A proibição para doar comida e a banalidade do mal
Em termos de perversidade o projeto aprovado na Câmara de Vereadores de São Paulo concorre com o PL que criminaliza crianças estupradas e que fazem aborto. O projeto apresentado pelo vereador Rubinho Nunes pretende “regulamentar” a doação de alimentos a pessoas em situação de rua e multar em até R$ 17 mil qualquer cidadão que queira alimentar um ser humano com fome.
Aprovado em 32 segundos o projeto tem como objetivo combater as ações humanitárias do Padre Júlio Lancelotti, conhecido por socorrer pessoas em vulnerabilidade social. O próprio vereador escreveu em sua rede social: “(…) enquanto eu for vereador, não darei vida fácil para essas ONGs do centro de SP e esses militantes do Julio Lancelotti!”
Ainda que o projeto represente o fundo do poço é importante descer alguns palmos para entender o que está na gênese de uma iniciativa como essa.
No seu livro publicado em 1963, Einchmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal, Hanna Arendt define :
“a banalidade do mal é um mal que virou comum de ser praticado”.
Guardadas as devidas proporções é assim que podemos olhar para projetos que negam comida a famintos ou criminalizam crianças estupradas que cometem aborto.
A iniciativa é carregada de pobrefobia. A novidade nestes tempos tristes que vivemos é que essas ações tenham ganhado contorno legal porque apresentadas por parlamentares eleitos pelo voto popular. São cada vez mais frequentes ações legislativas que hierarquizam e desumanizam as pessoas.
Estima-se que em São Paulo haja entre 45 a 60 mil pessoas em situação de rua. Pelo projeto, para que essas pessoas recebam alimentos é necessário que o doador obtenha autorização prévia da prefeitura e os beneficiários sejam cadastrados. Faltou dizer se o morador de rua pode fazer o cadastro através de um aplicativo baixado num Iphone ou deve se dirigir ao poupa tempo com o comprovante de residência.
Notemos que o vereador não se espanta ao saber que há tantas pessoas desamparadas. O que o escandaliza e revolta é haver alguém que os alimenta.
Ao se defrontar com a reação pública diante da proposta escandalosa o vereador disse que não sabia da multa de R$ 17 mil para quem ajudar um semelhante com fome. Recuou e decidiu segurar o projeto para que seja melhor discutido.
Ao propor a criação de uma burocracia estatal para o ato generoso de doar comida, nossos liberais defensores do estado mínimo lançaram mão do estado máximo, onde o crime está em salvar um semelhante, não em abandoná-lo.
Sem querer, ou talvez querendo, os políticos da direita elitista e aporofóbica (aversão a pobres) incorporaram o famoso Justo Veríssimo, personagem de Chico Anísio que usava o bordão “quero que pobre se exploda”. Frequentemente simplificava a questão dizendo que a melhor forma de acabar com a miséria é matar os miseráveis.
Professor aposentado Rildo Edson Lazarotto. Mestrado em Economia e Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná. Tema da dissertação: “Distribuição de Renda no Brasil, uma análise pós Plano Real”.