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Uma nova guerra, uma velha lição

Uma nova guerra, uma velha lição

Ricardo Scopel Velho
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Para a imensa maioria dos analistas políticos do mundo, o impensável aconteceu. Uma guerra com potencial nuclear. A entrada da Rússia em território Ucraniano foi um ato de defesa da segurança interna, de acordo com Putin, e de ataque a soberania estatal, segundo o governo Zelensky. As diferentes “narrativas” são parte da própria guerra. A entrada da Ucrânia da União Europeia (UE) e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) são reivindicação dos grupos de poder no atual governo e entram em choque com outros grupos políticos e econômicos que tem mais alinhamento com a Rússia. Para entender esse complexo jogo de interesses é preciso desmistificar alguns pressupostos dados como certos no senso comum das análises.

Em todos os conflitos bélicos dos últimos 300 anos, após a construção do que se chama Paz de Westfália, temos regras para as relações internacionais que se baseiam na soberania estatal. A conformação de diferentes estados nacionais, com exército próprio, com normas e leis internas homogêneas e o estabelecimento de diplomacia permanente foi a tentativa de estabelecer um sistema de equilíbrio de forças contra hegemônicos nas relações interestatais, sob o princípio da igualdade derivada do mercado. Sabe-se que a transição do feudalismo para o capitalismo exigiu a criação de instituições as quais deram fundamentos jurídicos para a expansão da forma mercadoria. Desde os liberais clássicos, como Adam Smith, o conceito de “nação” torna-se uma categoria analítica chave. As noções de “território”, “povo” e “governo” são generalizações da necessidade premente de normalizar as relações econômicas entre agentes do mercado. Portanto, o “Estado Nacional” foi determinado historicamente pela expansão do mercado mundial.

Os conflitos bélicos, a partir do capitalismo, obedecem a outra lógica societária distinta dos modos de produção feudal e escravista. Esse artigo apresenta uma interpretação sobre os limites das interpretações baseadas apenas no Estado Nacional como o determinante dos conflitos bélicos atuais e aponta para a possibilidade de um novo período histórico no qual as guerras incorporarão os atores não estatais nos cenários de conflitos intercapitalistas.

O capitalismo e as guerras

Sob o modo de produção capitalista a lógica do desenvolvimento tecnológico e político segue a determinação dos interesses da acumulação de capital, o qual sempre ocorre por meio do consumo da força de trabalho para produção qualquer outra mercadoria. O atual modo de produzir a vida é fruto de inúmeras violências, a principal delas é separação dos produtores de seus meios de produção. As inúmeras guerras acontecidas, desde o século XV, tem por resultado a acumulação de forças produtivas por quem vence o conflito. Notem que a afirmação não se fundamenta apenas na vitória externa, ou seja, de um Estado Nacional contra outro, mas sim de agentes humanos agrupados em classes sociais, os quais controlam distinto recursos de poder, inclusive, as instituições jurídicas e políticas. O que inclui, portanto, as vitórias internas desses grupos de poder. As revoluções operárias derrotadas, principalmente de 1848 até hoje, tem esse mesmo caráter, pois foram guerras, entre classes, nas quais os trabalhadores confrontavam o poder e questionavam a ordem estabelecida. Por esse prisma, as guerras são parte constituinte de uma das faces mais brutais do sistema de mercado, pois este cria, por meio da violência, uma grande quantidade de seres humanos que só possuem o próprio corpo e sua capacidade de produção para vender. A principal característica do capitalismo, portanto, surge dessa violência organizada no formato de uma guerra entre as classes.

A outra característica fundamental da relação entre a guerra e o capitalismo é a capacidade de criar e de destruir, quase simultaneamente, forças produtivas em escalas monumentais. Na deflagração de conflitos, por recursos materiais disponíveis, as guerras ensejam o domínio territorial, seja da terra, do ar, do mar, do espaço ou do ciberespaço. Isso implica no desenvolvimento de uma indústria, que reivindica, em escala crescente, recursos da sociedade para o chamado “esforço de guerra”. Ora, isso nada mais é do que o aceleramento da própria relação capitalista, com mais meios de produção consumindo mais força de trabalho para criar mais mercadorias. Numa guerra essas mercadorias se realizam, quase que instantaneamente, seja nas linhas amigas na forma de roupas, comida, equipamentos e armas, seja nas linhas inimigas na forma de bombas, projeteis e mísseis. Percebam que a relação capitalista se alimenta das guerras como a ferrugem do aço.

A produtividade geral do sistema é um ponto chave para as taxas de acumulação de capital. Um conflito armado é muito importante para que os equipamentos exigidos por uma guerra alavanquem o desenvolvimento de tecnologias novas ou aplicações produtivas para as antigas. Esse processo sempre fez avançar muito a capacidade de produção do sistema capitalista.

Os dados demonstram, que na semana seguinte ao início da Guerra na Ucrânia, as empresas da área de armamentos tiveram altas nas bolsas de valores.

Com guerra na Europa, indústria da defesa cresce nos EUA.

Tais apontamentos demonstram que a guerra é uma exigência intrínseca ao próprio ser do capital e não apenas um momento destrutivo de forças produtivas em períodos de crise cíclica.

As classes sociais e os Estados

O sistema de estados criado em meados do século XVII conviveu com guerras por expansão de mercados, com invasões, bombardeios, anexações e enfrentamentos diretos, entre nações, que por sua vez, se lançavam como potências imperiais. Assim foi com Espanha e Portugal, depois com Inglaterra, França e Alemanha e mais recentemente, com os Estados Unidos. As duas grandes guerras do século XX nada mais foram do que guerras imperialistas, em que as nações envolvidas pretendiam impor a outras os seus interesses econômicos e políticos. A direção dessas nações se deu por meio de classes burguesas nacionais vinculadas às corporações que se desenvolveram em territórios delimitados pelas fronteiras nacionais. Desta maneira, tais classes burguesas, produziram dirigentes políticos e militares que compunham os estratos gestores daquelas sociedades. Todas as vezes que seus interesses burgueses nacionais foram colocados em risco foi acionado o mecanismo de repressão estatal. Isso vale para ameaças externas, mas também ameaças internas vindas de outras classes adversárias dos interesses burgueses nacionais. Todo o século XIX, com suas revoluções frustradas ou massacradas comprovam essa tese.

Tais classes acumularam riquezas e capital, ininterruptamente, desde seu surgimento, seja em tempos paz, seja em tempos de guerra. Agora, em pleno século XXI, temos uma realidade distinta da vivida até então. As cadeias produtivas globais estão fortemente integradas e qualquer alteração gera um efeito em cascata em escala planetária. Os fenômenos atuais são ricos em mostrar os efeitos dessa integração, por exemplo, as sanções econômicas contra a Rússia, que na verdade, são sanções que restringem o acesso a certos mercados por certas corporações, vejam:

A ExxonMobil anunciou ontem que sairá de uma joint venture na Ilha Sakhalin, no leste da Rússia, e não investirá em outros empreendimentos no país. A BP planeja abandonar sua participação de 19,75% na gigante petrolífera russa Rosneft. A decisão encerra 30 anos de operação no país, um dos maiores produtores de petróleo do mundo. A Shell também informou que encerrou todas as suas operações russas, incluindo joint ventures com a estatal de gás Gazprom e uma grande usina de gás natural liquefeito (GNL). (Disponível em forbes.com.br)

O que está em jogo com tais sanções é a participação dessas empresas nos mercados globais e como suas concorrentes operam para se equilibrar na geopolítica e na geoeconomia do capital. A argumentação desenvolvida até aqui nos leva a seguinte hipótese: os capitalistas que operam algumas empresas influenciam decisões de governos para enfrentar dificuldade de mercados. Os empresários com ascendência no governo Putin têm interesses em ampliar sua participação no mercado mundial e a ascensão de empresários, com interesse distintos, no governo ucraniano os impedem. Não importa qual seja o passaporte desses empresários! Inclusive, descobrimos que vários desses capitalistas não são nem russos, nem ucranianos, nem estadunidenses, mas sim cidadãos de países que lhes dão vantagens fiscais. O capital e suas personificações não têm bandeira.

Já ouvimos a frase que a guerra é a continuação da política por outros meios, mas a política também é a continuação da economia por outros meios. Ora, os atuais governos nacionais nada mais são do que gerentes de interesses econômicos de grandes corporações privadas que visam o lucro. Tanto Putin, como Zelenski, em entrevistas recentes, afirmam uma identidade de CEO’s, ou seja, verdadeiros gerentes de seus países.  Por outro lado, alguns capitalistas estão intervindo diretamente no teatro de operações da guerra, como por exemplo, Elon Musk, quem disponibilizou suas plataformas para uso de internet durante o conflito. Vejam a sua frase, no dia 14 de março de 2022:

A Starlink é o único sistema de comunicação não-russo que ainda funciona em algumas partes da Ucrânia, então a probabilidade de ser alvo é alta. Por favor, use com cautela. (No Twitter, Elon Musk desafia Vladimir Putin para um duelo | Tecnologia | G1 (globo.com).

Elon Musk é um novo tipo de ator que surge nos conflitos contemporâneos. Ele é a personificação individual de uma cadeia produtiva que está em concorrência direta com empresas sediadas em território russo. Assim, como as sanções econômicas não são operacionalizadas pelos governos, mas sim pelas empresas que definem se é vantajoso ou prejudicial aos seus negócios. As notícias desse fenômeno apontam nesse sentido, Ford, Visa, Spotify: as empresas que deixaram a Rússia após início da guerra | CNN Brasil.

Por outro lado, a corporações alinhadas ao estado russo estão ampliando outros mercados fortalecendo assim uma mega aliança economica viabilizada pelas sanções ocidentais. Por exemplo:

Após sanção alemã ao gasoduto Nord Stream 2, estatal russa Gazprom assina contrato para construção do gasoduto Soyuz Vostok, que fornecerá gás à China. Novo gasoduto passará pela Mongólia e conectará sistemas do oeste e leste russos, podendo redirecionar para a Ásia o gás fornecido à Europa. Empresa prevê capacidade de 50 bilhões m³ anuais, quase a mesma do Nord Stream 2 (55 bilhões m³).  Bloomberg, 28.02.2022

Além disso, a sanção aplicada na esfera da circulação de mercadorias por meio da suspenção de operações de cartão de crédito VISA e MASTERCARD teve uma resposta imediata pelos concorrentes. Os capitalistas chineses foram rápidos em oferecer sua plantaforma de compras para viabilizar as operações financeiras suspensas pelo ocidente.

O anúncio ocorreu após a decisão das gigantes americanas Visa e Mastercard de suspender as operações na Rússia. A mudança para a UnionPay foi anunciada pelo maior banco da Rússia, o Sberbank, além do Alfa Bank e o Tinkoff, segundo agências de notícias internacionais. A UnionPay é considerada a maior rede de cartões do mundo. Com mais de 7 bilhões de cartões em circulação, ela é a mais usada na China e também é aceita internacionalmente, embora em menor escala. –  O que é UnionPay, bandeira de cartão de crédito chinesa adotada na Rússia após Visa e Mastercard suspenderem operações | Ucrânia e Rússia | G1 (globo.com).

A revista Isto é Dinheiro está apostando que a aliança faz parte de um bloco econômico, a notícia é clara: A China é o escudo de Putin contra as sanções financeiras de EUA e aliados – Seu Dinheiro.  Vejam que as fronteiras não são mais apenas nacionais, são fluidas, quem detém o poder sobre esse território exerce o mando. O caso chinês é emblemático de como a massa humana pode ser um elemento estratégico fundamental para o desenlace de um conflito bélico. Bilhões de pessoas movimentam muitos recursos e os empresários ocidentais sabem disso, mas ao mesmo tempo, não podem simplesmente ignorar as áreas de atrito, como demonstra as guerras latentes na Coréia, em Taiwan e no mar da china.

Ainda temos que verificar como essas grandes empresas não podem realizar todas as ações necessárias para atacar ou defender suas posições no mercado. Elas ainda precisam do Estado, como fonte de legitimação e de coerção clássica. Em um momento de sinceridade possível apenas em momentos ímpares na História, um CEO deixou claro para o público a posição do empresariado:

Segundo o Svein Tore Holsether, Presidente e CEO da Yara International, “é crucial que a comunidade internacional se reúna e trabalhe para garantir a produção mundial de alimentos e reduzir a dependência da Rússia, embora o número de alternativas hoje seja limitado. Isso constitui um dilema difícil entre continuar abastecendo-se da Rússia a curto prazo ou cortar a Rússia das cadeias alimentares internacionais. A última opção pode ter consequências sociais consideráveis. Essas considerações não devem ser feitas por empresas individuais, mas precisam ser feitas por autoridades nacionais e internacionais”. “A urgência agora está em ajudar a Ucrânia e o povo ucraniano. Ao mesmo tempo, estamos pedindo aos governos noruegueses e internacionais que se unam e protejam a produção global de alimentos e trabalhem juntos para diminuir a dependência da Rússia”, resumiu ele. Disponível em www.comprerural.com Consultado em 14 de março de 2022.

A geopolítica dos recursos energéticos

Há um elemento pouco comentado nas analises sobre o atual conflito na Ucrânia: o que está em jogo naquele território? Existem teorias clássicas  sobre o domínio do coração da heartland que alguns autores chamam de eixo pivô da grande ilha eurasiana. Do ponto de vista geopolítico isso tem muito sentido, pois quem controla o centro do tabuleiro tem vantagens estratégicas. Porém, indo além, existe uma questão geoeconômica em pauta: os recursos energeticos disponíveis em território ucraniano e a tecnologia nuclear dominada pelas empresas alinhadas ao estado russo.

Para argumentar sobre isso é preciso visualizar o mapa abaixo.

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suburbanodigital.blogspot.com

Fica evidente a existência de minérios importantes na região, além dos gasodutos, agora em território controlado pelar forças russas, que abastecem a Europa e a Turquia. Além disso, existem instalações de produção de energia nuclear com grande capacidade instalada. A cadeia de produção desse tipo de energia exige tecnologia e materias primas muito específicas cuja expertise é dominada pelos russos. Notem, a Rússia é líder mundial na construção de usinas nucleares (ipen.br).

Há muito que os parceiros estrangeiros apreciam as vantagens das usinas nucleares russas. A “geografia” da cooperação não deixa de surpreender. Foram assinados contratos de construção de blocos energéticos nucleares com a Hungria, Bangladesh, China, Vietnã, Finlândia, Cazaquistão e Bielorrússia. Em breve, será firmado um acordo de construção do terceiro e quarto bloco na Índia. Duas usinas nucleares serão construídas na província de Bushehr, no Irã, e uma na Jordânia. (disponível em ipen.br, consultado em 14/03/22).

Ao que parece a disputa por fontes de energia é peça fundamental do atual tabuleiro do xadrez global. Os russos, por meio de suas corporações defendidadas pelo exército estatal e empresas de segurança privada, como a Wagner Group, competem globalmente pelo controle dessas fontes de energia. Um ítem básico para qualquer produção mercantil é a energia eletrica, o gás ou o petroléo. Os empresários associados ao estado russo tem controle sobre uma quantidade enorme desses recursos e a Ucrânia, por meio do governo Zelenski, colocava em risco as operações no mercado europeu e no norte da África. A participação na UE e na OTAN são vínculos institucionais que alinham aqueles recursos aos interesses das corporações da UE e dos EUA.

Em contrapartida, os empresários associados ao estado norte-americano estão atrasados em relação à legislação de produção da energia nuclear, como indica o relatório da empresa Energy Post:

Hoje, o mercado internacional de energia nuclear mudou drasticamente à medida que a cadeia de suprimentos se tornou globalizada. Em julho deste ano, um grupo bipartidário de ex-comissários do NRC enviou uma carta ao Congresso (exibida abaixo) exortando-os a modernizar a Lei de Energia Atômica de 1954 (AEA) para melhor permitir que os Estados Unidos trabalhem com seus aliados em projetos de energia nuclear. A carta insta o Congresso a suspender a restrição de propriedade, controle ou dominação estrangeira (FOCD) nas seções 103d e 104d da AEA, que inibiu o investimento de aliados em reatores domésticos no passado. Como as usinas de energia domésticas nos Estados Unidos hoje dependem da cooperação com fornecedores estrangeiros de componentes de usinas de energia, a restrição FOCD apresenta um problema anacrônico para projetos de usinas nucleares dos EUA. A lei, tal como está atualmente, não leva em conta até que ponto as corporações se tornaram multinacionais nas últimas décadas; este é apenas um exemplo de uma área da política nuclear que precisa de uma atualização. (…) Ao mesmo tempo, é improvável que os Estados Unidos realizem todo o seu potencial no setor de energia nuclear sem a cooperação internacional com aliados, especialmente porque a maioria das empresas de energia nuclear são multinacionais (disponível em U.S. Nuclear: change the laws that constrain foreign and domestic investment – Energy Post).

Enquanto isso, os russos expandem seus negócios. Vejam:

Por exemplo, a Associação Nuclear Mundial considera que sete unidades estão em construção: uma na China, duas na Bielorrússia, duas na Índia, uma em Bangladesh – onde a construção de uma segunda unidade também começou – e uma na Turquia. Além disso, mais 12 unidades foram contratadas e 11 foram encomendadas.10 Os trabalhos preliminares estão em estágio avançado nos contratos na Finlândia e na Hungria.11 Contratos de construção de usinas nucleares adicionais foram assinados com a Armênia, China, Egito, Índia, Irã e Uzbequistão. Acordos intergovernamentais, também conhecidos como acordos ‘quadro’, que fornecem uma base legal para negociações e identificam áreas específicas para cooperação bilateral foram assinados com Argélia, Bolívia, Camboja, Cuba, Gana, Nigéria, Paraguai, Arábia Saudita, Sudão, Tajiquistão, Tunísia, Emirados Árabes Unidos (EAU) e Zâmbia. (Disponível em Russia’s nuclear energy exports: Status, prospects and implications (sipri.org)

Considerações finais

A breve pesquisa realizada para esse artigo indicou a forte presença de atores não estatais no conflito e, portanto, a insuficiência de uma abordagem estatista para compreender o conflito no território ucraniano. Os dados demonstram que para produzir conhecimento capaz de analisar o mundo atual é urgente o emprego de elementos teóricos clássicos, sobre o funcionamento do modo de produção capitalista, em sintonia com novos conhecimentos sobre os conflitos contemporâneos. É preciso enfatizar, que estes conflitos ocorrem em um quadro geopolítico no qual as corporações globais são agentes fundamentais no desenrolar da guerra.

Os inúmeros recursos energéticos disponíveis em territórios ucraniano, a expertise das empresas russas em produção de energia nuclear e o controle do fluxo desses insumos são peças-chave em qualquer prospecção de cenários políticos e militares vindouros. No entanto, tais análises só poderão ser feitas, com acuidade, se levarem em consideração as grandes corporações envolvidas na geopolítica e na geoeconomia do capital mundial, como agentes realmente operativos no conflito.

Outro elemento aqui elencado é a vinculação medular da guerra com a economia de tipo capitalista. Em outras palavras, isto significa dizer que a relação social de produção mercadológica tem na guerra sua constituição, seu desenvolvimento e sua autossuperação. A guerra leva a destruição de vidas humanas e recursos inimagináveis. No entanto, para o capital, isso nada mais é do que uma forma de resolver suas contradições intrínsecas e de externalizar excesso de capital, concomitantemente, ao aumento da produtividade, ao salto tecnológico promovido pelo conflito e a destruição de forças produtivas obsoletas que baixam as taxas de lucro. De forma análoga às empresas de cunho militar, cujas cotações aumentam no mercado financeiro, as empresas dos setores energéticos, que comercializam, gás, petróleo e energia nuclear estão ganhando com a guerra. Não há perdedores entre os capitalistas.

O que nos deve preocupar é a morte de milhares de trabalhadores, a migração de milhões de trabalhadoras e seus filhos do teatro de guerra. Quem sempre perde é a classe trabalhadora transformada em “carne de canhão.” A guerra é um momento importante para que as contradições mais agudas do sistema sejam explicitadas e para demonstrar o quão desumano é o capital. Devemos apontar para a necessária organização autônoma dos trabalhadores, a constituição de grupos de apoio, de cooperação, de estudos e de trabalho que possam criar uma rede independente de informações e de ação política de caráter proletário.

Apenas quando nós, trabalhadores, tomarmos em nossas mãos as armas poderemos defender os nossos interesses, independente de fronteiras ou bandeiras, e cujas prioridades são a vida, a cultura, a educação, a emancipação humana de todas as opressões e da exploração econômica. Por enquanto, só há um vencedor nessa guerra: o capital! No futuro, partindo desse aprendizado, poderemos vencer a guerra de classes contra todos os nossos algozes.