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“Mais do que um evento escolar, a Primeira Alvorada Cabocla tem como base conhecer e reconhecer a Guerra do Contestado como parte integrante da história de SC”, diz professora

“Mais do que um evento escolar, a Primeira Alvorada Cabocla tem como base conhecer e reconhecer a Guerra do Contestado como parte integrante da história de SC”, diz professora

Claudia Weinman
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Janete Palú é professora de história há 25 anos. Ela leciona na Escola de Educação Básica São Miguel, em São Miguel do Oeste/SC, espaço onde foi realizada a Primeira Alvorada Cabocla na quinta-feira, dia 18 de setembro. Janete menciona que desde o final de sua licenciatura, nos anos de 1990, existia o seu questionamento sobre o apagamento e o silenciamento de algumas culturas, povos e modos de vida no Extremo-oeste catarinense. Para ela, a escola e, especialmente, as aulas de história, precisam ser espaços de valorização da pluralidade e da diversidade.

“Estudei o modo de vida caboclo e a sua marginalização aqui no Extremo-oeste, principalmente com o adensamento das relações capitalistas de produção. Observei esses sujeitos que foram relegados ao esquecimento e a invisibilidade. Suas histórias não são descritas nos livros de história da região, e, muitas vezes, não são citadas quando se comemora o dia do município ou outras comemorações históricas regionais. Então ao longo da minha trajetória nas escolas, quando eu fui percebendo que os currículos escolares também silenciavam esses sujeitos, que estão em sala de aula inclusive, e que são descendentes de indígenas, caboclos, busquei ir além do currículo escolar que é centrado em uma cultura eurocêntrica. Falta lugar, espaço e tempo para o estudo e a valorização das culturas locais, como desses povos que fazem parte dessa identidade coletiva”, explicou.

Educadora Janete Palú. Foto: Arquivo pessoal.

A educadora destacou que já no início do ano, quando a escola se preparava para o ano letivo, foram surgindo ideias e seu questionamento foi do porquê em algumas escolas se fazem semanas dedicadas a certas culturas, e não se celebra com a mesma intensidade outras culturas presentes na região e na própria escola.

Estudantes representaram com o teatro, os/as personagens da Guerra do Contestado. Fotos: Arquivo Alvorada.

“Porque algumas culturas são exaltadas e outras quase não aparecem no calendário pedagógico e atividades propostas pelas escolas? Essas provocações foram fundamentais para se pensar a necessidade de uma atividade como a Alvorada Cabocla e que está inserida dentro de um projeto maior da escola, que é o projeto: diversidade, cultura, tradição e identidade. Então já durante o ano letivo, especialmente os estudantes das terceiras séries do ensino médio e fundamental, do nono ano, eles estudaram a Guerra do Contestado que aconteceu no início do século XX, de 1912 a 1916, com reverberações para o modo de vida caboclo e para Santa Catarina e o Paraná. Ao estudar a Guerra do Contestado, nós também estudamos o modo de vida caboclo, foram realizadas pesquisas e leituras de obras literárias que tratam do conflito.  Esses momentos de estudos e debates serviram de base para a construção do nosso projeto”, disse.

Poesias de resistência foram declamadas durante a atividade. Fotos: Arquivo Alvorada.

A pesquisa amostral realizada na Escola de Educação Básica São Miguel identificou a diversidade étnica e cultural presente entre os/as estudantes. Do total, 7% declararam ser descendentes de povos indígenas, 5,3% de caboclos, 4% de afrodescendentes, 26% de alemães, 36% de italianos e 6% de poloneses. Também foram registradas descendências de russos, ucranianos, portugueses, espanhóis, austríacos, venezuelanos, argentinos, árabes e judeus.

Foto: Claudia Weinman.

Elementada pelos dados, a educadora detalhou que a pesquisa revela a identidade da escola, que é diversa, mas também mostra a diversidade cultural predominante na região, desmistificando a ideia eurocêntrica e fortalecendo o conceito de uma região que é formada por uma mistura de povos e modos de vida.

“Esses grupos compõe a cultura da nossa escola, e estão reconstruindo a cultura regional. A primeira Alvorada Cabocla nasce do compromisso de resgatar a memória e a valorização da identidade cabocla dentro de um contexto maior para valorizar a diversidade cultural e os modos de vida. Mais que um evento escolar: a Primeira Alvorada Cabocla tem como base conhecer e reconhecer a Guerra do Contestado como parte integrante da história de Santa Catarina, seus e suas personagens, a vida sertaneja que compõe a história da região”.

Fotos: Arquivo Alvorada.

O nome Alvorada tem significado, segundo a professora Janete. Representa o nascer do dia, do despertar coletivo.

“É necessário olhar para as nossas raízes e reconhecer a diversidade cultural como parte fundamental da formação cidadã e de afirmar e reafirmar que a história não se resume as versões oficiais, mas também as vozes, sujeitos silenciados. Nosso objetivo é proporcionar aos estudantes e comunidade, a celebração de andar juntos, em coletivo, fazendo memória e resistência. Ser caboclo não é parte do passado, não é algo que foi apagado e silenciado com o fim da guerra, mas um legado que permanece vivo, que nos ensina sobre solidariedade, religiosidade popular, luta, resistência, coletividade”, finalizou.

Convidados/as contribuem no resgate da história, cultura e modo de vida do povo caboclo no Extremo-oeste Catarinense

Fotos: Arquivo Alvorada.

A Primeira Alvorada Cabocla foi um momento bonito e carregado de arte, história, cultura. Estudantes de diversas turmas apresentaram os/as mártires do Contestado, a exemplo de João Maria, José Maria, Maria Rosa, Chica Pelega, Menino Joaquim, Adeodato, além do teatro:

“As Sombras da Resistência: A Guerra do Contestado”, com estudantes da E.E.B Alberico Azevedo, e organização da educadora Kátia Dill. (vídeo abaixo)

O educador e trovador Pedro Pinheiro, fez sua apresentação com canções do Contestado, também uma fala sobre a vivência cabocla e o trabalho popular de levar para dentro da escola, o conhecimento da realidade cabocla, indígena e negra do Extremo-oeste de Santa Catarina.

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Educador e Trovador Pedro Pinheiro, em apresentação durante a atividade. Foto: Claudia Weinman.

O caboclo João Carlos Alves Pinheiro também participou do momento, com o relato sobre a produção da erva-mate e a vivência cabocla, trazendo na sua prosa, colocações sobre como era a vida cabocla há mais de cinquenta anos e as práticas de uma vida simples, que se mantém ainda hoje.

João Carlos Alves Pinheiro, falando sobre o modo de vida caboclo. Foto: Claudia Weinman.

A Jornalista e Militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), Claudia Weinman, evidenciou o retrato jornalístico do povo caboclo no interior de Santa Catarina, (Extremo-oeste), com destaque para as mulheres caboclas e outras que herdaram as práticas do benzimento, por exemplo. Ela citou duas mulheres que mantém o benzimento e a produção de alimentos saudáveis nessa região: Marina Valansuelo Pinheiro e Renate Weinman, ambas foram certificadas neste ano de 2025 pelo estado de Santa Catarina e carregam o título de – MESTRAS DA CULTURA POPULAR. Além disso, Claudia destacou em sua fala o segundo combate do Taquarussu e o massacre sangrento, especialmente contra as mulheres.  Um vídeo sobre a produção da erva-mate foi exibido para os/as estudantes, mostrando a construção do Monjolo e a vida dentro do rancho.

Jornalista e Militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular, Claudia Weinman. Foto: Eliezer A. de Oliveira.

No final da manhã, o educador Luiz Carlos da Silva (UNIOESTE), falou sobre: “As fronteiras culturais e o processo de construção da identidade gauchesca.

Educador Luiz Carlos da Silva (UNIOESTE). Foto: Arquivo Alvorada.

Toda a atividade envolveu poesias, com a participação do educador Eliezer A. de Oliveira, da estudante Kauani Bedin Cappellari e do estudante Guilherme Hirayama. Um lanche foi servido com diversas variedades de alimentos.

Foto: Arquivo Alvorada.

O Contestado vive!