“Mesmo Lula ganhando não será fácil, mas é ainda mais difícil lidar com quem é contra os povos”, afirmam lideranças indígenas
Lideranças indígenas e aliados/as participaram na sexta-feira, dia 21 de outubro, de forma online, de uma conversa organizada pelo Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, que reuniu os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. O objetivo foi dialogar sobre a conjuntura política, com destaque para o momento delicado que antecede o segundo turno da eleição presidencial no país, no próximo domingo, dia 30.
O primeiro momento da reunião foi marcado pela análise de Conjuntura Político Eleitoral e Indigenista, a partir da fala do membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cleber Buzatto. “Não é de agora a disputa e os enfrentamentos entre projetos distintos de país, sociedade, Brasil, mundo. Nesse momento isso se traduz nessa disputa eleitoral que estamos vivendo. Vemos de um lado o projeto do capital, a economia da destruição, da morte em função dos desdobramentos que esse projeto representa e esse projeto de vida e futuro dos povos indígenas, comunidades tradicionais, campesinos, trabalhadores/as urbanas, população brasileira que é a grande maioria, que tem seus objetivos de vida”, disse.
Para Cleber, o projeto de vida que as/os trabalhadoras/es almejam e o futuro dos povos indígenas e tradicionais, é baseado em espaços e condições suficientes para todas as pessoas viverem com dignidade, trazendo para o centro do debate que os direitos à saúde, educação, cultura, lazer, assistência e previdência social sejam garantidos e efetivados para todas as pessoas, conforme estabelece a Constituição.
“Os protagonistas desse projeto são os povos originários, trabalhadoras/es. Do outro lado está o projeto da economia da destruição, do capital, um projeto da morte que em síntese tem como objetivo a existência de espaços apenas para algumas pessoas, para poucas pessoas viverem, na opulência, com muito capital acumulado. Esse é o modo de produção capitalista. Importante ter presente que dentro do projeto do capital, da morte, existem diferentes matrizes teóricas que disputam espaços e geram tencionamentos dentro do próprio sistema capitalista”.
O missionário trouxe presente o significado do Capitalismo Keynesiano, que, segundo ele, é uma perspectiva do capitalismo que mantém o empobrecimento da classe trabalhadora e coloca no Estado brasileiro a responsabilidade em relação às questões sociais, de proteção ao direito das pessoas que vivem nesse espaço que compreende esse respectivo Estado. “Pode-se dizer que a constituição brasileira tem diferentes perspectivas, está próxima a essa ideia do capitalismo Keynesiano, do estado de bem-estar social, onde o Estado brasileiro tem responsabilidade de efetivar os direitos conquistados na Carta Magna, lei maior do Brasil”, explicou.
Ele também mencionou a matriz teórica do Capitalismo Neoliberal. Segundo Cleber, o neoliberalismo é uma perspectiva ainda mais danosa, como em si o capitalismo é, mas, para ele, o neoliberalismo aprofunda a exploração, a superexploração do trabalho, meio ambiente, buscando garantir acima de tudo, seus lucros estratosféricos, com a concentração de dinheiro e a produção de desigualdade social ainda mais violenta. “Um elemento histórico importante dessa matriz está no golpe de estado do Chile e a posse do ditador Augusto Pinochet, que impôs esse modelo de capitalismo no Chile, com uso de violência, assassinato de lideranças e de todos/as que tinham perspectiva crítica. O modelo de capitalismo neoliberal não tem preocupação com o modo de governar a partir da democracia. Esses defensores em busca do lucro não têm muita preocupação em cuidar com o regime democrático”, refletiu.
Brasil: o projeto do capital aprofunda a exploração da classe trabalhadora e amplia o genocídio dos povos indígenas
Já em 2015, Cleber aponta para sinais evidentes de que havia uma movimentação gigantesca nos extratos políticos, econômicos, financeiros e que sinalizava o aprofundamento da exploração da classe trabalhadora, dos povos indígenas. “Aquele documento do MDB apresentado pelo Temer, que era Vice da Dilma, falando sobre a “ponte para o futuro”, ali tem elementos evidentes do neoliberalismo, ali foi pré-golpe, depois foi o golpe com o impedimento da Dilma em meados de 2016”, analisa.
Em 2018 mais um golpe judicial, envolvendo judiciário, a mídia corporativa, o Congresso Nacional, com destaque para o judiciário a partir do instrumento chamado Lava Jato, com a prisão do ex-presidente Lula e a vedação da candidatura dele em 2018, foi o estopim segundo o missionário, para que Bolsonaro assumisse a presidência em 2019, tendo Paulo Guedes como um trunfo. “Bolsonaro manejou Guedes durante toda a campanha, chamando-o para negociações com os donos dos bancos privados, grandes investidores internacionais e assim por diante. Paulo Guedes, conhecido também como “Chicago Boy” é um aluno da Universidade de Chicago, dessa ideologia, onde a teoria do neoliberalismo foi desenvolvida, ele trabalhou a partir do governo Pinochet, impondo com o uso da violência essa perspectiva de governo no Chile”.
Cleber falou ainda sobre os planos de Guedes para mudar a constituição e possibilitar legalmente que o salário mínimo seja corrigido com índice inflacionário abaixo da inflação do ano interior. Segundo ele, não há limites para o que o Brasil pode se tornar caso Bolsonaro seja reeleito.
Outros elementos também foram contextualizados por Cleber durante a sua apresentação na reunião com as lideranças indígenas, tais como a corrida armamentista do governo Bolsonaro e seus investimentos na indústria bélica que lucra com a venda de armas e munições, que tem especialmente para os povos indígenas, Sem-Terra, consequências graves, permitindo segundo Cleber, que os fazendeiros, grileiros, comprem e formem verdadeiros bancos de armas e munições. “Isso tem um potencial bastante perigoso”, alertou.
Bancada ruralista: uma das mais difíceis dos últimos anos – 388 deputados/as federais contra os povos indígenas
A composição da Câmara dos Deputados, a partir da eleição no último dia 2 de outubro é bastante complicada na avaliação do missionário. Ele cita os 388 deputados/as federais eleitos para atuarem contra os povos indígenas. “Qualquer mudança constitucional precisa de três quintos de votos, menos que o número de deputados/as da bancada ruralista eleitas/os”.
Já as/os deputados/as pró –indígenas eleitas/os somam 125, destes, cinco são indígenas, duas ligadas ao movimento indígena Sonia Guajajara (PSOL – SP) e Célia Xakriabá (PSOL – MG). Duas candidaturas eleitas pelo Partido dos Trabalhadores: Juliana Cardoso (PT – SP) e Paulo Guedes (PT -MG) e uma bolsonarista: Silvia Waiãpi (PL -AP).
“São quatro indígenas de espectro de esquerda e uma é bolsonarista, que participou do ministério da Saúde, no início do governo Bolsonaro”, lembrou Cleber.
A conjuntura do Senado é ainda mais preocupante para o missionário. “São mais de sessenta senadores desse bloco perigoso. O movimento indígena e as/os aliadas/os possuem um grande desafio pela frente”, destacou ele, enfatizando ainda que o povo brasileiro está diante de uma tentativa de desterritorialização dos povos indígenas, campesinos, quilombolas, em razão desses setores que operam o projeto do capital. Ele citou o exemplo de 1850, com a Lei de Terras: 601 de 18 de setembro de 1850 e o decreto: 1318 de 30 de janeiro de 1854 que regulamentou e mandou executar a lei.
“Naquele momento histórico o estado do Rio Grande do Sul oficializou a redução do território Kaingang e reservou aos mesmos uma extensão de terras com os seguintes limites: partindo das nascentes do Rio Passo Fundo, seguindo por este até a sua foz no Rio Uruguai, seguindo por este até a foz do Rio da Várzea, subindo por este até sua nascente, nos campos de Sarandi, de onde partia uma linha seca até a nascente do Rio Passo Fundo. Uma área de aproximadamente 420 mil hectares. Depois disso, em 1912, o mesmo estado oficializou a redução deste território e a reserva aos Kaingang, dentro dessas áreas maiores, as Terras Indígenas Serrinha (com 11.950 hectares) e Nonoai (com 34.950 hectares)”.
Cleber deu seguimento explicando o processo de desterritorialização do povo Kaingang no Rio Grande do Sul mencionando o que foram os anos subsequentes, entre 1950/1970. “Após arrendamentos e apossamentos por colonos, o estado do RS oficializou a redução destes territórios. A TI Serrinha é extinta (últimas famílias Kaingang são carregadas em caminhões e transportadas até Nonoai). Da Terra Indígena Nonoai restaram cerca de três mil hectares na posse dos Kaingang e Guarani. Depois disso, em 1978/2010 vemos o ciclo de re-territorialização parcial dos povos indígenas e em 2000 presenciamos a apresentação da PEC 215 na Câmara dos Deputados”.
Buscar construir formas de barrar o projeto do capital
Brasílio Priprá, liderança do povo Xokleng de Santa Catarina, falou sobre a conjuntura difícil no Brasil e destacou a necessidade de dialogar mais com a juventude indígena e buscar construir formas de barrar o projeto do capital. “Tenho 64 anos, vivi na época dos militares, agora está afunilando, precisamos com mais experiência mostrar para os jovens o que era no passado e o que está piorando. Convido essas lideranças de todo Brasil, que batalham pelos direitos indígenas, para conversar com esses jovens para cuidar, olhar quem é quem para votar. Podemos nos ajudar dentro do voto, temos que buscar nosso direito, não entregar nosso direito de futuro para outras pessoas”.
A liderança indígena Luís Salvador, da Terra Indígena Rio dos Índios, do Rio Grande do Sul, também destacou que o futuro dos povos indígenas está nas mãos que movem a luta no presente. “O futuro está nas nossas mãos. Aquele ouro que tinhamos antes levaram tudo, nosso ouro maior é nossa terra, precisamos dela, nela crescerão os futuros, a Mãe-Terra. Não sou do lado dos capitalistas. Fora Bolsonaro, a luta continua”.
Outras lideranças também demonstraram preocupação pelo fato de Lula não ter sido eleito no primeiro turno para garantia mínima da democracia brasileira. “Estamos há muito tempo sofrendo com essas crises, quero dizer é uma luta tão grande, nossos velhos partiram com o ideal de ver coisas melhores. Essa luta não vai parar, vamos continuar, muitos caciques perderam suas vidas por um pedacinho de terra para ter nossos filhos. Estamos aí para a luta, para a batalha, vamos confrontar. Chapecó é terra tradicional dos povos, todos sabem, aqui está cheio de bolsonarista, vamos confrontar eles”, disse Valdir Sales do Nascimento, Vice-cacique na Aldeia Kondá de Chapecó, no Oeste Catarinense.
A Cacica Kaingang Martina Amantino da Terra Indígena Segu/RS, também falou do papel importante que as/os caciques têm nesse momento histórico e alertou sobre as dificuldades no processo de entender o que o governo fala, divulga e pratica. “Estamos preocupados, mas nós como caciques devemos abrir a mente deles, para nossas comunidades, nossos indígenas. Muitas vezes não entendemos o português, então muitos indígenas não entenderam o que ele (Bolsonaro) quer dizer, que é tomar o nosso direito, para acabar com o indígena. Nós vamos continuar lutando, porque temos a nossa geração, nossa comunidade indígena, crianças, nosso futuro que vão continuar lutando. Precisamos alertar os companheiros caciques e erguer a cabeça. Bolsonaro fala gigante, mas ele vai cair por terra, à vitória será de quem ama seus irmãos. Que Deus dê a vitória para o nosso candidato, vou continuar pedindo a Deus que ele nos proteja, os dias ruins virão, mas os que trabalham com amor e fé, amando o próximo, esses terão vitória, isso é bíblico”.
“Mesmo Lula ganhando não será fácil, mas é ainda mais difícil lidar com quem é contra os povos” – Inathan Gomes, juventude Xokleng
A partir da fala jovem de Inathan Gomes da TI Ibirama-Laklanõ, do povo Xokleng, é possível sentir o esforço feito para se fazer o contraponto às informações falsas que são propagadas dentro dos territórios indígenas.
“Precisamos nos apropriar das informações necessárias para que possamos propagar elas. Esses partidos que ferem os povos indígenas precisam ser extinguidos de dentro das comunidades. Atualmente no nosso trabalho com a juventude a gente discute a política, passa informações que são importantes. A juventude tem grande importância nessa luta, muitos jovens são contra o Bolsonaro, esse governo genocida. Tem uma minoria manipulada, usada, por informações falsas que chegam e influências do fundamentalismo religioso dentro das comunidades. A gente precisa usar essas informações e propagar dento da comunidade, usar as redes, veículos de comunicação para que cheguem. Vamos conseguir vencer essa luta, mesmo Lula ganhando não será fácil, mas é ainda mais difícil lidar com quem é contra os povos”.
O jovem Jairo Karai Tataendy de São Paulo, agradeceu a oportunidade de dialogar na reunião que somou diversas lideranças. “Quero agradecer o convite de estar aqui falando, me sinto feliz de estar participando, pois para nós jovens é muito importante estarmos cientes dos problemas, dos riscos se esse Bolsonaro ganhar. É muito preocupante para nós indígenas”, complementou.
Moisés da Silva, da Terra Indígena Lomba do Pinheiro/RS, relatou sobre o fato de muitos anciãos e anciãs não terem acesso à internet, o que aumenta a probabilidade de acreditarem em informações falsas a partir de quem chega até eles/elas. “Acabam ouvindo uma rádio e por isso é importante como liderança, trabalhar essas políticas dentro das comunidades e que os jovens estejam na luta, para ter as informações certas. A região de Porto Alegre tem alguns que ainda querem partir para o outro lado, mas se consegue articular, conversar, ter as reuniões, então com certeza vai dar certo”.
Com Bolsonaro teremos um futuro sem futuro, principalmente para os indígenas
Do Toldo Chimbangue, território que inaugurou um novo processo de demarcação de Terra Indígena (TI), sendo o primeiro caso no Brasil em que um povo indígena recuperou uma terra que em sua totalidade estava ocupada por não indígenas, com registro cartorial dos imóveis, inspirando o movimento indígena brasileiro, também deixou sua mensagem o Cacique Antonio Antunes. “Precisamos levantar a cabeça e ir à luta de verdade. O que se levantou nessa última eleição, nesse primeiro turno, deu pra perceber, só não percebe quem não quer enxergar. A situação está aí, o momento é crítico e se a gente não se unir, batalhar contra o que está por vir, temos certeza de que será mais difícil a partir do outro ano, se continuar como está. Todos os encaminhamentos mostram que com Bolsonaro teremos um futuro sem futuro, principalmente para os indígenas. Nunca vamos parar de lutar, porque se não morremos. É melhor morrer lutando do que sentado, esperando promessas desse governo. Vamos buscar um ou dois votos a mais, o que nós conseguirmos, para chegar ao nosso objetivo”.
A liderança Saulo Kuaray que nasceu no Rio Grande do Sul, mas reside em São Paulo há 22 anos, atuando como educador, destacou a sua preocupação com o cenário político, especialmente porque em São Paulo, segundo a liderança, o irmão de Bolsonaro, Renato Bolsonaro, atuava como assessor especial da prefeitura de Miracatu, no Vale do Ribeira e esteve envolvido em escândalos com dinheiro público. Segundo Saulo, os povos indígenas sempre tiveram dificuldades em garantir qualquer diálogo com o poder público.
“Faz dois anos que não conseguimos marcar reunião com o prefeito. Muitas pessoas olham para gente de cara feia, mas eles são invasores. Aqui no Vale do Ribeira nenhuma terra é demarcada, está em processo, nenhuma das vinte e duas áreas de TI. Então pessoal, compartilho isso, pois nos fortalece para conversar com as lideranças. Trabalhar em conjunto fazendo trabalho de formiguinha”.
“Não precisamos que Juruá venha dizer o que fazer”
Da espiritualidade e ancestralidade indígena, também vem a palavra de cura e organização dos povos. Santiago Franco, líder espiritual, falou sobre a importância de garantir a democracia para a defesa da cultura dos povos. “Eu como Mbya Guarani luto pela vida guarani, pela saúde guarani, educação, que pertença a nosso futuro. Através desse conseguimos fortalecer nossa religião, nossa língua, cultura, conhecimento, sabedoria, mesmo que estamos sofrendo hoje com esse ataque do direito indígena, sempre existiu muito preconceito, discriminação, matança. Há muito tempo temos falado que o Juruá está destruindo a vida guarani e nós indígenas temos que viver conforme a língua, cultura, religião. Ñhanderu deixou pra nós o jeito de ser indígena, não trazer essa política de Juruá dentro da aldeia. Eu como liderança mais antiga do grupo, faço essa ligação com a espirutualidade, rezar, cantar, dançar, conseguimos ligação direta com Ñhanderu. Juruá não sabe o que vai acontecer na frente, pensa no dinheiro, terra que vai tirar da vida do índio, com certeza Ñhanderu vai fazer algo com Juruá. Nós guarani temos que fortalecer nossa organização própria, porque vivemos na terra, o que fazer futuramente? fortalecer nossa agricultura tradicional, milho, melancia, fazer ritual, dança. Não precisamos que Juruá venha dizer o que fazer”.
Adriana Souza Lima, liderança do Vale do Ribeira /SP falou sobre o fato de ter se formado na universidade aos 47 anos e a importância de conhecer a história e organizar para a luta.
“Ainda é muito pouco o que a gente conhece na graduação sobre essa história do nosso país, como se deu todo esse processo de colonização, como se constrói o capitalismo no nosso território. Muitas das comunidades não acessam essas informações, não dessa forma. Que a gente possa refletir sobre essa linha do tempo histórica trazendo essa proposta de formação política, econômica do nosso país. Aqui em SP o estado é muito conservador, tem um governo estadual que está há mais de 30 anos na mesma política, agora tem oportunidade de mudar esse cenário, mas é uma disputa acirrada. A nossa criatividade é muito importante. Precisamos falar que povo somos, de onde somos, não só povos indígenas, para enfrentar toda essa violência e opressão que nós sofremos, homens, mulheres, crianças”.
João Barbosa, liderança Guarani de Chapecó/SC, também demonstrou indignação e preocupação com o atual momento. ” É preocupante, mas contem comigo, estou aqui na aldeia Ara Poty, temos conversado que nós vamos chegar lá. Quero que vocês levantem a cabeça que estou junto, estamos prontos. Meu pessoal, meus parentes: vamos comer o churrasco da grande vitória”, disse.
Jaclés Patté, do povo Xokleng, disse que se Bolsonaro for reeleito, os povos indígenas correm o risco de perder ainda mais a terra considerada por eles como sagrada.
“Se nós continuarmos com o mesmo governo vamos perder nosso chão, não só os povos indígenas, mas hoje temos que brigar pela melhoria para todos, LGBT, negro, tem muitas coisas que temos que brigar hoje. Estamos entrando num patamar que a briga não é só dos povos indígenas. Penso pelo meu filho, neto, bisneto, essa minha luta para todos. Sou Xokleng, lutando pelo meu povo. Para nós, hoje nós estamos em uma democracia, dia 30 é eleição, precisamos vencer”.
Suelen Weitha, liderança Xokleng, explicou sobre a importância das demarcações de terras indígenas. “Dividimos as nossas terras com Guarani Mbya e com os Kaingang, são quatorze mil hectares e é pouco para nosso povo, temos nosso cemitério, está fora das nossas terras. Nós ensinamos para nossas crianças o motivo da demarcação, porque temos escola da minha aldeia a ponto de fechar, então a demarcação é muito importante para garantir esses direitos”.
Palavras das resistências dos povos indígenas
Ao final da reunião, Roberto Liebgott, do Conselho Indigenista Missionário, equipe Porto Alegre, fez uma síntese das reflexões do encontro com as lideranças indígenas das regiões Sudeste e Sul do Brasil:
“As palavras das resistências dos povos indígenas foram: lutas – união, organização, articulação, mobilização contra as violências, as invasões, as desterritorializações. Espiritualidades, força das cosmosvisões, das religiões, dos encantos de luz que movem e fortalecem os povos originários. Ancestralidades, memórias e presenças daquelas e daqueles que estiveram nessa dimensão da vida, lutaram, dedicaram suas existências pelas causas das terras sem males. Sabedoria, conhecimentos que não se esgotam, que orientam, projetam e fortalecem as vidas em movimentos pelos direitos fundamentais. Retomadas dos territórios, refazendo caminhos, reagrupando as forças, religando passado, presente e futuro. Deus – Pai e Mãe, Ñhanderu, Ñhandeci, Tupã, Tupé e todas as Deusas e Deuses encarnados nos mundos indígenas. Vidas de todos os seres, das coisas, águas, matas, bichos, pedras, aves, peixes e florestas. Culturas milenares, modos e jeitos de ser e se relacionar nos ambientes de acordo com suas crenças, línguas, costumes e organizações sociais e políticas. Terras e territórios – espaços sagrados das existências, das ritualizações, das dádivas, dos movimentos de criação. Direitos, Constituição, leis naturais, originárias, escritas, costumes e tradições. Políticas partidárias, públicas, participativas, dos deveres e valores a serem respeitados, planejados e executados. Povos, comunidades, famílias, grupos, indivíduos, diversidades, igualdades, sujeitos detentores de direitos, deveres e liberdades. Mulheres, homens, velhos, jovens adolescentes, crianças e bebês das culturas milenares. Futuro em movimento de olhares, das mãos e pés em ações permanentes pelo bem querer, pelo ser e viver em paz. Formação para saber lidar, compreender, enfrentar, valorizar e agir sem medo de ser feliz. Natureza a ser amada, protegida, harmonizada, libertada da devastação. Agriculturas tradicionais, dos saberes e conhecimentos ancestrais, límpidas, puras, sem venenos e contaminações.
O Bem Viver está sob a defesa dos povos a partir de suas palavras, gestos, movimentos e convicções de que a Mãe Terra precisa ser amada, respeitada e protegida.
Por Tanaru – “O Índio do buraco”
Dizimaram seu povo
Colonizaram suas terras
Violentaram a vida
Do último sobrevivente.
Veio a morte solitária
De um corpo ritualizado,
Depois de localizado
Recolhido,
Profanado!
Pedidos aos Deuses e Deusas Ñhanderu, Ñhandeci, Tupã, Tupé através da poesia de Mahatma Gandi. Cantada por Mercedes Sosa:
Eu só peço a Deus
Eu só peço a Deus que a dor não me seja indiferente
Que a morte não me encontre um dia
Solitário sem ter feito o que eu queriaEu só peço a Deus que a injustiça não me seja indiferente
Pois não posso dar a outra face
Se já fui machucado brutalmenteEu só peço a Deus que a guerra não me seja indiferente
É um monstro grande e pisa forte a toda pobre inocência dessa genteEu só peço a Deus que a mentira não me seja indiferente
Se um só traidor tem mais poder que um povo
Que este povo não esqueça facilmenteEu só peço a Deus que o futuro não me seja indiferente
Sem ter que fugir desenganado para viver uma cultura diferente.
Em memória dos saudosos:
Clementino Barbosa Guarani
Turibio Gomes Mbya Guarani
Weeicha Xokleng
Valdomiro Vegueiro Kaingang.
Em homenagem às mulheres guerreiras:
Cullungn Teia Xokleng
Iracema Gáh Té Kaingang
Laurinda Gomes Mbya Guarani
Talcira Gomes Mbya Guarani.
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Leia também:
Jornalista, militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP).