Projeto de Lei 2159/2024 e a degradação ambiental: o que esperar de governantes que desprezam a vida em função de interesses de exploradores escravocratas?


Agora chegou a vez e a hora de tudo “arrombar”. Não basta explorar, não basta ganhar dinheiro, a “moda e o modo” é exterminar a vida, não só a humana, mas de todas as espécies, que aliás, sustentam e dão razão de ser a nossa existência.
Sem nenhum esforço do governo federal, ao menos em debater a temática da “regulação ambiental” e, pelo que se leu em matérias jornalísticas sobre esse projeto de lei 2.159/2024, que, aliás, foi resgatado de outra proposição da era bolsonarista, quando foi tratada como “a mãe de todas as boiadas” – numa alusão ao dito “deixar a boiada passar”- agora, sob o governo Lula, a sua aprovação acabou sendo costurada entre Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil e Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal, conforme destacado por José Roberto de Toledo e Thais Bilenky em coluna publicada no portal UOL. Aprová-lo, no dia 21 de maio de 2025, tornou-se fácil. Somaram-se 54 votos a favor e 13 contra, dando validade ao que pretendem tratar como a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA).

O Projeto de Lei 2.159/2024 tem passado pelo ambiente legislativo sem nenhum debate aprofundado, sem envolver a sociedade e, ao menos, os ambientalistas. Ele estabelece regras gerais e diretrizes sobre o licenciamento ambiental, para facilitar a viabilidade dos projetos que podem causar impactos irreversíveis à natureza e às comunidades que vivem nela, especialmente indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras, ribeirinhos e quebradeiras de coco.
O texto, vindo da Câmara dos Deputados, foi aprovado pelo Senado com pequenas alterações, mas nada que amenize ou impeça a degradação desmedida da natureza, cruelmente vilipendiada. Por conta das mudanças, o projeto voltará à Câmara dos Deputados, onde será reapreciado, mas como as proposições não alteram a essência do que se pretende com a “nova lei”, há forte tendência de que seja aprovado, sem que o governo federal esboce qualquer contestação.

As reações, em oposição ao projeto da devastação, ocorrem através de manifestações da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela, no entanto, está inserida num governo que lhe nega apoio e respaldo. Por mais respeito que ela mereça, sabe-se que não tem força política diante das proposições que impõem os retrocessos ambientais. Apesar de seus posicionamentos contrários ao projeto e a outras medidas – como a da exploração de petróleo na Foz do Amazonas -, as pressões do Presidente da República, inclusive sobre o Ibama, são incisivas e encorajam os setores do agronegócio, das petrolíferas e mineradoras a agirem livremente por dentro e fora do governo.
Portanto, o projeto, em sendo aprovado como está, possibilitará, entre outras coisas, a dispensa de licenciamento ambiental e empreendimentos econômicos poderão ser implementados através do que vem sendo denominado de “Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). O que se dará pela obtenção de uma autorização digital e automática, mediante apresentação de mero Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE).

Conforme a proposta legislativa, o RCE não seria objeto de análise, nem de aprovação, a não ser quando a autoridade licenciadora utilizar de sua faculdade – por amostragem – de apreciá-lo. Na prática, trata-se de um autolicenciamento, ou seja, o próprio interessado concede a própria licença.
O projeto desconsidera os direitos indígenas, de modo afrontoso retira deles a possibilidade de se manifestarem acerca daquilo que os impactará. Pelo projeto, somente serão considerados, para fins de consulta livre, prévia e informada, aqueles povos e comunidades que estiverem vivendo sobre terras regularizadas e/ou homologadas e, no caso dos quilombolas, os que possuem terras tituladas. Portanto, mais de 60% dos territórios indígenas e mais de 80% dos quilombolas estarão fora do alcance da proteção legislativa, constitucional e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2004.

Outro ponto preocupante é o fato de o texto enfraquecer o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), atribuindo a competência normativa de regulamentar ao que chama de “autoridade licenciadora”, assim considerados os entes de que trata a LC 140/2011, a saber: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Onir de Araújo, advogado e militante da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, ao analisar o projeto de lei, é enfático ao afirmar: “o lobby do rentismo, do agronegócio, da mineração e um Governo de Coalizão com os herdeiros da tradição colonial escravocrata, está sendo eficaz e agora avança para a Câmara Federal, onde tende a se consolidar para desgraça da maioria da população brasileira e o futuro das próximas gerações. A flexibilização dos contrapesos legais ao licenciamento desses projetos atende diretamente aos interesses do Império e os da elite perdulária, violenta e parasitária, sócia minoritária do mesmo na exploração e destruição de nossas riquezas, super exploração de nosso trabalho, destruição do meio ambiente e genocídio e extermínio dos povos que os mantém. Um projeto de lei que impactará diretamente aos mesmos e em total afronta ao Direito de Consulta previsto na Convenção 169 da OIT. Outro ponto polêmico envolve minorias. A nova lei afirma que somente terras indígenas homologadas e territórios quilombolas titulados (oficializados) devem ser considerados na análise ambiental”.
A contundente crítica de Onir, nesse contexto em que se discute e se planeja a COP30, remete-nos ao cenário de que os setores oligárquicos – que inclusive bancam os custos financeiros deste megaevento – requerem do país a liberalização legislativa – livre e indiscriminada pelo território nacional – visando a exploração dos recursos minerais e ambientais, sem contenções. E coube a um parlamentar da região amazônica, hoje sentado na cadeira de presidente do Congresso Nacional, liderar a aprovação do projeto de lei da destruição do bioma mais importante do mundo. Coube a um líder “progressista”, que subiu a rampa do Palácio do Planalto de mãos dadas com os mais empobrecidos, agir de forma frouxa, pra não dizer articulada, com as bancadas mais retrógradas do parlamento brasileiro – evangélica, agrária, agrícola e das grandes corporações minerárias.
Ainda há tempo – se os movimentos sociais, os setores ambientalistas, as organizações populares se reorganizarem – de impedir que o PL 2.159/2024 prossiga e se torne lei. E mesmo que a insanidade prevaleça, ainda haverá luz no final do túnel, pleiteando sua inconstitucionalidade no Poder Judiciário. Todavia, lá, as ferramentas precisam estar bem afiadas ao enfrentamento jurídico e político.
Os Povos Indígenas, as comunidades Quilombolas, ainda podem formar uma grande rede de oposição e denúncia a ” mãe de todas as boiadas”, constituindo, a partir das lutas de base, de suas forças regionais e nacionais, alianças em defesa da Mãe Terra, contra a insanidade das oligarquias escravocratas, que ainda se adonam da natureza e dos corpos humanos.

Que Tupã, os Orixás, as ancestralidades todas guiem-nos, ou tenham piedade de nós!
Porto Alegre (RS), 24 de maio de 2025.
Cimi Sul – Equipes Porto Alegre e Norte RS.


Roberto Antônio Liebgott é missionário do CIMI - Conselho Indigenista Missionário, atuando na região Sul do Brasil.