Agro Pop: marketing midiático, dívidas bilionárias e destruição ambiental


Por trás dos jingles festivos e das campanhas publicitárias milionárias que pintam o agronegócio brasileiro como “pop, moderno e tecnológico”, o setor, apresentado como motor do desenvolvimento nacional, acumula dívidas bilionárias e lança sobre a sociedade o peso de sua gestão predatória. O contraste entre a narrativa vendida ao público e a realidade registrada nos números oficiais é escandaloso.

Segundo reportagem do UOL de 16 de agosto de 2025, o Banco do Brasil enfrenta o maior índice de inadimplência de sua história, com R$ 12,73 bilhões em dívidas do agro em atraso há mais de 90 dias. Metade desse passivo está concentrada no Sul e no Centro-Oeste. Casos como o do conglomerado Safras, que acumula R$ 2 bilhões em dívidas, e o aumento explosivo de pedidos de recuperação judicial expõem que, sob o verniz de modernidade, há um sistema estruturado para transferir prejuízos a credores, trabalhadores e ao próprio Estado.

Enquanto pequenos agricultores são sufocados por juros altos, execuções rápidas de cobrança e o risco constante de perder suas terras, os gigantes do “agro pop” recorrem à chamada “indústria das recuperações judiciais” como se fosse um plano de negócios. A reportagem revela que escritórios de advocacia oferecem pacotes prontos para blindar patrimônios, adiar pagamentos por até uma década e obter descontos abusivos em dívidas bilionárias. Um mecanismo que deveria ser exceção e último recurso virou, ao que parece, rotina, funcionando como salvaguarda de conglomerados que, no fundo, se sustentam em calotes planejados.

Ainda, conforme como relatado pelo UOL, a própria Justiça tem sido palco de distorções. Muitos pedidos de recuperação judicial apresentados pelo setor, ao que parece, são irregulares ou fraudulentos, incluindo produtores que sequer exercem atividade agrícola, omitindo documentos essenciais e abusando de estratégias protelatórias. Na mesma matéria, a juíza Daniela Muller, presidente da Amatra 1, alerta que o dispositivo legal deveria ser usado apenas para preservar empresas viáveis e proteger empregos. Em vez disso, virou ferramenta de blindagem patrimonial e especulação jurídica, enriquecendo escritórios e consultorias enquanto mina a confiança de investidores e desmoraliza o sistema legal.
Como destacou o UOL em sua reportagem, o fenômeno é tão cristalino que advogados e analistas já descrevem o setor como uma “indústria do atraso”. Ocultação de patrimônio, manipulação de prazos e utilização de startups financeiras para inflar artificialmente o crédito se tornaram práticas normalizadas. O futuro prometido pelo agro digital e tecnológico é, na prática, a modernização dos instrumentos de endividamento e a sofisticação dos mecanismos de calote.
Mas os escândalos financeiros são apenas uma parte da engrenagem. O modelo de expansão do agronegócio se revela também predatório em seu núcleo produtivo. O desmatamento avança como uma frente de guerra sobre florestas, cerrados e territórios indígenas, destruindo biomas inteiros para abrir espaço à monocultura de exportação. O solo é explorado até a exaustão, sem qualquer compromisso de regeneração, e a enxurrada de venenos – muitos proibidos em outros países – contamina rios, animais e pessoas. O veneno que sustenta a exportação de grãos também envenena comunidades inteiras, revelando que a ideia de sustentabilidade alardeada nas propagandas é uma fraude. Trata-se, na verdade, de um projeto político que combina saque ambiental com violência social, legitimado por lobbies poderosos e por uma máquina publicitária que transforma devastação em narrativa de progresso.

O contraste social é gritante. A agricultura familiar e camponesa, que de fato produz alimentos para abastecer o mercado interno, é sufocada por regras severas e pelo crédito escasso. Já os grandes conglomerados se beneficiam de um sistema indulgente, capaz de transformar calote em estratégia empresarial e devastação em “crescimento econômico”. Essa desigualdade estrutural fica ainda mais evidente quando se observa o Plano Safra 2025: apesar de ser apresentado como o maior da história e travestido de compromisso com a “sustentabilidade”, a maior parte dos recursos vai para financiar o agronegócio exportador e suas práticas de monocultura, desmatamento e envenenamento dos solos e das águas. A agricultura familiar e camponesa, responsável por colocar comida na mesa da população brasileira, segue relegada a uma fatia menor e insuficiente do crédito, perpetuando um modelo de exclusão social e dependência econômica. Em vez de corrigir desigualdades históricas, o Plano Safra fortalece ainda mais o poder dos grandes grupos e aprofunda a lógica de concentração fundiária e financeira que caracteriza o “agro pop”.
E por trás desse sistema de privilégios, não faltam crimes sociais invisibilizados. O trabalho análogo à escravidão persiste em muitas lavouras, revelando que a abundância do “agro pop” é sustentada pelo suor e pela exploração desumana de trabalhadores. Ao mesmo tempo, o estímulo financeiro a grandes conglomerados é, na prática, um cheque em branco entregue aos “bandidos de terno e gravata” em Brasília – políticos, lobistas e empresários que utilizam o poder público para garantir lucros privados. O apoio irrestrito a projetos lesa-pátria, que desmontam direitos, destrói biomas e pavimentam o caminho para futuros ditadores, fragiliza as instituições democráticas e normaliza um projeto autoritário de sociedade. O agro, nesse sentido, não é apenas predador de florestas: é predador da democracia.

O agronegócio brasileiro se vende como inovação e modernidade, mas sua face real é de um setor que lucra com o atraso, manipula as leis e transfere prejuízos bilionários ao erário público. A retórica midiática que celebra eficiência e progresso contrasta com a realidade de irresponsabilidade, desigualdade e destruição. Cada recuperação judicial fraudulenta e cada dívida bilionária não paga são lembretes de que a propaganda não alimenta o país, mas a mentira.
É urgente desmontar a cortina de fumaça que protege o “agro pop”. O setor precisa ser cobrado por transparência, responsabilidade ambiental e ética. O Brasil não pode aceitar que a agricultura que destrói biomas, envenena populações e pratica calote bilionário continue sendo celebrada como orgulho nacional. O verdadeiro retrato do agronegócio hegemônico não é de progresso, mas de saque – econômico, social e ambiental.
Chapecó (SC), 18 de agosto de 2025.
Ivan Cesar Cima
Cimi Sul – Equipe Norte RS
*Artigo elaborado com base em matéria publicada no site da uol, em 16 de agosto de 2025, com o título Dívida recorde do agro abala Banco do Brasil; entenda o que está por trás
