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O Show da Vida

O Show da Vida

Rodrigo Luis Mingori
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Você já viu ou conhece o “Show de Truman”? Se não conhece, atenção para spoilers.  

Aqui no Brasil ele leva o curioso subtítulo de o Show da Vida o que é muito significativo. Esse filme ficou muito famoso quando de seu lançamento e é considerado um clássico do cinema, entre outras coisas, pela sua proposta ousada de mostrar como a indústria cultural tem o melhor sistema de aproveitamento de rejeitos da história. Sem dar mais spoiler que o próprio subtítulo, o filme é um reality show a vera. Ele, apesar de alguns absurdos, tem uma premissa totalmente crível ao extrapolar alguns princípios éticos e perguntar ao espectador, entre outras coisas, e se tudo for armação? A realização do sonho mais íntimo de qualquer egocêntrico paranoico. O filme, como já foi dito em milhões de análises, é uma paródia interessante da nossa realidade, afinal é o show da vida.  Vou botar água no rio e fazer mais uma análise. 

Truman reverbera com o mais profundo anseio contemporâneo. Ele vem de uma era pré-redes sociais e sacia o fetiche mais abissal, a parafilia mais reclusa e encerrada no continente submerso social: de que a história que contamos sobre nós para nós mesmos faz ou fará sentido. Explico: aquilo que chamamos de caráter é uma fábula. Uma história autoproduzida para construir sentido a nossa personalidade. A sociedade do espetáculo encheu o palco com narcisos e ninguém ficou na plateia. O filme brinca com a ideia de que, nesse cenário, a cortina está fechada e existe para além dela uma grande e verdadeira plateia espiando. Porém aqui, fora do filme, aguardamos nossa plateia entretidos demais consigo próprio. Hoje essa aventura é mais deliciosa, pois, nós mesmos somos o câmera, ou melhor, imaginamos controlar o câmera postando no instagram. 

A principal crítica feita no filme é sobre a própria indústria do entretenimento, através de um filme da própria indústria. O cinismo é tangível (e louvável), porém ainda revestido de um véu lúdico. O que me chamou a atenção para escrever esse tema foi outra peça de entretenimento, e comparar as duas serve de exercício de análise crítica das mudanças na história recente. O Show de Truman contemporâneo é o também cínico programa Shark Tank 

Na versão empresarial moderna de Truman, o realitie show Shark Tank é uma peça que produz entretenimento nos conchavos burocráticos de fusão empresariais. É simplesmente genial. Uma pessoa aparece para os sharks para propor parceria num negócio, ficto ou em andamento. E a graça é acompanhar o processo de venda de uma empresa que será incorporada parcialmente pelo grande capital. Os empresários renomados “investem” comprando parte de um negócio em desarranjo ou inovador demais para simples mortais darem sequencia.  

A plateia então passa a aplaudir o processo de acumulação do capital. O programa é cinicamente sobre isso. Mais que sobre isso, é apenas isso. O capitalismo tardio criou um produto de entretenimento daquilo que em outro momento sentia vergonha e tentava esconder na cobertura de grandes arranha-céus. Não há nem véu lúdico, entra uma pessoa que simbolicamente se ajoelha implorando para ter o trabalho de sua vida subjugado por um grande capitalista. E a plateia delira e várias temporadas são produzidas.  

Não há mais tempo para o lúdico, nem necessidade de véu crítico. O cinismo é tão brutal que dispensa a criatividade. O Show de Truman dessa época é triste e sem graça. É como se divertir num campeonato de pular corda usando as entranhas da nossa sociedade. Sem contar que cada episódio tem um sabor de lição de moral, pois lá no fundo fica a mensagem: “Estamos te mostrando um caminho para o sucesso, quando será sua vez?”. Venha participar você também da acumulação primitiva de capital e se delicie no caminho, ficando famoso e implorando aos deuses do capitalismo que salvem sua vida financeira.  

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Era isso.  

Até.