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Direito a desconexão: o que você pensa sobre isso?

Direito a desconexão: o que você pensa sobre isso?

Paula Andrea Grawieski Civiero
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A pandemia de Covid-19, trouxe à tona e com força totalo home office e, por consequência, o teletrabalho. Ocorre que, essa prática modificou a organização laboral, bem como a noção de tempo e de local de trabalho e, mesmo a pandemia tendo sido considerada superada, os hábitos ali adquiridos e a tecnologia digital introduzida nas rotinas, ainda permanecem vigentes.

O espaço físico que para muitos trabalhadores não existe mais, é para outros, sobretudo os professores, um lugar “sem fronteiras”, que se estende para fora do espaço físico e dos horários da jornada, extrapolando os limites entre a vida profissional e pessoal, atestando a invasão do mundo do trabalho no mundo doméstico.

Outrossim, adoção do ensino remoto na educação, representou mais do que uma mudança de modelo, hábitos, apropriação de conhecimentos sobre as tecnologias da informação, ou mesmo adaptação ao mundo moderno. Manter ativos o contato e a rotina com os estudantes gerou novas tarefas e a transferência do cotidiano escolar de centenas de alunos para a vida privada do professor; que além das questões pedagógicas passou a ter em tempo integral estampados na tela do celular/computador, também os problemas pessoais e familiares dos estudantes. E, mesmo tendo professores e estudantes voltado as salas de aula tradicionais, essa situação não mudou consideravelmente.

Conforme Resedá (2007), o fantástico mundo da tecnologia passou a transformar-se no vilão do próprio homem. E, a facilidade de comunicação e de localização poderá acentuar, além de uma “escravidão tecnológica”, uma patologia de hiperconexão que, associada ao culto da urgência, seja uma fonte de risco psicossocial, de assédio moral e, principalmente, de burn out.

Por isso, além de ser uma questão de saúde do trabalhador, a desconexão relaciona-se à qualidade de vida fora do trabalho, qualidade no trabalho e qualidade do trabalho (LOISEAU, 2017).

Desconectar significa não estar sempre acessível, não ser controlado à distância durante o tempo de descanso (JAURÉGUIBERRY, 2007); significa limitar o tempo de trabalho, fruto de conquista histórica dos trabalhadores e que “[…] continua ocupando lugar de destaque na luta entre a classe trabalhadora (pela sua diminuição) e a classe empregadora (pela sua extensão).” (CAVALCA, 2018).

Em termos práticos, é o direito de não receber chamadas telefônicas, e-mails ou mensagens instantâneas fora do horário de trabalho, em respeito ao direito à saúde, ao repouso, ao lazer, à vida em família e em sociedade.

Foi para se adaptar a esta realidade e criar as necessárias proteções aos trabalhadores que o direito à desconexão surgiu, “[…] tutelando o descanso como um bem jurídico humano e fundamental” (MOLINA, 2017).

No entanto, não há previsão legal expressa no Brasil sobre o direito à desconexão. O parágrafo único do artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — com redação dada pela Lei 12.511/2011 — apenas diz que “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. E o Capítulo II-A, incluído pela reforma de 2017, não faz menção alguma à desconexão.

Apesar disso, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem reconhecido o direito à desconexão do trabalho, sobretudo em litígios acerca do sobreaviso e uso do telefone celular corporativo, em que ficou caracterizado o estado de alerta permanente do trabalhador e sua disponibilidade a todo momento.

Assim, o direito à desconexão se traduz como o direito do empregado “[…] de se desligar, concretamente, do trabalho” (MARTINS, 2019) de, em seus momentos de descanso, férias, feriados, não estar à disposição do empregador, de não estar conectado a ferramentas digitais, a fim de poder descansar e se recuperar física e mentalmente (MARTINS, 2019). Enfim, é o direito de não trabalhar; é

“[…] uma forma do homem (enquanto gênero humano) encontrar-se a si mesmo, para que consiga ser pai, mãe, filho, amigo; para que leia livros, assista filmes, etc.; para que tenha tempo para rir, chorar, se emocionar…” (SOUTO MAIOR, 2003).

No mundo ideal, nem o empregador (seja ele configurado como o chefe ou o cliente/estudante), contata o empregado, nem este responde ao chamado. Claro que isso pode ser exceções, mas essas não podemse tornar constantes ou a regra.

Justamente por esse motivo, desde 2020 tramita no Senado Federal o Projeto de Lei 4.044/2020, que visa regulamentar a matéria.

Os benefícios desta nova cultura/visão sobre o trabalho, atingirá de forma igual e razoável empregados e empregadores, pois é certo que empregados descansados, física e psicologicamente saudáveis, são mais produtivos, geram menores gastos com afastamentos previdenciários e têm maior sentimento de pertencimento ao trabalho. Afinal, a tecnologia não pode ser utilizada como uma ferramenta de pressão e de exploração.

Deste modo, reconhecer o direito à desconexão, como direito fundamental, é importante para que o mundo do trabalho atinja patamares de civilidade e respeito à privacidade, intimidade, ao descanso e ao lazer das pessoas.

Até porque, além da negação do direito a desconexão, devemos também nos preocupar com a naturalização da hiperconexão, afinal o número de processos em que o direito à desconexão é mencionado está longe de refletir o debate sobre o tema.

Levantamento da Data Lawyer, aponta que o número de processos com a expressão “direito à desconexão” e afins tem caído desde 2018. Nos últimos seis anos, 2015 foi o que teve o maior número de processos em que a expressão aparece. Foram 10,5 mil demandas judiciais em que o direito à desconexão foi citado. Em 2018, porém, o número caiu para 3.435 processos. Em 2019, saltou para 4,3 mil e em 2020 foram 4.159.

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O ano de 2021 teve 3.492 processos em que o termo foi citado. A cidade que concentrou o maior número de processos relacionados a direito à desconexão foi São Paulo (3.406), seguida de Rio de Janeiro (2.404) e Franca (2.209).

O não reconhecimento desta importância, além de negar uma necessária discussão do presente, impede o amadurecimento de ideias imprescindíveis para o futuro do trabalho, tendo em vista que o horizonte já demonstra que as relações de trabalho serão cada vez mais virtuais.

Portanto, é imprescindível que se busque a equalização entre os novos ambientes, formas de trabalho e ferramentas tecnológicas disponíveis, com o redimensionamento e o resgate da condição humana.