STF cria tese jurídica acerca dos direitos originários dos povos indígenas
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 12 sessões, pôs um fim à tese do marco temporal nas demarcações de terras indígenas no Brasil. Na tarde do dia 27 de setembro de 2023, os ministros retomaram o julgamento que já havia estabelecido 09 votos contrários ao marco temporal e 02 a favor, passando a reconhecer, em definitivo, que os direitos indígenas são originários.
Os Artigos 231 e 232 da Constituição Federal foram preservados, a exceção foi o debate em torno das indenizações, ou seja, se deveria prevalecer o que a Lei Maior diz – indenização só pelas benfeitorias de boa-fé – ou a adoção da indenização pela terra nua, desde que os títulos dos ocupantes sejam comprovadamente de boa-fé.
Na modulação prevaleceu o entendimento de que cabem as indenizações não só pelas benfeitorias de boa-fé, mas também pela terra. As indenizações, no entanto, não alcançam terras já regularizadas.
Outro item relevante, na tese definida, vincula-se ao direito dos povos exercerem suas atividades tradicionais nas áreas indígenas onde há sobreposição de parques, florestas e outras caracterizações de reservas ambientais.
Importante destacar também que se consolidou o direito dos povos reivindicarem a revisão dos limites de terras demarcadas. Isso se torna possível quando no decorrer dos procedimentos de demarcações ocorreu desrespeitado aos dispositivos constitucionais. Mas, embora haja essa previsão, os ministros fixaram um prazo decadencial de cinco anos, a partir da homologação, para essa requisição. Ou seja, passado esse prazo perde-se o direito, a menos que haja pedido formal anterior não considerado, ou sobre o qual exista pendência judicial.
Quanto ao pagamento indenizatório pela terra nua, aos títulos de boa-fé, a indenização deve ser prévia e com o direito de retenção. Esse aspecto segue a lógica do artigo 754 do CC. A retenção, segundo o Código Civil, consiste na faculdade de não restituir uma coisa, enquanto o credor dessa restituição não cumprir, por seu turno, a obrigação que tem para com o retentor.
Essa amplitude indenizatória pode impedir o avanço das demarcações, porque o governo federal precisará pagar aos detentores de títulos de boa fé em dinheiro, ou através dos títulos da dívida pública, mas, neste caso, o indenizável precisa aceitar.
Segundo esse item, aquelas terras adquiridas, depois de 1988, em áreas onde não havia presença indígena e nem o renitente esbulho, os titulares de boa-fé podem requerer indenização pelas benfeitorias, ou em relação à posse antiga e pela terra nua.
O processo indenizatório, quando não for incontroverso, deve ser apartado daquele da demarcação. E quando houver vício histórico, na concessão de títulos de propriedade pelos entes federados, estes deverão arcar com os ônus, mas a União pagará e cobrará o valor correspondente.
Portanto, o Governo Federal precisará prever recursos orçamentários com essa finalidade. Todavia, essa previsão não dependerá somente dele, governo, mas do Congresso Nacional, responsável pela aprovação orçamentária. Há, portanto, que se considerar que a maioria parlamentar é contrária aos interesses e direitos indígenas.
Apesar da definição da tese e das condicionantes acerca dos direitos dos povos indígenas, as demandas processuais, as interpretações jurídicas e os conflitos não cessarão.
De qualquer forma, a rejeição ao marco temporal obrigará o Governo Federal à retomar a política indigenista com base nas demarcações de terras e na assistência diferenciada nos territórios, independentemente de sua condição, se demarcados ou não.
Roberto Antônio Liebgott é missionário do CIMI - Conselho Indigenista Missionário, atuando na região Sul do Brasil.