Lendo agora
Dois corpos arrebatados pela força dos sentidos

Dois corpos arrebatados pela força dos sentidos

Carlos Weinman
blank

Inaiê diante da descoberta que Ulisses era seu irmão ficou atordoada, uma enxurrada de sentimentos e lembranças invadiram seu pensamento, entre os sentimentos estava a felicidade de encontrar um irmão na sua jornada, algo impensado até então, pois havia apenas o sentimento de estar sozinha no meio da multidão, no mundo dos estranhos, partira para uma jornada solitariamente, encontrou um amigo e para sua surpresa seu irmão. Esses pensamentos invadiram a mente de Inaiê, juntamente com a lembrança e confirmação da morte dos seus pais biológicos, o que gerava em sua alma uma grande tristeza.

Diante do amálgama de sentimentos, os olhos de Inaiê umedeceram a tal ponto que as lágrimas jorravam sobre sua face, era a forma que seu corpo revelava ao mundo o que estava sentindo, mas não bastou, precisou de sussurros e um grito que ecoava a alegria do encontro e, ao mesmo tempo, a dor, por não ter a oportunidade de brincar, de passear com seus pais biológicos, de conhecer o seus outros irmãos, era um grito reclamando para o mundo o direito de ter as oportunidades que todas as famílias deveriam ter em viver e conviver juntos. Porém, seu corpo não conseguiu jogar para fora toda a extensão desses sentimentos, suas energias esvaíram-se, caído sobre os braços de Ulisses, que em um ato reflexo conseguiu evitar a queda da irmã.

Ulisses emocionado e assustado buscou trazer o ânimo para o corpo de sua irmã, mas, também, sentia a mistura do desespero com a felicidade, sua alma tinha a necessidade de reclamar para o mundo seu desejo e o direito de ter uma vida com dignidade para si e sua família, seu espírito foi sacudido com uma forte lembrança em que  seus irmãos brincavam pela casa, enquanto seus pais, ao redor do fogão a lenha, seguravam um bebê, cuja lembrança ele havia esquecido, lembrou que seu pai a chamava carinhosamente de pequena princesa, era uma lembrança alegre, mas em seguida surgiu a tristeza do dia em que seu pai perdeu o seu trabalho, a vizinhança passou a não enxergá-los, passaram ser, por determinados momentos, invisíveis e, em outros, eram vistos com desconfiança. Essa lembrança trouxe um misto de dor, de ódio, de saudade, de ausência, pois a família ruiu diante da doença de seu pai e a falta de um trabalho digno. Todos esses sentimentos confundiam-se com a felicidade do encontro com a irmã, que era até então uma desconhecida. Todas essas lembranças e sentimentos levaram ao grito de desespero: Por quê?!

 Em seguida as pernas de Ulisses amoleceram e diante de toda emoção caiu juntamente com sua irmã, no centro da cidade, dois corpos desfalecidos, mas com uma grande capacidade de sentir, emocionar-se, de querer algo mais do que fora dado durante a vida. Não havia ninguém capaz de responder ao grito de Ulisses que, também, se conjugava com a expressão do corpo e da alma de sua irmã e solicitava ao mundo a resposta sobre as injustiças, as indiferenças e a intolerância.

See Also
blank

A racionalidade não dava conta em dar respostas ao grito dos dois estranhos, movidos pela força de sensações e sentimentos decorrentes das duras experiências de ser no mundo de dois órfãos, que naquele momento geravam desconforto para os transeuntes a tal ponto que a rua ficou vazia. Os gritos, o lamento, a súplica afastaram as pessoas daquele caminho. Desta vez, o despertar do pensamento não pode ajudar, restando ao silêncio revelar que a estranheza pode ter como efeito o medo seguido do afastar, pois para as pessoas que ali passavam havia dois estranhos, gritando desesperadamente, seriam dois loucos? Doentes? Quem teria coragem em se aproximar?