Brasis Adentro, percorrendo geografias do Brasil e formando pessoas com sensibilidade sobre as territorialidades nacionais
Brasis Adentro é um projeto vinculado a ementa da disciplina de Geografia do Brasil, por mim ministrada, que nasceu em 2018 e foi efetivado, em 2019. A disciplina ocorre no último ano do Curso de Geografia, da Universidade Estadual de Londrina, quando o/a estudante percorreu praticamente toda a matriz curricular do curso, fazendo as disciplinas físicas, humanas e instrumentais, necessárias para a formação do bacharel ou do/da licenciado/a.
A Geografia do Brasil, especificamente,aborda a formação socioterritorial, sociocultural e socioambiental, partindo da gênese da ocupação europeia com as grandes lavouras no período Colonial, avançando até o período Imperial, pois nesse período já se tem praticamente a formação do território e a fixação das fronteiras Oeste do país.
No período Republicano há um destaque maior de conteúdos, pois envolve a manutenção da estrutura coronelista advinda do Impérioque perdurou por toda a República Velha, sendo rompida apenas com o advento da revolução getulista, que promoveu a revolução industrial tardia com base nacionalista, que entre acertos, contradições e recuos, alcança o governo interrompido por militares e setores conservadores da sociedade nacional, no golpe que derruba Jango.
Na sequência são estudados os planos nacionais de desenvolvimento do regime ditatorial, desde sua imposição, passando pelo milagre econômico, até sua derrocada, com a grande inflação dos anos de 1980, além do grande empobrecimento da população trabalhadora gerada pela falência do regime, culminando com o fim do desenvolvimentismo e ascensão do neoliberalismo, no pós-ditadura.
A Geografia do Brasil exige que o/a estudante entrelace os conhecimentos adquiridos nas diversas disciplinas que cursou, desde às físicas, tais como geomorfologia, análise ambiental, biogeografia, hidrografia etc., até as humanas, tais como população, gestão do território, regionalização, urbanização, agrária etc. além das instrumentais, tais como geoprocessamento, cartografia temática etc., pois ela é uma disciplina “síntese” do casamento de todo conhecimento adquirido em quatro anos de estudos geográficos vivenciados pelos/as acadêmicos. Em suma, o/a discente precisa conhecer os elementos que permitam um reconhecimento do processo formador do país e que levem ao entendimento da realidade brasileira hoje.
Por conta disso, os quase quatro séculos de escravização humana na formação do país possui um peso grande no final da disciplina, pois envolve a dívida histórica do Brasil com mais da metade da sua população, a negra. Parte das mazelas vividas no campo e na cidade são fruto de uma abolição indigesta promovida pela elite branca do final do século XIX, cuja repercussão se estende até os dias atuais. Para entender os reflexos disso, são estudados dados sobre a situação carcerária, de emprego, de renda, e de uma grande quantidade de outros índices que espelham as condições de vida da população branca, negra, indígena e híbridas pelas inter-relações sociais seculares nacionais.
Sendo a Geografia uma ciência da análise do mundo atual e do planejamento do futuro, baseada nas rugosidade existentes nos territórios usados pelas sociedades, os conteúdos da Geografia do Brasil perpassam, ainda, pelas questões geopolíticas e jurídicas, vindo ao inferno neoliberal instalado no coração do Estado por governos pelegos e subservientes ao sistema capitalista financeiro-rentista que vem dilacerando a qualidade de vida da população trabalhadora e, também, da míope classe média nacional.
Por conta disso, é necessário analisar a desindustrialização e o avanço do Capital nacional e estrangeiro, principalmente, sobre os biomas do Cerrado, da Caatinga e da Amazônia, afinal, os demais e localizados na Costa Leste brasileira já estão devastados pelo avanço da agricultura capitalista e da industrialização tardia e desesperadora que, sem limites, levou quase a exaustão do meio ambiente, sobretudo, na Mata Atlântica.
Por conta disso, a Geografia do Brasil fecha seus conteúdos com as fronteiras agrícolas, notadamente em MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) cujo destaque de produção se dá a partir do plantation de soja, sorgo e algodão, geradores de latifúndios voltado ao agronegócio, ou seja, a agricultura capitalista. MATOPIBA vem sendo dominada, principalmente, por sulistas que migram com certo capital para a região, causando muitos conflitos agrários, sobretudo com a população tradicional dessa região do sertão brasileiro.
O vil avanço de empresários-latifundiários-políticos sobre o bioma amazônico é o avançar da própria MATOPIBA para o Oeste do país, na medida em que as terras do domínio do Cerrado estejam quase que completamente ocupadas. Nos últimos cinco anos, principalmente, a devastação, a queima, a morte, o estupro e agonia de povos indígenas e tradicionais que ocupam a grande Hileia está em constante conflito por conta do avanço dessas frentes capitalistas sobre terras ocupadas tradicionalmente por numerosos grupos humanos, mas tais conflitos possuem a anuência despótica do governo da federação. Por conta desses acontecimentos territoriais no Norte do Brasil, pretende-se, em 2023, avançar Brasis Adentro até a uma porção da Amazônia.
A Geografia do Brasil abarca todas as questões apontadas acima, assim como outros detalhes e questões, pois o/a profissional precisa de tais leituras sobre o território político-jurídico, econômico, cultural e ambiental do país, para que possa atuar na análise, no planejamento, no ordenamento territorial e na gestão do território, assim como atuar na condição de educador/a, afinal, estamos tratando de formar cidadãos críticos da sua realidade social.
Por conta disso, esse projeto Brasis Adentro, parte em viagem da macrorregião Sul, onde está localizado Curso de Geografia da UEL, a nossa base de existência, para entãopercorremos parte considerável do Sudeste, do Nordeste e do Centro-Oeste, sendo possível verificar os biomas da Mata Atlântica, do Cerrado e da Caatinga. São percorridos os centros histórico-geográficos das três capitais oficiais do país, Salvador, Rio de Janeiro e Brasília, sendo esta a parte mais exaustiva nos dias de trabalhos de campo, pois envolve horas de caminhadas pelas cidades que guardam rico patrimônio arquitetônico, mas também político-administrativo e do poder das elites econômicas do passado e do presente. No Rio de Janeiro e em Brasília, caminhamos por 12 horas, do amanhecer do dia, até o anoitecer. Em Salvador, realizamos uma caminhada de 4 horas, apenas no centro histórico-geográfico, incluindo o Pelourinho.
São visitadas, também, cidades menores, paisagens formadoras do imaginário nacional, a exemplo do rio São Francisco e da Caatinga, em Ibotirama, e do Cerrado, em Barreiras, ambos no interior da Bahia.Importante destacar que no trecho rodoviário entre Feira de Santana e Barreiras viajamos pela BR 242, chamada rodovia Milton Saltos, em homenagem ao grande geógrafo brasileiro-baiano. Em Brasília, além do plano piloto monumental, são feitos estudos analíticos na periferia, a exemplo de Ceilândia e Samambaia. Mas as atividades de campo exigem, ainda, uma manhã de estudos no bioma do Cerrado, na Fazenda Experimenta da Água Limpa, pertencente a Universidade de Brasília.
É importante, neste momento, fazer a diferenciação entre trabalho de campo e passeio, sobretudo para quem está nos lendo agora e um pouco distante da realidade de formação em uma graduação em Geografia. A diferença entre o trabalho de campo e o passeio está relacionada a postura – enquanto em um passeio a intenção é a diversão, no trabalho de campo a postura de pesquisador é essencial, encarando a atividade como um momento de ampliação de conhecimentos e aplicação da teoria estudada sobre o território.
O geógrafo Yves Lacoste, em publicação de 1985, menciona que trabalho de campo para não ser somente um empirismo, deve articular-se a formação teórica que é, ela também, indispensável. É fundamental, ainda, mencionar que o trabalho de campo, a exemplo deste que realizamos no projeto Brasis Adentro, desde que seja previamente elaborado e realizado com eficiência, pode transformar-se em um dos mais importantes métodos de estudo da Geografia.
Sendo a Geografia a ciência que estuda o espaço geográfico no que concerne à relação entre sociedade, natureza e cultura, assim sendo, tanto o espaço produzido pelas sociedades rurais e urbanas quanto o espaço natural superficial são objetos de estudo dessa ciência, que opera os seus métodos e suas abordagens em categorias de análise, tais como a paisagem, o lugar, a região e o território – foi um pouco disso que buscamos verificar no trabalho de campo do Brasis Adentro, afinal, em um país de dimensões continentais, como o Brasil, estudar “o todo” seria humanamente impossível.
Por fim, seria impossível realizar um trabalho de campo, a exemplo do Brasis Adentro, sem informações que nos permitissem planejar as atividades de observação e de análise sem a colaboração de professores e professoras que atuam e se dedicam aos estudos nas áreas que foram visitadas para análises técnicas. Desta forma, cumpre agradecer ao Prof. Dr. Jorge Paulo Pereira dos Santos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, ao Prof. Dr. João Roberto Mendes, da Universidade Federal do Oeste da Bahia, Prof. Dr. Fernando Luiz Araújo Sobrinho, da Universidade de Brasília e a Profa. Dra. Roselir de Oliveira Nascimento, da Universidade de Brasília, sem os/as quais nos auxiliando, o Rio de Janeiro seria menor, Barreiras seria menor, Brasília seria menor, assim como a Mata Atlântica, o Cerrado e a Caatinga, seriam menores.
E, o agradecimento mais do que especial é direcionado ao A Fronte, Jornalismo das Gentes, a Claudia Weinman, a Cláudia Baumgardt e a Julia Saggioratto, que garantiram a divulgação diária das atividades realizadas no Brasis Adentro, a partir deste Portal que nos abriu fronteiras e nos permitiu dividir com a audiência e os/as leitores/as um pouco de tudo que vimos, vivemos e sentimos ao cruzar as geografias do Paraná, de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Espírito Santo, da Bahia, do Goiás, do Distrito Federal e das Minas Gerais – nos permitindo entender um pouco mais o processo de formação socioespacial e territorial do Brasil.
Nada disso seria possível sem a existência e o papel fundamental da Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade, no nosso caso, a Universidade Estadual de Londrina, pois somente a partir da instituição pública e das atividades presenciais formativas, é que alcançamos êxito no desenvolvimento do trabalho de campo para que os/as estudantes possam fazer suas análises empíricas. Neste caso, cumpre agradecer aos motoristas do ônibus da UEL que nos levaram e nos trouxeram em segurança, nos 5.522 quilômetros percorridos -Vanderlei Soares da Silva e Alex Rubbo de Sá, servidores públicos de carreira desta Universidade, que dedicam décadas de suas vidas nos permitindo construir conhecimentosnos levando até as realidades socioterritoriais brasileiras.
A Geografia é uma ciência que se faz no campo, não há como entender o mundo, suas geografias, sem ir ao encontro das realidades construídas pela humanidade, para depois, decodificá-las, cientificá-las e entregá-la para a sociedade. Esse é o nosso papel e a nossa missão institucional e científica!
Confira os registros feitos durante a viagem:
Confira também, todos os vídeos gravados durante a viagem, um pouco da memória desse Brasis Adentro:
Saída de Londrina
Rio de Janeiro
Salvador
Bahia – Rio São Francisco
Brasília
Cerrado
Londrina – Retorno
Nilson Cesar Fraga, é Pesquisador do CNPq/PQ. Geógrafo. Professor no Curso de Geografia na Universidade Estadual de Londrina. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Coordenador do Laboratório de Geografia, Território, Meio Ambiente e Conflito – GEOTMAC/UEL. Professor no Programa de Pós-graduação em Geografia na Universidade Federal de Rondónia – PPGG/UNIR. E-mail: ncfraga@uel,br