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“É COMPLICADO ISSO AI, CARA”

“É COMPLICADO ISSO AI, CARA”

Rodrigo Luis Mingori
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Hoje, novamente, me deparei com o bicho papão. Não quero menosprezar o problema relacionando-o com uma figura do folclore infantil, mas sim, apontar uma certa infantilidade de faz de conta na tratativa de um tema sério. Na nossa região esse tópico é um tabu, figura como agente de curiosidade mórbida e tentativa de ofensa/choque desenhado em carteiras escolares por ai. Já vi muita gente entendida de fora tentando explicar o problema das mais variadas e inusitadas formas. Não quero, nem tenho a capacidade, de julgar essas explicações falsas, porém, parece que todas carecem de um ou dois elementos. Portanto, observaremos o monstro embaixo da cama.  

Por que nossa cidade é Nazista? Esse é o bicho papão, e essa pergunta é problemática. Lançar essa dúvida já coloca o interlocutor numa falsa promessa, negar ou atestar algo anacrônico (de certa forma). Há quem diga, longe de estar perto de qualquer verdade, que é impossível nazismo sem Hitler. Porém, há quem afirme que um elemento que explica a ligação do oeste de Santa Catarina com essa doutrina nefasta é explicado pela tentativa de religar o cordão umbilical rompido com a outrora pátria mãe de boa parte da população colonizadora. Essa explicação, é que me refiro carente de alguns elementos.  

Ter que discutir esse assunto, principalmente nesses termos, já é sintomático. Essa é uma pergunta que verte frequentemente sobretudo após as polêmicas de até de âmbito internacional que suscitaram a partir de outubro de 2022. Antes de continuar, é preciso afirmar que não é possível esgotar esse tema num artigo de opinião, porém, muitas análises e estudos são necessários e aqui vai mais um palpite do que qualquer coisa.  

 Antes de seguir, vale a tentativa de elaborar uma rápida conceituação sobre o nazismo/fascismo. Usualmente nazismo é um tipo de fascismo. É uma ideologia política de extrema direita surgida da elaboração política do ódio e do ressentimento após a crise do capitalismo nas primeiras décadas do século XX. O fascismo tende a preservar as bases do capitalismo através de uma ação totalitária do estado e se justifica na estratificação das pessoas segundo uma visão racializada de mundo. Claro que essa definição simplista é limitada, pode tender ao erro, mas serve como ilustração do tema abordado.

Feita essa introdução, vamos ao argumento. A questão candente aqui, para mim é: por que isso é um tema que precisa ser debatido? E por que existe esse medo deflagrado em “ser nazista/fascista?”. Primeiro, é necessário termos clareza do motivo pelo qual isso é um problema. Infelizmente esse motivo não é claro o suficiente para a maioria das pessoas. Ou pelo menos o verdadeiro motivo pelo qual isso é um problema é bastante desconhecido. Esse é o elemento de bicho papão, o nazismo na maioria das vezes é tratado como algo nefasto a priori. As pessoas associam como vilões de filmes e motivadores de guerras e morte esse nome, sem saber direito do que se trata. Quando isso acontece, outro fenômeno surge: escondendo a palavra nazismo, existe a possibilidade de não acharmos ruim o nazismo.  

Não é só uma questão de nuance ou perspectiva, é uma questão teórica problemática. Sem saber o que torna essa doutrina deplorável é possível repetir os alicerces que o estruturam reatualizados para 2024, tal e qual o eram no século passado. A ruptura de reconhecimento ontológico, ou, minimamente a hierarquização de condutas e/ou pessoas é um pensamento que circula E MUITO na nossa sociedade. Por isso, podemos ser nazistas. Não é que necessariamente somos, mas esse é um horizonte possível dado nossa sociabilidade regular, mesmo que não ganhe o nome que as pessoas fogem, detestam ou tem medo.  

E isso tudo não é explicado apenas pela herança cultural da colonização alemã e italiana. Mesmo porque tivemos o Integralismo bem vivo para chamar de nosso. Existe uma posição de sujeito referencial na construção política que compõe esse cenário por oposição. Explico: enquanto (em alguns círculos) o pensamento a direita do espectro político é considerado problemático a priori, e a explicação usual do fascismo em nossa região se limita a apontar o problema do outro no outro, sem levar em consideração a ignorância histórica sobre as estruturas elitistas que organizam o fascismo e possibilitam sua reatualização, o pensamento a esquerda (em alguns círculos) se constrói em oposição, colocado como correto a priori. Se exime de culpa/responsabilidade pelo problema e incuta nesse outro a causa e a consequência da maldade inerente do fascismo. A conclusão dolorosa e problemática é que: dentro de espectros da esquerda é possível repetir estruturas elitistas que organizam e possibilitam a circulação do fascismo reatualizado. 

Um pensador brasileiro Vladimir Safatle e outro esloveno bastante controverso Slavoj Žižek apontaram esse problema da seguinte forma: a esquerda, em alguns casos, enfrenta um limite problemático quando se empossa de forma acrítica de uma certa noção de justiça e bondade a apriorística. Repetir essa dualidade cega é permitir a circuclação de novos fascismos. De reatualizações perigosas de uma doutrina racial em que ambos devem estar imbricados na resolução do problema na medida de suas culpas. Como afirmado, com base no sociologo argentino Ernesto Laclau, as posições de sujeito que estabelecem a trama em sutura da sociedade e o jogo político são construídas sempre em relação, um polo em relação a seu corte antagônico (o eu lá do outro lado) que opera como o externo que me limita (pois me mostra até onde posso ser eu sem ser o outro) e me constitui (pois sem ele eu não tenho sentido).  

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Enfim o problema é complexo e requer, inicialmente, conhecimento. Conhecimento sobre as tais estruturas raciais que possibilitam a circulação dos fascismos. Tratar esse tópico sem responsabilidade e conhecimento necessário é apostar no entrincheiramento de posições com base da pedagogia do medo. Coisa que não tem funcionado direito. E mais, largar a mão do coleguinha nunca ajudou muito também.  

 

Era isso.  

Abraço!