Cimi Sul e Instituto das Irmãs de Santa Cruz fortalecem práticas indígenas e cuidado com a ecologia no Vale do Ribeira


Projeto registra saberes Guarani e fortalece a segurança alimentar através do cultivo sustentável, unindo gerações e protegendo a terra
Desde o início de 2025, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Sul, em parceria com o Instituto das Irmãs de Santa Cruz (IISC), tem desenvolvido um trabalho junto às comunidades Guarani do Vale do Ribeira. Mais do que um projeto agrícola, essa iniciativa é um espaço de resistência, troca de conhecimentos e proteção da vida. Através do cultivo de alimentos tradicionais, do registro audiovisual e do envolvimento de crianças, jovens e anciãos, o projeto fortalece a autonomia Guarani e sua relação com a terra.

Tudo começou no início de janeiro, na aldeia Kaguy Poty, onde lideranças, mulheres, jovens e anciãos se reuniram para planejar o ano de trabalho. Naquele primeiro encontro, os Guarani compartilharam suas preocupações: muitas famílias haviam perdido áreas de cultivo para o desmatamento e invasões, colocando em risco não apenas sua segurança alimentar, mas também a transmissão dos conhecimentos entre gerações.
Os mais velhos observavam com apreensão que muitos jovens, atraídos pela vida nas cidades ou pelas dificuldades de acesso à terra, estavam se afastando das práticas tradicionais. “Antes, as crianças cresciam vendo o plantio desde pequenas. Hoje, alguns nem sabem mais diferenciar as sementes”, comentou uma das lideranças, Karai Tataendy.
Foi neste contexto que o projeto surgiu, não apenas para apoiar o plantio, mas para reconectar os jovens Guarani com os ensinamentos da terra, com a escuta aos mais velhos, garantindo que os ciclos agrícolas e as histórias vinculadas a cada plantio se mantivessem vivas.

Foi então que, coletivamente, decidiram quais cultivos seriam priorizados: milho, feijão, batata-doce, melancia, amendoim, mandioca, abóbora e plantas medicinais – alimentos que fazem parte da história e do modo de vida do povo Guarani. As mulheres lembraram a importância dos pequenos roçados e das ervas medicinais, enquanto os jovens se comprometeram a aprender com os mais velhos. Um dos pedidos foi claro:
“Precisamos organizar os mutirões de plantio, para que os filhos dos nossos filhos não esqueçam como cuidar da terra.” comentou Para Mirim, mulher e liderança do povo Guarani Mbya.
Em fevereiro, na aldeia Jejyty, aconteceu a primeira atividade prática. Guiados pelos mais velhos, o grupo caminhou pelas áreas de cultivo enquanto os mais velhos contavam histórias sobre as plantas e plantios mais antigos.
“Aqui antes era bom para plantar milho, mas a terra cansou. Vamos deixar descansar e cuidar dela com folhas e cinzas”, explicou Karai Tataendy. Após essa avaliação, escolheram os melhores locais para o plantio, sempre respeitando o tempo da natureza – não o tempo do calendário não indígena.
Em março, estudantes da escola da aldeia Itapuã visitaram Jejyty para participar do plantio. Sob a orientação de um professor Guarani, as crianças e jovens prepararam leiras (canteiros elevados) e plantaram mudas, aprendendo na prática como a terra deve ser manejada.
“Antes de colocar a semente, a gente conversa com ela, pede para crescer forte. Isso a escola não-indígena não ensina”, contou Karai Tataendy.
A atividade mostrou como o projeto também é uma ferramenta de educação indígena, unindo escola e conhecimentos indígenas. Em abril, os mutirões passaram a acontecer na aldeia Guaviraty com o objetivo de fortalecer e acompanhar o crescimento das roças. Já era possível ver os pés de milho se erguendo, as folhas verdes da batata-doce e as primeiras mandiocas brotando. Aproveitaram para plantar bananeiras, mamoeiros e pés de laranja, aumentando a diversidade de alimentos.
Algumas áreas precisavam de capina leve e reforço no plantio. Por isso, em maio, organizaram um mutirão com as crianças da escola. Enquanto capinavam e replantavam, os mais velhos explicavam:

“Não é só tirar mato. Tem que saber qual planta pode ficar, porque algumas protegem a terra. E antes de mexer no solo, sempre pedimos licença aos donos espirituais desses lugares.” Explicou Alexandre, professor e liderança na aldeia Guaviraty.
Um dos maiores desejos dos Guarani é que as práticas, os conhecimentos de plantio, e as histórias que são importantes ensinamentos não se percam. Para o Cimi Sul e o IISC, essa iniciativa não se limita à produção de alimentos. É um modo de garantir que os saberes Guarani continuem vivos, mesmo diante das ameaças do agronegócio e da degradação ambiental. Como disse Alexandre: “Enquanto estivermos plantando do nosso jeito, estaremos dizendo ao mundo que nós, Guarani, ainda cuidamos da terra como ela merece. E que nossos netos farão o mesmo.”
Texto: Equipe Vale do Ribeira / Apoio: Instituto das Irmãs de Santa Cruz (IISC).
