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Brasis Adentro: Ópera Xucra Cabocla do Contestado

Brasis Adentro: Ópera Xucra Cabocla do Contestado

Nilson Fraga

Quando imaginei um grande espetáculo para a XI Semana do Contestado, logo me veio em mente produzir uma “Ópera Xucra Cabocla do Contestado” combinando esses termos que ressaltam tanto a forma artística (burguesa) quanto a origem e natureza do conteúdo (popular-cabocla). Considerei que a Ópera se refere ao gênero artístico majestoso que combina música, canto, teatro e cenografia, mas era preciso unir esse termo à história de luta e resistência cabocla, cuja grandiosidade de guerrear por quatro anos contra o poder republicano brasileiro, já fazia do povo caboclo a própria dimensão de um espetáculo épico e de elevada arte. Mas, o objetivo de falto é, sempre, romper a invisibilidade histórica e o silenciamento impostos à Guerra do Contestado e à vitória cabocla, que fora moral, mesmo que a República os tenha vencido no campo de batalha. A utilização do termo Xucra, regionalmente sulista, foi pensado para além da sua tradução literal pejorativa, de “rústica”, “selvagem” e “não domada”, mas para o termo Xucra, que demonstrar ser o modo de vida caboclo, “simples e autêntico”. Assim, busquei associar a forma “Ópera”, da erudição europeia, com o adjetivo “Xucra” ao título, contrastando com a sofisticação da ópera tradicional com a cultura popular e cabocla da região, reafirmando, desta forma, a autenticidade da origem sertaneja-campesina, em contraposição à perspectiva dos opressores que viam (e veem) no caboclo o ser “não civilizado”, valorizando, desta maneira, a cultura cabocla e a sua resistência. E, claro, sinalizar que é uma “ópera do povo”, feita de forma própria, em contraposição a uma visão elitista da arte e da história. Assim, posso afirmar que o título significa, na sua essência, a “Grande Obra Artística Rústica e Autêntica sobre o Contestado, produzida e pensada para as crianças e os jovens da EEB 30 de Outubro, do Assentamento Rio dos Patos, em Lebon Régis, no estado de Santa Catarina”, pois sabia que eles dariam dignidade e voz à sua história marginalizada por meio da música e do canto, fazendo um espetáculo épico. Assim, a “Ópera Xucra Cabocla do Contestado” é um manifesto artístico que usa a forma erudita (Ópera) para celebrar e autenticar a história de resistência e a cultura simples do povo caboclo (Xucra), combatendo a invisibilidade e o preconceito.

Chegamos ao fim da nossa cobertura especial da XI Semana do Contestado. Depois de testemunhar a força das 7 apresentações da Ópera Xucra Cabocla do Contestado na EEB 30 de Outubro, no Assentamento Rio dos Patos, em Lebon Régis, SC, fica a certeza de que a história do Contestado não é apenas lembrada, ela é revivida com paixão e dignidade, sobretudo ao envolver crianças, jovens e professores lebon-regenses.

A Ópera Xucra Cabocla do Contestado provou ser mais do que um espetáculo; sendo um grito de resistência em forma de arte. Ela uniu a sofisticação da Ópera com a autenticidade e a bravura da cultura Xucra Cabocla, provando que a história do povo, a história dos marginalizados, é a verdadeira arte épica do Brasil profundo.

Obrigado aos professores, crianças e jovens da EEB 30 de Outubro por darem voz e alma a essa narrativa tão necessária. Eles não apenas encenaram a história, mas também garantiram que a vitória moral dos caboclos contra o silenciamento imposto pela “república do diabo” jamais seja esquecida.

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Este foi o Programa Brasis Adentro honrando a memória, a luta e a cultura que pulsa em todos os cantos sertanejos, caboclos, ribeirinhos, quilombolas, beiradeiros, indígenas, quebradeiros, sementeiros, rezadeiros do Brasil profundo e real.

Até o próximo Brasis Adentro!