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“Por que fiz tudo certo e deu errado?”: O previsível e o possível

“Por que fiz tudo certo e deu errado?”: O previsível e o possível

Guilherme Sant’Anna
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A descoberta do planeta Netuno é uma das mais interessantes que conheço. Isso porque ela não se deu pela simples observação, mas por uma antecipação calculada. De acordo com a teoria gravitacional de Newton, a órbita de Urano (outro planeta já conhecido) estava sendo influenciada por algum outro corpo. Assim, pelos dados calculados a partir da teoria, conseguiram mirar os telescópios para onde tal planeta estaria localizado e o encontraram.

Isso não é fascinante? Que consigamos formular teorias, abstrações capazes de prever a existência de um planeta antes mesmo da observação? Essa é uma ideia muito sedutora: a de que conseguimos descobrir as leis fundamentais da natureza e controlar em função delas. Não é à toa que a ciência é tão valorizada: certas conquistas científicas parecem mágica. Porém, ao mesmo tempo, não me espanta que elas também sejam diminuídas: já nascemos num mundo onde elas são corriqueiras, um mundo de luz elétrica, vacinas, antibióticos… Um mundo em que o modo de pensar lógico-dedutivo é comum, o que nos faz acreditar que, seguindo-se as leis pra vida humana, consegue-se alcançar o previsto.

Nesse sentido, você provavelmente já acreditou ou acredita que existe um jeito certo de viver que te daria satisfação. “Estude para ser alguém na vida”, “Você colhe o que planta”, “Compre esse ou aquele produto”, “Case-se por amor”, “Tenha filhos”, “Alimente-se bem”, “Faça exercícios” etc.

Entretanto, equívocos se dão por acreditarmos que o previsível necessariamente vai se dar nas nossas vidas, caso sigamos o método correto. Pode ser que você paute toda sua vida a partir do que você pensou ser uma boa vida, ou do que alguém te disse. E, ainda que improvável, pode até ser que você não se frustre. Mas a possibilidade sempre estará lá.

Isso porque, na existência humana, o possível é sempre mais fundamental, sempre anterior ao previsível. Você pode tomar precauções de saúde, ainda assim desenvolver um câncer. Pode seguir a profissão que todos valorizam, e ser infeliz. Pode se considerar uma pessoa boa, e coisas ruins lhe acontecerem. Pode ser descrente no amor, e encontrá-lo ao virar uma esquina.

É certo que não estamos totalmente sem referências – temos paixões pessoais, nossas histórias de vida, as experiências de outras pessoas, nossas relações comunitárias, temos, enfim, a concretude dos nossos corpos e do mundo. Também não estamos num mundo em que qualquer escolha vale o mesmo: essa ou aquela profissão desempenham trabalhos diferentes, têm remuneração diferente, são socialmente vistas diferentemente. Relacionar-se ou não com essa ou aquela pessoa faz diferença. Mas disso não decorre que devamos encarar o desafio de viver como um problema a ser resolvido com uma receita, quase como o cumprimento de ordem ou uma operação matemática.

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“Mas o que é vida, afinal? Será que é fazer o que o mestre mandou? É comer o pão que o diabo amassou? Perdendo da vida o que tem de melhor?”

Canta Emílio Santiago, pra nos lembrar que o melhor da vida não é seguir fórmulas prontas, mas encontrar sua “verdade chinesa”, sua verdade pessoal e contextual.

Sendo assim, como saber o que fazer? Ou como ajudar alguém em dúvida? Primeiro, eu diria, não renegando essa incerteza mais fundamental. Não há muitos conhecimentos objetivos que garantam resultados satisfatórios pra nós em termos de existência. Segundo, sabendo que podemos aprender a lidar melhor com essa condição existencial, lançando-nos com mais tranquilidade no incerto da vida. Embora não consigamos aplicar uma fórmula para descobrirmos um planeta novo na órbita de nossas existências, há todo um universo a ser experimentado em ato, em vida.