Nasce Cooperativa da Reforma Agrária Popular no Norte do Paraná: um dia histórico em centenário do Sul
O dia 02 de maio foi marcado por um dos momentos mais importantes e emocionantes vivido pela população acampada e assentada no Norte do Paraná, sobretudo a que vive, sente, luta e resiste nas terras histórico-geográficas desta porção do Sul do País. No Acampamento Fidel Castro, no município de Centenário do Sul, nas terras de muitos/as mártires da Guerra de Porecatu, sem terras de diversas localidades rememoraram os 22 anos do assassinato Antônio Tavares, ocorrido nos confrontos sangrentos da BR 277, quando o uso de desproporcional força repressiva do estado do Paraná, vitimou este sem terra e feriu centenas de trabalhadores e trabalhadoras do MST que tentavam chegar até a capital estadual para promover reivindicações e dialogar com o então governador.
Além desta atividade pela memória de Antônio Tavares, uma mística popular representava a luta pela terra, pela comida e pela vida. Trabalhadores e trabalhadoras sem terra adentraram o centro social do acampamento carregando peneiras com sementes diversas, e levavam junto, miniaturas de barracos de lona preta, bandeiras, instrumentos de trabalho e alimentos tirados da terra. O coração de tal mística de acolhimento, era das mulheres!
Desta forma, estava aberto o Seminário Cooperação e Desenvolvimento Regional: MST e COPRARI, em mais um momento de emoção naquela manhã, pois estava se promovendo neste seminário, o nascimento de uma nova cooperativa do MST – a Cooperativa de Produção, Industrialização e Comercialização Agrícola e Pecuária Ribeirão Vermelho.
Na sequência, Diego Moreira traçou profunda e preocupante análise sobre a conjuntura política e os desafios de uma necessária ampliação da Reforma Agrária Popular, tecendo leitura sobre a situação política vivida no Brasil nos últimos três anos e a necessidade de um retorno do governo do ex-presidente Lula, para minimamente aplacar a forme crescente de parcela considerável da população brasileira. Sua fala foi seguida pela de José Damasceno, que recordou o histórico de luta dos/as sem terra, assim como falou sobre a importância do planejamento regional e desenvolvimento envolvendo o movimento. Milton Fornazieri explanou sobre a importância da cooperação para o MST.
A convite da colega Ceres, liderança do MST no Paraná, e seguindo a programação matinal do Seminário, fiz uma fala recuperativa da história da posse das terras da região da Guerra de Porecatu, onde se encontra o Acampamento Fidel Castro, assim como outras porções de terras de assentados e acampados regionalmente. A fala se inicia a partir de uma analogia entre a terra roxa do Norte do Paraná com o sangue derramado neste solo para sua efetiva ocupação, registrando aos que assistiam/ouviam, o primeiro requerimento de legitimação de posse da terra da Fazenda Ribeirão Vermelho, em 29 de fevereiro de 1891, uma solicitação de Escolástica Melchert da Fonseca, de uma área de 146.475 ha, sendo que a mesma foi oficializada em 16 de março de 1896, quando já havia passado por sucessivas vendas, até que Escolástica loteou e vendeu para fazendeiros paulistas. Estava iniciando um longo período conflituoso na região de Porecatu, que se estenderia para além do centenário da emancipação do Paraná, que era comemorado naquela época.
Tais terras eram consideradas “incultas”, gerando outra justificativa de posse por meio do Grilo Ribeirão Vermelho, este com 217.277,5 há, mas que fora indeferido pelo governo estadual, em 1894, pois os documentos deste grilo, eram precários. Desde então, essas terras de posse ilegítima foram vendidas, gerando ações judiciais e o início de grande violência pela sua disputa registrada desde então.
Mas ressaltei a questão que antecede todo esse embrulho sobre as terras naquela região, pois esse território é de domínio milenar dos povos originários, assim como é secularmente reocupado, primeiro pelas reduções jesuíticas, depois por quilombos, por fim, por uma população híbrida, a cabocla. Esta última, juntamente com os indígenas, vivenciaram a gênese dos conflitos territoriais regionais, sendo empurrada para foram da região, ou simplesmente, eliminada por jagunços contratados para “limpar” as terras do Norte paranaense.
Mas era preciso fechar a fala a partir do banho de sangue em que se tornou a região entre as décadas de 1940 e 1950, com a Guerra de Porecatu em si, a também conhecida Coréia Brasileira, cuja atuação do PCB foram fundamental na resistência ao direito dos posseiros, levando para a região a ira das elites latifundiárias estaduais, cujas marcas estavam referenciadas na estrada do Paralelo 38 e no próprio Ribeirão Vermelho, que por meio da COPRARI, torna-se guardiã da história de luta pelo direito à terra e à justiça de centenas de posseiros/as, muitos/as dos quais, jazem sobre o mar de cana de açúcar em que foi transformada esta porção do Norte do estado. Mas também pela memória de crianças caçadas e eliminadas, assim como seus pais, carregados como lixo em caminhonetes e caminhões, cujos destino era o rio Paranapanema, ou o Capim, ou, mesmo, o Ribeirão Vermelho, guardião dos/das mártires da Guerra de Porecatu.
Concluído este momento de forte emoção, tivemos a leitura e aprovação do Estatuto da COPRARI, apresentado e debatido com a advogada Ana Santos que esmiuçou detalhes para os/as futuros/as cooperados/as, culminando com sua aprovação e com o ato político de eleição da primeira diretoria da Cooperativa Ribeirão Vermelho, atividade coordenada por Dirlete e Bea.
Findadas as atividades místicas, rememorativas, histórico-geográficas, e políticas que marcaram o seminário, as centenas de pessoas que estavam presente ao evento foram calorosamente convidadas para um almoço comunitário, oferecido pelos/as acampados/as do MST. Todo o evento foi entremeado por atividades culturais, cuja coordenação e animação, ficou a cargo de Pedrinho, Lucas e Fábio. Assim como as atividades recreativas forma promovidas pelo Coletivo de Mulheres.
E, o 02 de maio de 2022, entra para a história da luta pela terra, não apenas no Norte do Paraná, mas no Brasil, pois a criação da Cooperativa de Produção. Industrialização e Comercialização Agrícola e Pecuária Ribeirão Vermelho faz parte do processo que envolve a própria existência do MST, plantar, produzir e propiciar alimentos de qualidade e sem veneno para o povo brasileiro. Mas entrou para a história, também, ao se rememorar o assassinato do sem terra Antônio Tavares, provando que a luta pela terra é ininterrupta neste país, isso desde que os portugueses aportaram no litoral baiano e, a partir daquele momento, instalaram um regime de terror ao concentrar a terra na posse de uma pequena elite agrária, que secularmente se mantem em conflito com aqueles e aquelas que desejam plantar a comida que nos alimenta.
O futuro desta nação depende inexoravelmente de uma Reforma Agrária Popular, eliminando, assim, do território nacional, a fome que dilacera vidas e nos impede de ser, de fato, uma civilização!
Nilson Cesar Fraga, é Pesquisador do CNPq/PQ. Geógrafo. Professor no Curso de Geografia na Universidade Estadual de Londrina. Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Coordenador do Laboratório de Geografia, Território, Meio Ambiente e Conflito – GEOTMAC/UEL. Professor no Programa de Pós-graduação em Geografia na Universidade Federal de Rondónia – PPGG/UNIR. E-mail: ncfraga@uel,br