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Das coisas que o dinheiro não deveria comprar

Das coisas que o dinheiro não deveria comprar

Rildo Edson Lazarotto
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“Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa ideia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los”?

É assim que começa a carta escrita pelo chefe Seatle ao Presidente dos Estados Unidos em 1854, em resposta a uma proposta de compra das terras ocupadas pelos índios em troca de acomodá-los em outra área.

Notemos que a indagação inicial não se refere ao preço, contrapartidas e condições, mas a pura e simples impossibilidade de vender aquilo que, no entendimento daquele povo, não lhe pertencia.

Esta introdução breve serve para nos remeter ao recente projeto que possibilita a “privatização de praias” no Brasil. Um ultraje sob todos os aspectos notadamente num país que ao longo de sua história foi incapaz de produzir uma reforma agrária decente em que pese seus mais de 90 milhões de terras agricultáveis.

O projeto que permitirá a alguns poucos endinheirados adquirir espaços exclusivos na costa brasileira é revelador de como alguns querem tratar aquilo que é essencialmente público.

O que diria o chefe Seatle ao se deparar com um projeto dessa natureza? Talvez outro trecho da carta que escreveu possa responder.

“(…) Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais”.

É improvável que os endinheirados compradores de praias consigam lembrar que cada espaço à beira mar carrega consigo histórias, experiências humanas e lembranças de homens e mulheres que colocaram seus pés na areia molhada pela primeira e única vez ou de forma permanente.

Portanto, não se pode esperar benevolência por parte daqueles que movimentam para se tornar donos de quase tudo.

O espaço do lúdico e da fantasia de crianças cederá espaço para empreendimentos acessíveis mais uma vez a poucos aquinhoados, sepultando não apenas a natureza, mas junto com ela o direito sagrado de todos desfrutarem livremente daquilo que não se pode comprar nem deve ser colocado à venda.

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Se nada for feito agora para impedir o avanço dessa imoralidade podemos parafrasear o final da carta que abre este texto. Serve como uma profecia.

Onde está a praia? Não temos mais acesso.

Onde está a água? Desapareceu.

É o final da vida e o início da sobrevivência.