Lendo agora
Ataques racistas e desinformação: Casa de Passagem Indígena Goj Tá Sá emite nota de esclarecimento à sociedade

Ataques racistas e desinformação: Casa de Passagem Indígena Goj Tá Sá emite nota de esclarecimento à sociedade

Ivan Cesar Cima
blank

As famílias Kaingang que vivem na Casa de Passagem Indígena Goj Tá Sá, em Florianópolis, divulgaram uma carta de esclarecimento à sociedade após declarações consideradas racistas, desinformadas e irresponsáveis feitas por um ex-deputado estadual e ex-secretário municipal de Assistência Social, que, em vídeo publicado nas redes sociais, incitou moradores do bairro Saco dos Limões contra a implantação da Casa de Passagem no espaço do antigo Terminal Integrado (TISAC).

De acordo com os indígenas, não houve qualquer invasão ou ocupação irregular do local. A utilização do TISAC pelas comunidades indígenas ocorreu em 2016, com mediação do Ministério Público Federal (MPF), como medida provisória de acolhimento e reparação diante da ausência de políticas públicas voltadas às populações indígenas em mobilidade. Desde então, o espaço passou a cumprir função social reconhecida e acompanhada pelo MPF e pela Funai.

O prédio, construído em 2013 e nunca utilizado como terminal de transporte, encontrava-se abandonado. A destinação para a Casa de Passagem transformou o espaço em um equipamento público de caráter reparatório e educativo, resultado de um acordo judicial firmado entre o MPF, a Prefeitura de Florianópolis e as comunidades indígenas.

O projeto atual é fruto de quase duas décadas de luta e de amplo diálogo interinstitucional, envolvendo a Prefeitura, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e as lideranças indígenas, em conformidade com o direito à consulta prévia, livre e informada, previsto na Convenção 169 da OIT. Após atrasos e multas judiciais, a Prefeitura lançou em 2025 o edital de chamamento para a obra da Casa.

A nota enfatiza que a Casa de Passagem Goj Tá Sá é um equipamento público previsto em políticas afirmativas, com o objetivo de acolher famílias indígenas em trânsito — especialmente durante o verão, quando a venda de artesanato é fonte essencial de sustento — e de garantir segurança e dignidade aos povos indígenas em contexto urbano.

Atualmente, 14 famílias permanecem no local em caráter provisório, em razão da demora na conclusão da sede definitiva. No local são promovidas ações educativas, ambientais e culturais. O equipamento, conforme destaca a nota, cumpre uma função pública, social e educativa. Entre as contribuições destacadas estão: o cumprimento da Lei 11.645/2008, que garante o ensino da história e cultura indígena e afro-brasileira; o fortalecimento das políticas de permanência de estudantes indígenas; o combate ao racismo e à desinformação; e a valorização da presença ancestral indígena em Florianópolis, parte essencial da história da cidade.

As famílias indígenas repudiam as falas racistas e incitadoras de ódio proferidas pelo ex-deputado, ressaltando que esse tipo de conduta é passível de punição com base na Lei nº 7.716/1989, que tipifica os crimes de discriminação e preconceito.

Encerrando a nota, os indígenas reafirmam seu compromisso com o diálogo, a verdade e o fortalecimento das políticas públicas, convidando a sociedade a conhecer o espaço e as ações desenvolvidas com os povos indígenas da região.

“Nós, povos indígenas, não invadimos, fizemos ocupação. O governo possui uma dívida muito grande com os povos indígenas, há muito tempo. Nos sentimos em constante insegurança pelas ameaças e intimidações que nos chegam. Exigimos segurança para nossas crianças. Estamos sofrendo com preconceito, racismo. Pedimos providências sobre essa situação”, enfatiza Sadraque Lopes, liderança Kaingang que representa as famílias que lutam pela Construção da Casa de Passagem.

Ainda, segundo a liderança, a luta pela Casa de Passagem é parte de um contexto histórico de reparação e luta por direitos.

“Estamos lutando pelo nosso direito. Florianópolis, Santa Catarina é território indígena. Nossos ancestrais, embora não estejam mais entre nós fisicamente, seguem com a gente nessa luta, que é de geração em geração. É uma luta que nunca para. Por isso, se acontecer alguma coisa com qualquer indígena dessa comunidade, a culpa será de quem está proferindo tantas ameaças e estimulando a violência contra o nosso povo”, finalizou.

Leia a nota na íntegra: 

CARTA DE ESCLARECIMENTO À SOCIEDADE SOBRE A CASA DE  PASSAGEM INDÍGENA E PONTO DE CULTURA GOJ TÁ SÁ

A Associação Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura Goj Tá Sá, por meio desta nota, vem a público manifestar-se diante das declarações veiculadas recentemente em vídeo pelo ex-deputado estadual e ex-secretário municipal de Assistência Social de Florianópolis, Bruno Souza, que, de forma racista, desinformada e irresponsável, busca mobilizar a sociedade civil e moradores do bairro Saco dos Limões contra a implantação do equipamento público municipal que formaliza e estrutura a Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura no espaço do antigo  Terminal Integrado do Saco dos Limões (TISAC). É necessário esclarecer, com base em documentos oficiais e decisões judiciais, que não houve invasão ou ocupação irregular por parte dos povos indígenas. A ocupação do TISAC ocorreu em 2016, por proposição do Ministério Público Federal (MPF), como medida provisória de reparação e acolhimento diante da ausência histórica de políticas públicas voltadas às populações indígenas em mobilidade na cidade. Desde então, a área passou a cumprir uma função social legítima e legal, reconhecida pelo poder público e acompanhada pelo MPF e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). O espaço em questão — um terminal construído em 2013 e nunca colocado em funcionamento — encontrava-se desativado e em estado de abandono, representando desperdício de dinheiro público. A sua destinação à Casa de Passagem Indígena transformou uma estrutura ociosa em  um equipamento público de caráter reparatório e educativo, atendendo à demanda judicial que resultou em acordo firmado entre o MPF, a Prefeitura de Florianópolis e a comunidade indígena. Esse processo, que se estende há quase duas décadas de luta, teve origem na ação civil pública ajuizada pelo MPF em 2016, que cobrou das esferas municipal, estadual e federal a construção de uma Casa de Passagem Indígena adequada às condições de dignidade e aos direitos assegurados pela Constituição Federal (artigos 215, 216 e 231), pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O projeto atualmente em execução é resultado desse longo processo de diálogo e construção participativa. A Prefeitura, após diversos atrasos e multas judiciais por descumprimento do acordo, lançou em 2025 o edital de chamamento público para a execução da obra definitiva, com base no projeto arquitetônico elaborado pela Prefeitura e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em consulta prévia, livre e informada com as comunidades indígenas, conforme prevê a OIT nº 169. É importante destacar que a Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura Goj Tá Sá não é um abrigo improvisado, mas um equipamento público previsto em política afirmativa. Sua função é acolher famílias indígenas em trânsito — especialmente durante a temporada de verão, quando a venda de artesanato se torna a principal fonte de sustento — e garantir o direito de permanência e circulação segura dos povos indígenas em contexto urbano. A atual presença de 14 famílias indígenas em caráter permanente é consequência direta da demora do poder público municipal em construir a sede definitiva e da falta de alternativas habitacionais adequadas. Mesmo assim, a comunidade mantém o espaço ativo, com ações culturais, educativas e ambientais reconhecidas oficialmente pelo Governo Federal como Ponto  de Cultura.

O equipamento cumpre, portanto, uma função pública, social e educativa, contribuindo para:

  • o cumprimento da Lei nº 11.645/2008, que determina o ensino da história e da cultura afrobrasileira e indígena nas escolas;

  • o fortalecimento das ações afirmativas e da política de permanência de estudantes;

    indígenas nas universidades da região;

  • a promoção do diálogo intercultural e do combate ao racismo;

  • e a valorização da história e da presença indígena em Florianópolis, anterior à colonização e essencial à identidade da cidade.

Reafirmamos que o discurso de ódio disseminado por figuras públicas, de caráter racista e desinformativo, não apenas atenta contra a dignidade dos povos indígenas, como também fere o  princípio da convivência pacífica e democrática entre comunidades. Tais práticas são passíveis de responsabilização nos termos da Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define e pune os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A Goj Tá Sá é um espaço aberto à visitação e ao diálogo, que convida toda a sociedade a conhecer, aprender e conviver com a diversidade que compõe Florianópolis. Seguimos comprometidos com a verdade, a justiça e o fortalecimento das políticas públicas que garantem o direito à existência e à memória dos povos originários desta terra.

Florianópolis, 17 de Outubro de 2025.
Associação Casa de Passagem Indígena e Ponto de Cultura Goj Ta As.

 

 

See Also
blank

 

 

 

 

Leia mais:

Máquina de empresa privada invade área da União cedida à prefeitura de Florianópolis para Construção de Casa de Passagem

Justiça determina que município de Florianópolis construa Casa de Passagem indígena no antigo Tisac