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Justiça Federal julga improcedente ação de reintegração de posse movida pelo município de Carazinho contra comunidade Kaingang

Justiça Federal julga improcedente ação de reintegração de posse movida pelo município de Carazinho contra comunidade Kaingang

Claudia Weinman
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No dia 31 de março de 2023, a 1ª Vara Federal de Carazinho, na pessoa do Juiz Federal Cesar Augusto Vieira, divulgou a sentença sobre a reintegração de posse movida pelo município de Carazinho contra as famílias Kaingang que vivem em uma área denominada Parque da Cidade, localizada na estrada que conduz à localidade de Bela Vista. Na ação, segundo a assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário, CIMI Regional Sul, Irene Maestro Sarrion dos Santos Guimarães, a reintegração de posse contra as famílias foi julgada improcedente com base na função social da propriedade, no direito à moradia, especialmente com relação aos indígenas, na omissão estatal e consolidação da ocupação indígena no Parque Municipal.

“Não há mensuráveis impactos a serem considerados no caso da manutenção da comunidade provisoriamente e de forma precária no local”, diz a sentença.

Irene explica que conforme consta na decisão, quando há omissão do Estado em garantir as condições para que os povos indígenas possam viver de acordo com a sua cultura, o Estado comete omissão grave e a justiça deve intervir na situação. Ela detalha que, o documento ainda diz que é necessário proteger o direito a moradia, especialmente dos povos indígenas, que é um elemento de preservação da cultura, do modo de vida, da dignidade humana e que nesse caso, cabe ao poder público possibilitar esses direitos.

Ouça o áudio completo para entender a situação: 

 

Luta histórica pela demarcação da TI em Carazinho

As famílias Kaingang viviam às margens da rodovia BR-386, espaço de comercialização de seu artesanato, fonte de renda importante para os Kaingang. Foto: Julia Saggioratto.

Para o Cacique da TI Carazinho,  Ivo Galles, a sentença deixa a comunidade mais tranquila para seguir a luta.

“Mostra que o direito dos povos indígenas está sendo visto não só no Rio Grande do Sul, mas em todo território brasileiro. A luta de Carazinho começou faz décadas e as lideranças do município nunca tentaram resolver a situação, mas hoje a justiça foi feita, a comunidade está tranquila. Hoje recebemos uma notícia boa, a luta segue, não para, é contínua para alcançarmos o nosso objetivo. A luta maior da comunidade indígena de Carazinho é a demarcação do território tradicional, por isso estaremos sempre com o pé na estrada, estamos com mais força para levar adiante a nossa luta”.

Em Carazinho, somam-se pelo menos 14 anos de luta das famílias Kaingang, da Terra Indígena Vyi kupri, no Rio Grande do Sul, pela demarcação do território tradicional. Os indígenas vivem em uma porção de terra, de sete hectares, localizada na extremidade do parque da cidade, local abandonado e com pouca vegetação nativa.

As famílias Kaingang viviam às margens da rodovia BR-386, espaço de comercialização de seu artesanato, fonte de renda importante para os Kaingang. No entanto, o perigo de viverem às margens da BR, também a perda de pessoas da comunidade, vítimas de atropelamento e a eminente possibilidade de despejo pela Justiça Federal, fez com que as famílias deixassem a BR-386.

Comunidade deseja efetivar melhorias, inclusive na estrutura escolar, porém depende da demarcação do território. Foto: Cimi Sul.

A área ocupada desde então, era utilizada como estacionamento de um santuário que foi construído dentro de uma reserva pública, causando estranheza esse tipo de edificação em área de patrimônio público no estado laico de direito, o qual garante, inclusive, a laicidade como um dos princípios da democracia, descritas no Art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, assegurando liberdade de crenças aos cidadãos.

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A terra é fundamental para a segurança das comunidades indígenas. Foto: Julia Saggioratto.

Neste ambiente, os Kaingang passaram por inúmeras perseguições e ameaças de reintegração de posse pelo município de Carazinho, que, segundo o Cacique Ivo Gales, dificultou a vida das famílias desde o início, quando os indígenas tiveram que limpar a área, fazendo a retirada de uma quantidade considerável de lixo e o acesso a água potável lhes foi negado.

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