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Os vetos de Lula ao PL 2903/2023: Perigos e a continuidade da luta

Os vetos de Lula ao PL 2903/2023: Perigos e a continuidade da luta

Ivan Cesar Cima
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No dia 20 de outubro, o Presidente Lula vetou, no PL 2903/2023, a tese do marco temporal, aprovada pelo Congresso Nacional. O chefe do Poder Executivo seguiu as determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, de repercussão geral, caracterizou a referida tese como inconstitucional.

Imagem: Verá Xunu, fotógrafo Mbya Guarani

O presidente acabou, numa negociação ministerial, vetando parcialmente os conteúdos do projeto de lei 2903/2023, retirando dele conteúdos escandalosamente inconstitucionais, mas mantendo a possibilidade de uso econômico das terras indígenas por terceiros, que não os povos e comunidades indígenas.

O artigo 20, mantido pelo presidente da República, é genérico e pode, combinado com o artigo 26, inviabilizar a posse e usufruto das terras pelos povos indígenas sem esbulho, invasão ou imposição de programas oriundos de interesses públicos incertos e duvidosos. O artigo 26° do projeto de lei foi mantido na sua integralidade, viabilizando, através de parcerias e cooperações com a iniciativa privada, as mais diversificadas formas de exploração econômica.

Foto: Cimi Regional Sul.

Esse texto afronta com o direito dos povos ao usufruto exclusivo das terras pelos indígenas e intensificará o assédio às comunidades, suas lideranças, por aqueles setores interessados em “acordos de cooperação”, tendo em vista arrendamentos e outras formas de especulação das terras para o plantio de produtos transgênicos, criação de gado, ou ainda viabilizar a terceiros à caça, pesca, garimpo, extração de madeira.

Para entender:

O Projeto de Lei (PL) 2903/2023 que tramitou no Senado, é o mesmo que tramitou na Câmara dos Deputados com o número PL 490/2007. Há pelo menos dezesseis anos esse projeto vem oferecendo riscos à vida e aos direitos dos povos indígenas do Brasil. A partir dos vetos do presidente Lula, o projeto resultou na Lei nº 14.701 de 20 de outubro de 2023, a qual regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973.

O que o veto parcial representa? Dos trinta e três artigos dispostos no PL, vinte e quatro foram vetados total ou parcialmente pelo presidente Lula. O que seria considerado mais grave pelos povos indígenas e organizações indigenistas foi vetado. Porém, a pauta do movimento indígena sempre foi a de que o presidente vetasse na integralidade o PL 2903/2023. Uma das principais questões e lutas era para que Lula vetasse o marco temporal, o que aconteceu. Além disso, foi vetada a dispensa a Consulta Livre, Prévia e Informada na Convenção 169 da OIT. Também foi vetada a vedação a revisão de limites às terras já demarcadas, questão essa que o próprio Supremo Tribunal Federal expôs e defendeu a possibilidade a partir do Recurso Extraordinário.

Também foi vetado um dispositivo que enfraquecia os povos livres ou em isolamento voluntário. O PL trazia agressividade contra esses povos. Outros pontos de veto foram imprescindíveis, pois traziam um aspecto racista, questionando a cultura indígena e dando margem para questionamentos do “ser indígena”.

Essa disputa em torno dos temas não finalizou. Não em função da vontade ou não do presidente, mas do processo legislativo que é constitucionalmente estabelecido, conforme cita o artigo 66 da Constituição Federal, que diz exatamente assim: 

O artigo 66 da Constituição Federal de 1988 regula o processo legislativo de sanção e veto dos projetos de leiO artigo estabelece que o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional deve ser enviado ao Presidente da República, que pode sancioná-lo ou vetá-lo, total ou parcialmente, no prazo de 15 dias úteisO veto deve ser motivado e comunicado ao Congresso, que pode derrubá-lo por maioria absolutaO veto parcial só pode abranger texto integral de artigo, parágrafo, inciso ou alínea”.

O Congresso Nacional, poderá decidir no dia 09 de novembro sobre os vetos do presidente, em sessão conjunta, onde deputados e senadores se juntam para analisar os vetos.

No Congresso Nacional, para promover a derrubada dos vetos, o critério é o da maioria absoluta, que significa que para derrubá-los são necessários 257 votos de deputados e 41 de senadores, independente do Quórum da sessão do Congresso que vai analisar esses vetos. Ao todo, somam 513 deputados e 81 senadores e é necessário que a maioria desses/as se posicione para a derrubada ou não dos vetos.

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Foto: Cimi Regional Sul.

No caso do Congresso Nacional derrubar os vetos, o presidente Lula ficará de mãos atadas e não poderá fazer nada a respeito desse processo legislativo que é considerado por lei, como legítimo. Por isso, é importante que ocorra mobilização, articulação da própria presidência da república para que a base do governo no Congresso Nacional garanta os vetos e a bancada ruralista não saia vitoriosa.