Apontamentos sobre os cenários pós-eleição de Lula
O contexto eleitoral foi revelador de duas dimensões da política partidária brasileira: uma vinculada à máquina estatal corrompida para macular as eleições, ou torná-la de um candidato só, no caso o inominável; a outra buscava dialogar e disputar as eleições de forma ética e serena, onde se discutiriam propostas e os projetos de governança. O ambiente criado pela candidatura nazifascista foi nefasto e devastador. As redes sociais tornaram-se ferramentas de criminosos, com a veiculação de mentiras, mensagens de ódio, violências, preconceitos e as mais variadas formas de desqualificações religiosas, culturais, de gênero, éticas, étnicas, morais e econômicas.
Houve, pela candidatura estatal, o uso desmedido de dinheiro público, compra de votos e todo tipo de ilegalidades. A situação foi tão grave que o Superior Tribunal Eleitoral (STE) não conseguia controlar a disseminação de fake news, chegando, em alguns momentos, demorar excessivamente para coibir ou punir à brutalidade imposta no decorrer da campanha, especialmente no segundo turno.
Havia, do ponto de vista da extrema direita, uma única perspectiva – reeleger o inominável. O alto investimento financeiro e os riscos futuros de responsabilização por crimes praticados não permitiam outra opção. A determinação era a de impedir a eleição da candidatura Lula. Os acordos, no âmbito da extrema direita, foram firmados com a finalidade de ganhar ou ganhar. Mas, em sua maioria, a população da região Nordeste, de Minas Gerais, de alguns estados do Norte e com uma boa votação em São Paulo e Rio Grande do Sul se inverteu o cenário e LULA VENCEU a máquina da morte.
Diante desse fato incontestável o último suspiro, dos nazifascistas, foi fomentar badernas, criar um clima de descontentamento e insegurança. E se promoveu, de sul ao norte, muitas arruaças. A opção – enquanto havia controle do dinheiro público – foi financiar os seguidores, baderneiros e criminosos, para que bloqueassem estradas, rodovias e afrontar a democracia.
Eles, da família bolsonarista, avaliavam que teriam apoio de militares, políticos eleitos e reeleitos, das polícias e das elites agrárias. Erraram! Ficaram isolados, a exceção foram a Polícia Rodoviária Federal – que decidiu, durante a eleição e depois dela, auxiliar o golpe – uma parcela do agro predador e de alguns empresários, parte deles sonegadores e devedores de impostos.
O Superior Tribunal Eleitoral (STE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) não se amedrontaram, não cederam um milímetro às chantagens e as ameaças de golpe. E, apesar da conivência da Procuradoria Geral da República (PGR) – que relativizou a baderna, os crimes eleitorais e contra a democracia – os Ministros agiram e exigiram a adoção de medidas no sentido de coibir as ações golpistas.
Instigados pela família do inominável, pela rede de mentiras e de desinformação, os bolsominios se mantiveram nas rodovias, realizaram atos nazistas diante de quartéis e centros urbanos, pedindo intervenção militar.
Outra vez o tiro saiu pela culatra, pois imaginavam, como insinuou o inominável, de que setenta e duas horas depois das eleições as manifestações contínuas – agressões, violações aos direitos de ir e vir – dariam às condições necessárias para as forças antidemocráticas se unirem. Erraram. O inominável ficou sem apoio. Não havia nenhum cabo e nenhum soldado a acompanhá-lo. Diante disso, acabou, de forma constrangedora, solicitando o desbloqueio das estradas e – nas entre linhas de seus dois pronunciamentos – reconheceu a derrota eleitoral.
Passadas às quarenta e oito horas da declaração oficial, pelo TSE, de que Lula fora eleito e, portanto, seria diplomado como presidente do Brasil, o governo em curso passaria a cumprir as formalidades da lei e anunciar o início do processo de transição. Com isso, o novo governo, através de um grupo técnicos, políticos, economistas, coordenadas pelo Vice-presidente da República eleito, Geraldo Alckmin, passa a planejar a nova governança e a ter acesso às informações financeiras e administrativas. O governo de transição, desde logo, acompanha e fiscaliza os atos em âmbito federal.
Aspectos positivos e preocupações pós eleição de Lula:
Positivos
O ciclo do nazifascismo foi interrompido por dentro do Estado, mas não significa que ele tenha sido atacado ou superado no âmbito da sociedade.
A sinalização do novo governo em retomar, com mais ênfase, as políticas sociais, embora os poderosos do sistema financeiro mostrem insatisfação em relação aos discursos contrários à limitação dos gastos públicos em saúde e educação e outras prioridades nos serviços públicos.
Os indicativos do novo governo de que dará atenção às causas dos povos e comunidades originárias e tradicionais, prometendo enfrentar e combate às invasões, especialmente de garimpeiros e madeireiros. Há, apesar de todo discurso, a necessidade de reconhecimento de uma dívida histórica em relação a esses sujeitos de direitos e, mais que isso, precisam apontar medidas para uma efetiva reparação. A criação do Ministério dos Povos Originários não pode servir como uma estratégia de governo dispersão sobre temas tão urgentes, que exigem medidas e políticas pela garantia dos direitos fundamentais destes povos.
Preocupações
Há um conjunto de forças do capital transnacional e do mercado financeiro, sempre disposta a agir para desestabilizar o governo quando seus interesses de lucratividade, farta e fácil, não forem atendidos.
A composição do Congresso Nacional, em sua maioria, é de oposição ao governo e representam forças de direita e extrema direita que impõem suas pautas como moeda de troca no âmbito da governabilidade.
O ambiente de desconstrução de direitos,das terras e de políticas, em que o país foi lançado, ao longo dos últimos 06 anos, criou raízes profundas e difíceis de serem extirpadas num único mandato.
Há que se considerar, também, o fato de que a metade ou mais da população demonstra desconfiança no Partido dos Trabalhadores. Este contexto pode se tornar uma espécie de areia movediça, que, associado a outros fatores do capital neoliberal, venha a comprometer as possibilidades de êxito de um governo progressista.
Pautas necessárias e urgentes no novo governo
A equipe de transição priorizou as negociações no sentido de garantir orçamento as ações emergenciais da população. Há de se dizer que foi revelado um déficit público, em 2022, que pode ser superar 400 bilhões de reais. Diante deste contexto, a pergunta que os economistas fazem é: de onde tirar o dinheiro para o pagamento dos 600 reais aos pobres a partir de janeiro? Sem esquecer outras demandas em saúde, educação, previdência social e segurança pública. A equipe de transição, pelas notícias que nos chegam, se empenhará em rediscutir, junto ao Congresso Nacional, o orçamento de 2023. Para tanto, os parlamentares deverão priorizar este debate, construir consensos e formar um grande bloco em defesa da população do país.
Outros temas compõem as preocupações do novo governo. Um deles é a relação com o parlamento, de como consagrar uma maioria no Congresso Nacional tendo pela frente um ambiente político de clientelismo, do toma lá dá cá como “regras” nas relações entre Executivo e Legislativo. Não há governo que se sustente sem uma ampla frente popular que lhe dê força, segurança e sustentação, associada bem a uma bancada parlamentar comprometida com às causas da vida.
Outros temas que compõem as agendas e preocupações vinculam-se ao meio ambiente, onde urge a adoção de políticas de proteção das florestas, combate ao garimpo, proibição dos agrotóxicos, fortalecimento dos órgãos de fiscalização e, ao mesmo tempo, a necessária responsabilização pelas práticas de crimes ambientais ao longo dos últimos 04 anos.
As causas indígenas, quilombola, dos pescadores, das quebradeiras de coco, das ribeirinhas e ribeirinhos são pautas que despontam e, acerca delas, há promessas que despertam preocupações e interesses, tanto dos povos e comunidades originárias, como daquelas e daqueles que cobiçam a manutenção do processo exploração indiscriminada dos territórios.
Perspectivas
Que sejam retomados todos os espaços de participação popular e controle social no Estado Brasileiro; que haja diálogo para discutir projetos e programas populares, culturais, educacionais. E, nesses espaços, sejam ouvidas as pessoas, famílias, povos, comunidades, bem como seus anseios e propostas asseguradas.
Que se assegurem investimentos financeiros no âmbito das políticas públicas, possibilitando – a todas e todos – o acesso gratuito nas universidades e que a educação fundamental, a educação básica sejam alicerces das ações governamentais e não apenas atos paliativos.
Que a reforma agrária seja tratada com respeito, inclusive para enfrentar o latifúndio e a violência no campo e, a partir dela, sejam constituídas políticas que valorizem a agricultura camponesa e familiar, a produção orgânica e as economias solidárias.
Que sejam retomadas às demarcações das terras indígenas e quilombolas; que a tese genocida do marco temporal seja rechaçada; que a Constituição Federal venha a ser efetivamente respeitada.
Porto Alegre, RS, 12 de novembro de 2022.
Roberto Antônio Liebgott é missionário do CIMI - Conselho Indigenista Missionário, atuando na região Sul do Brasil.