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Hortas agroecológicas: do conflito em Serrinha à resistência coletiva

Hortas agroecológicas: do conflito em Serrinha à resistência coletiva

Claudia Weinman
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O mês de outubro de 2021 foi marcado por conflitos que resultaram na expulsão de famílias Kaingang da Terra Indígena Serrinha, no norte do Rio Grande do Sul. Ataques violentos foram registrados naquele período. Os conflitos internos desencadearam a expulsão de famílias de suas casas e também assassinatos. As motivações são muitas e remetem a repressão histórica pelas intervenções constantes do Estado Brasileiro e invasões de pecuaristas, posseiros, madeireiros, entre outros grupos. Com a eleição do governo Bolsonaro, as perseguições aumentaram, ocasionando inúmeros problemas.

Parte das 30 famílias que deixaram a terra indígena Serrinha, a partir dos acontecimentos no ano passado, que levaram inclusive ao assassinato de indígenas Kaingang que questionavam a prática ilegal do arrendamento das terras, habita agora uma escola abandonada, o conhecido Colégio Estadual de Ensino Fundamental Francisco Solano Costa, em uma comunidade no interior do município de Ronda Alta.

Foto do plantio das mudas de saladas, na horta organizada pelas famílias kaingang.

Todas essas famílias que foram expulsas tinham sua moradia, com horta, chiqueiro e galinheiro, por ali, se garantia o sustento mais básico, segundo o que contam Camila Candinho e Maríndia da Silva, lideranças Kaingang.

“Agora, aqui na escola o espaço é grande, tem lugar para plantar, queremos fazer uma estufa. Sabemos que a justiça é lenta. Até quando ficaremos aqui? Não dá para prever, por isso queremos plantar para o nosso consumo”, explicam.

Camila e Maríndia acreditam na importância de ampliarem a horta agroecológica, valorizando os saberes tradicionais com a produção de alimentos saudáveis. “É preciso incentivar os nossos filhos a manter essa boa alimentação para a saúde das famílias. É uma coisa que passa de mãe para filhos e de pai para os filhos. Essa prática envolve a família inteira, incentiva muito as crianças a ajudarem a plantar na horta”.

Com auxílio do Cimi, estrutura é organizada para a construção das hortas.

O arrendamento em terras indígenas, prática incentivada pelo governo de Jair Bolsonaro inclusive, ampliou o conflito dentro dos territórios desde 2018. A Instrução Normativa 01/2021, que autoriza que indígenas e não-indígenas explorem as áreas indígenas é mais um dos ataques que impulsionam os conflitos, desrespeitando os povos ao não fazer uma Consulta Livre, Prévia e Informada, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

No caso das famílias que vivem na escola abandonada, desde que foram expulsas de Serrinha, a espera por justiça é guiada pela resistência coletiva, na produção de alimentos saudáveis para a sobrevivência. “Estamos esperando que a justiça seja feita para a gente poder voltar para as nossas casas, porque as nossas casas nós compramos e pagamos, tudo o que nós tinha foi saqueado e perdemos tudo porque somos contra o arrendamento ilegal. A gente não concordava com o que o cacique estava fazendo, de plantar soja, queríamos mais terra para plantar. Aqui estamos plantando mandioca, cebola, para o nosso pessoal ter o que comer, porque a maioria não tinha nenhum pedaço de terra para plantar lá. Por isso pretendemos plantar muito mais, mandioca, batata doce, por mais que seja provisório”, disseram Camila e Maríndia.

Apoiar e cultivar solidariedade

Para que as famílias tenham condições de cultivar as hortas agroecológicas, o Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, a partir de contatos com as famílias Kaingang que residem no local, possibilitou a aquisição e instalação de um reservatório para água, ferramentas e mudas de hortaliças. Segundo Ivan Cesar Cima, membro da equipe Frederico Westphalen e que integra a Coordenação Colegiada do Cimi Sul, as hortas são um espaço para produção de comida. “É um local para o cultivo de uma diversidade fantástica de alimentos, um espaço de vida, ou seja, o oposto do agronegócio, que, com seu modelo de monocultivo, pulveriza veneno, espalha violência e destrói a terra e a vida. Importante destacar ainda que, num momento de exílio de seu território tradicional, a Serrinha, a horta, para essas famílias, se constitui num espaço importante, possibilitando momentos de mutirão, de reunião do grupo em torno da produção e também do diálogo sobre o cultivo sem veneno, da garantia de uma saúde de qualidade e de seguir resistindo, mesmo num contexto adverso”, disse.

A experiência das hortas agroecológicas e dos roçados, segundo Cima, são propostas construídas em diversas comunidades indígenas, tanto no Rio Grande do Sul quanto no Oeste de Santa Catarina.

“O objetivo é possibilitar acesso a alimentos de qualidade, o fomento ao debate sobre os modos de produção e a valorização das iniciativas das comunidades indígenas”, destacou.

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