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Lideranças Indígenas e CEPI/RS contestam postura anti-indígena do MPF de Erechim

Lideranças Indígenas e CEPI/RS contestam postura anti-indígena do MPF de Erechim

Claudia Weinman
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As lideranças que integram o Conselho Estadual dos Povos Indígenas do estado do Rio Grande do Sul (CEPI – RS) realizaram, no dia 13 de junho, uma reunião na Terra Indígena Votouro, município de Benjamin Constant do Sul/RS, para tratarem sobre a postura do Ministério Público Federal de Erechim e de um despacho do procurador Drº Filipe Andrios Brasil Siviero sobre pedido de informação da Terra Indígena Passo do Índio, localizada no município de Lajeado Bugre/RS.

No dia 20 de maio de 2022, o Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul, a pedido do Cacique da TI Passo do Índio, Adelio Pinto, encaminhou, por meio de sua equipe de assessoria jurídica, uma manifestação solicitando providências do Ministério Público Federal quanto a suposta morosidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) em realizar/concluir o procedimento de demarcação de território tradicionalmente ocupado pelos kaingang.

Nesta manifestação, consta o seguinte histórico:

“A Terra Indígena Passo do Índio está localizada no município de Lajeado Bugre, no norte do Rio Grande do Sul. Residem na comunidade cerca de 25 famílias, com uma população aproximada de 90 pessoas. A comunidade Kaingang que, devido ao processo de colonização da região foi obrigada a abandonar seu território de ocupação tradicional, passando a viver, por um longo tempo, em espaços alheios ao seu, retorna para seu local de ocupação tradicional no dia 07 de agosto de 2005, com oito famílias, ocupando um pequeno terreno cedido pela Prefeitura do citado município. Passado um ano da retomada, os Kaingang receberam um aviso da Prefeitura Municipal para que o espaço fosse desocupado. Porém, como o povo Kaingang nunca deixa o lugar onde foram enterrados os umbigos das crianças, o grupo resistiu e buscou meios para permanecer no local tradicional reivindicado. A estratégia da comunidade para permanecer no local sagrado foi a aquisição de um pequeno pedaço de terra. Assim procederam e firmaram um contrato de compra e venda com o proprietário de um imóvel de 1,8 hectares. Quanto à reivindicação de demarcação de seu território, os Kaingang convivem com o marasmo afrontoso da Funai. Um Grupo de Trabalho (GT) designado pela Funai procedeu aos estudos prévios ainda em setembro de 2010. Desde então a comunidade aguarda que a Funai emita uma portaria criando um Grupo de Trabalho para proceder aos estudos de identificação e delimitação.”

A partir desse encaminhamento, o Procurador do MPF de Erechim, Drº Filipe Andrios Brasil Siviero, fez um documento de despacho diante das informações solicitadas. Intitulado: “Promoção de Arquivamento”, o procurador assinou o documento em 30 de maio de 2022, utilizando-se inclusive, no conteúdo do material, da tese ilegal do Marco Temporal (que ainda não teve julgamento concluído), em atuação contrária aos direitos originários sobre a Terra indígena Passo do Índio. Conforme consta no documento:

“Pois bem. Passando ao mérito da representação, deve-se ter em conta que, para se reconhecer tratar-se de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, nos termos da Constituição Federal, restou consignado os seguintes requisitos: (I). Ocupação das terras pelos silvícolas em data anterior a 05/10/1988, em que promulgada a atual Constituição – marco temporal insubstituível; (II). Também deve estar presente uma forma “qualificadamente tradicional de perdurabilidade da ocupação indígena, no sentido entre anímico e psíquico de que viver em determinadas terras é tanto pertencer a elas quanto elas pertencerem a eles, os índios.” (voto Min. Ayres Britto, Pet. 3.388) e; (III) Admite-se, ainda, a retração cronológica à “tradicionalidade da posse nativa”, excepcionalmente, para data posterior à da promulgação da atual Constituição, nos termos do precedente da Suprema Corte, quando “a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios”. Consta do relato apresentado pelo representante Adélio Pinto (Documento 1.1, Página 1) que no ano de 2005 os Kaingang teriam “retomado” o território antes por eles ocupado. No entanto, não há nos autos comprovação dessa anterior ocupação. Assim, em 05 de outubro de 1988 (marco temporal a ser considerado para o deslinde da causa – Promulgação da CF de 88) e, supostamente em período considerável após essa data, não há registro de ocupação indígena na área. Também não há registro nos autos de que os Kaingang teriam sido retirados daquele território por efeito de esbulho por parte de não-índios. Logo, não vislumbro a relatada omissão por parte da FUNAI, sendo discutível inclusive o direito à demarcação de terras ocupadas dentro da cidade em data posterior a 05/10/1988. Vejase o que ocorreu com os Kaingangs que ocupam a BR-153 em Erechim-RS: saíram da TI Votouro, iriam para TI Ventarra e acabaram por fixar residência em Erechim-RS, o que demonstra que muito do nomadismo indígena em nada tem a ver com vínculo com a terra”.

Considerando a decisão do MPF de Erechim mais um ataque aos direitos originários e, neste caso, contrariando a vida, luta, cultura e costumes do povo Kaingang do Rio Grande do Sul, o Cimi Sul, por meio de sua equipe de Assessoria Jurídica,  encaminhou novamente o pedido de retificação do caso da TI Passo do Índio, contra a decisão do Procurador da República Drº Felipe Andrios Brasil Sivieiro, que determinou o arquivamento do pedido. No entanto, o procurador mais uma vez atribuiu negativa, encaminhando o caso à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata especificamente da temática referente aos povos indígenas e comunidades tradicionais, em Brasília, e que, até o momento, não emitiu manifestação acerca do questionamento.

Reestruturação do MPF: mais ofensivas contra os povos indígenas

O cacique Deoclides de Paula, Coordenador Kaingang do CEPI, disse que o Conselho Estadual dos Povos Indígenas do estado do Rio Grande do Sul encaminhou um documento ao MPF de Erechim questionando a falta de diálogo com as lideranças indígenas. Ele também trouxe outro elemento que trata da reestruturação interna do MPF e que representa mais uma ofensiva contra povos indígenas.

Cacique Deoclides de Paula. Foto: Guilherme Cavalli.

“Fizemos um documento questionando a decisão do MPF, de não ter ouvido a comunidade, os povos que mais sofrem no Brasil teriam que ser ouvidos. Nós temos um governo totalmente contra os povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas. O poder público teria que defender a questão indígena, dos mais empobrecidos e ao invés disso, fica fazendo festa. Isso dói ver que eles festejam a custa da dor de muitas pessoas que se foram por conta da Covid-19. Nossos velhinhos, muitos acabaram morrendo por não ter chegado à vacina em tempo”.

Deoclides alerta que os povos indígenas sofrem perseguição em todo Brasil, em locais onde existe uma atuação anti-indígena no MPF. Porém, segundo ele, com a reestruturação interna do órgão, o cenário tornar-se ainda mais preocupante, pois na prática, segundo consta no documento elaborado pelas lideranças do CEPI, a reestruturação visa centralizar “em ofícios especializados, as questões indígenas e quilombolas, onde haverá um procurador, especialista, que deverá acumular todas as questões processuais, afastando a responsabilidade dos procuradores locais, aqueles que, na prática, recebem e sabem quem são os indígenas, os quilombolas, ou seja, aqueles que conhecem suas realidades e demandas”.

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Com essa mudança, dois elementos fundamentais devem ser considerados. Um deles é de que o MPF deixa de conhecer os sujeitos agredidos, no caso, indígenas e quilombolas e passa a agir com frieza, abrindo margem para atuação de não-indígenas e forças contrárias a demarcação das terras.

Roberto Liebgott. Foto: Joana Berwanger/Sul21.

Roberto Liebgott, da Coordenação Colegiada do Cimi Sul e membro da Equipe Porto Alegre, também concordou que, se antes os povos já sentiam dificuldade de atendimento em algumas instâncias do MPF, como no exemplo citado acima, essa nova proposta “abre espaço para que adversários dos povos indígenas e quilombolas possam requerer a ocupação dos ofícios e, com isso, incidir pelos interesses hegemônicos como do agronegócio e das mineradoras”.

Para o missionário, é necessário, diante deste contexto, requerer a consulta livre, prévia, consciente e informada. “É preciso que sejam analisadas as questões provocadas por essa reestruturação, a exemplo do afastamento da maioria dos Procuradores da República dos povos, comunidades e das suas demandas. Para além disso, os povos indígenas e as comunidades quilombolas, diretamente afetadas por essa reestruturação, não tomaram conhecimento da proposta, que, aliás, já está sendo implementada em diversas regiões do país. Portanto, os povos não foram consultados, desrespeitando as determinações da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.

Ele também destaca que essa reestruturação afasta uma essencial obrigação do MPF, expressa no Art. 129, inc. V da Constituição Federal de 1988, referente às funções institucionais do Ministério Público: defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas.

“Os procuradores, diante dos ofícios de especialistas, ficam desobrigados de conhecer as questões dos sujeitos de direitos indígenas e quilombolas, destituindo dos demais a obrigação de atender, receber, ouvir e conhecer as demandas dos povos e comunidades originárias e tradicionais”, explicou.