Lei que destinaria R$ 140 mil para financiar ações judiciais contra a demarcação da Terra Kaingang Rio dos Índios é revogada


A comunidade Kaingang de Vicente Dutra, no norte do estado do Rio Grande do Sul, obteve uma importante vitória com a revogação a Lei Municipal 2918, de 2024. Essa notícia chegou ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Regional Sul, por ocasião do comunicado de arquivamento, por parte do Ministério Público Estadual, da denúncia apresentada pelo CIMI Sul contra o município de Vicente Dutra, o qual havia sancionado, em 2024, a referida lei municipal 2918, possibilitando o repasse de um montante no valor de 140 mil reais à Associação dos Amigos das Águas do Prado, para financiar ações judiciais contra a demarcação da Terra Kaingang Rio dos Índios. Com a denúncia e os pedidos de explicações, por parte do Ministério Público Estadual, aconteceu a revogação da lei e a suspensão, por parte da prefeitura, dos pagamentos à Associação dos Amigos das Águas do Prado, de Vicente Dutra, que ingressou na justiça contra a demarcação da Terra Indígena Rio dos Índios.
Para entender o caso, a Assessora Jurídica do CIMI SUL, Drª Irene Maestro Santos Guimarães, fez memória do caso. Ela destacou esse relevante conflito envolvendo direitos territoriais indígenas no município de Vicente Dutra e salientou que o CIMI SUL acompanha o território do povo Kaingang, a Terra Indígena Rio dos Índios, demarcada pelo Executivo Federal.
“Mesmo com a demarcação, esse é um território que tem sofrido uma série de ações judiciais na tentativa de anular esse processo de demarcação. Não é de hoje que nessas ações que a gente defende a comunidade indígena ou atua como Amicus Curiae nesse território de Vicente Dutra, se vê a relação espúria entre prefeitos, ex-prefeitos e seus parentes com o empreendimento econômico Termas Águas do Prado, que está sobreposto ao território indígena e que disputa esse lugar”, enfatizou Irene.

A Assessora Jurídica relembrou também que em 2024 foi proposto, pelo Executivo Municipal de Vicente Dutra, o Projeto de Lei, que acabou sendo aprovado pela Câmara de Vereadores, transformando-se na Lei 2918/2024, para estabelecer um termo de fomento com a Associação dos Amigos das Águas do Prado.
“O objetivo foi de viabilizar, por meio dessa Lei, que foi aprovada na Câmara Municipal, que fossem destinados recursos financeiros do orçamento municipal, do conjunto dos munícipes, que inclui os indígenas, para custear despesas das ações judiciais que visam anular o processo de demarcação. Diante disso, o CIMI tomou a iniciativa de apresentar uma denúncia/representação junto ao Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Ministério Público de Contas para apontar os fortes indícios do mau uso do dinheiro público, afrontando os princípios da Administração Pública, porque o projeto de lei buscava financiar, com dinheiro público, medidas judiciais de interesses privados, que são os particulares ligados ao empreendimento Termas do Águas do Prado e que é parte interessada na anulação do processo de demarcação do território indígena”, contextualizou.
A partir da denúncia do CIMI SUL, Drª Irene destaca que, em 17 de fevereiro de 2025, o Ministério Público Estadual arquivou o inquérito que havia sido instaurado para investigar esse projeto de lei, aprovado pela câmara de vereadores de Vicente Dutra.
Nas imagens, denúncia do CIMI SUL ao Ministério Público Estadual:
“Ao ser notificada para prestar esclarecimentos, tanto a Prefeitura de Vicente Dutra quanto a Associação dos Amigos das Águas do Prado, informaram que não chegou a ser feito repasse de verbas, tendo em vista que o Ministério Público havia determinado a imediata suspensão de qualquer movimentação financeira nesse sentido. Com o inquérito instaurado e as irregularidades apontadas, a legislação municipal foi revogada”.
Defesa da Causa Indígena

Para Roberto Liebgott, advogado e missionário do CIMI Sul, é preciso seguir vigilante frente às ações que usam estruturas de poder para beneficiamento privado, excludente e racista contra os povos indígenas.
“Nossa intervenção, nesse caso, foi fundamental, porque havia um evidente crime de abuso de poder e do uso indevido dos recursos dos munícipes para financiar ações privadas contra os povos indígenas, que também são munícipes”.
Em abril de 2024, a liderança Kaingang, Luís Salvador, também falou sobre o caso: “Não reconhecemos a lei 2918 de 2024 do município. Que os envolvidos sejam punidos”, disse ele na ocasião.
Salvador também havia destacado sobre o processo de demarcação da TI Rio dos Índios, a luta e resistência no território.
“A homologação do procedimento demarcatório dessa TI aconteceu em maio de 2023, com base em mais de trinta anos de luta pela demarcação e uma vida inteira de resistência, considerando que o Brasil é território indígena”, mencionou.

Nas imagens, o relatório de arquivamento desse caso:
Saiba Mais:

Jornalista, militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP).

Coordenação Colegiada do Cimi Sul - Conselho Indigenista Missionário.