem;
c)resguardo público, nas três esferas da federação, dos locais sagrados da fé cabocla e contemporânea, sobremaneira dos locais frequentados pelos fiéis devotos das tradições de São João Maria, no Contestado e nos demais espaços sagrados do Monge do Povo do Contestado em Santa Catarina, no Paraná, no Rio Grande do Sul, assim como noutros locais de devoção do Monge do Contestado, no Brasil – incluíndo as águas santas, as grutas, as capelas, as ermidas, os cruzeiros etc.;
d)tutela estatal, nas três esferas da federação, dos sítios histórico-geográficos dos antigos redutos, das guardas, dos cemitérios; dos locais de combates, dos monumentos, dos locais de cultos e venerações etc.;
e) resguardo institucional, regeneração e sustentação dos locais de visitação, cultos, convivência, fé e pesquisa científica no território do Contestado;
f) inexoravel localização, preservação, conservação, guarda e colocação à disposição dos pesquisadores, dos acervos existentes nos municípios, nos estados e no governo federal, tanto de ordem pública quanto privada – incluindo, documentos, imagens, prosas, poesias, orações, partituras, pinturas, esculturas, adereços, objetos museológicos, depoimentos orais, peças de teatro, audiovisuais, principalmente os que possuem ligação com a Guerra do Contestado e, mais extensivamente, sobre o modo de vida regional, a sociedade, a cultura e o comportamento dos habitantes planaltinos do Sul do Brasil, especialmente o povo caboclo;
g) de imediato e urgente, a criação de hospitais regionais de referências e especialidades para atender as demandas de saúde dos municípios da Região do Contestado, criação de uma Universidade pública e gratuita para os municípios da Região do Contestado, criação de um museu histórico nacional ou estadual, que siga os moldes e técnicas do Museu Histórico do Paraná e de Santa Catarina, em tamanho e densidade, para salvaguardar o patrimônio histórico material e imaterial da Guerra do Contestado e da civilização secular cabocla;
h) ampliação e melhoria da rede viária regional, dilatando, desta forma, o processo de desenvolvimento regional;
i) políticas públicas emergenciais na infraestrutura regional – energia, água, transporte, saúde, educação etc. para os municípios que apresentam as maiores mazelas infraestruturais e sociais da Região da Guerra do Contestado – General Carneiro, Paula Freitas, Antonio Olinto, Timbó Grande, Matos Costa, Calmon, Santa Cecília, Bela Vista do Toldo, Lebon Régis, Monte Castelo e Major Vieira.
Afiançamos que é nossa obrigação, como representantes do povo, professores, estudantes, pesquisadores e comunidade contestadense, paranaense, catarinense e brasileira, salientar os infortúnios acima mencionados para que nos próximos 50 ou 100 anos, quando a sociedade for rememorar o sesquicentenário e o bicentenário da Guerra do Contestado não precise explicitar e se lastimar pela perinidade da conjunção de marginalidade vivida pela população descendente e remanescente da Região e da Guerra do Contestado, que deu seu suor, seu sangue, seu trabalho, no passado e no presente, para a edificação da Nação Brasileira. Esta moção pública nos 110 anos do início da Guerra do Contestado, traz basicamente os mesmo elementos, demandas e cobranças públicas da Carta do Timbó Grande, aprovada por aclamação na Câmara de Vereadores do Município de Timbó Grande, no ano de 2015, ano do centenário do massacre final da Guerra do Contestado, no vale de Santa Maria, o vale da Morte da Páscoa Sangrenta do Brasil, pois desde então, o país convergiu suas políticas públicas para longe das regiões carentes do país, dentre elas, a do Contestado, optando por outras ações no território nacional, deixando, novamente, o Contestado nas sombras republicanas das ações públicas de mitigação dos problemas socioeconômicos regionais.
Desejamos, enquanto sociedade civil, que a Região da Guerra do Contestado encontre sua remição a partir desses 110 anos do início da guerra, que cobriu de sangue a região, os dois estados e a República, envergonhando toda a humanidade!
Cornélio Procópio, 08 de novembro de 2022.
110 anos do início da Guerra do Contestado.
Aclamam esta carta: os representantes do Povo Brasileiro aqui presentes, os professores e os estudantes, autoridades e sociedade civil. Carta aprovada por aclamação na Sessão Solene Encerramento do IV Congresso Brasileiro da Guerra do Contestado, nos 110 anos do início da Guerra do Contestado.
Nilson Cesar Fraga, é Pesquisador do CNPq/PQ. Geógrafo. Professor no Curso de Geografia na Universidade Estadual de Londrina. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Coordenador do Laboratório de Geografia, Território, Meio Ambiente e Conflito – GEOTMAC/UEL. Professor no Programa de Pós-graduação em Geografia na Universidade Federal de Rondónia – PPGG/UNIR. E-mail: ncfraga@uel,br