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Indígenas exigem respostas sobre demarcação da TI Carazinho e Passo do Índio

Indígenas exigem respostas sobre demarcação da TI Carazinho e Passo do Índio

Claudia Weinman
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Recentemente, lideranças Kaingang do Rio Grande do Sul tomaram conhecimento de uma portaria publicada pela Funai, ainda em fevereiro, a qual constitui o Grupo Técnico que tem como tarefa realizar os estudos multidisciplinares de natureza etno- histórica, antropológica, ambiental e cartográfica das terras indígenas de Carazinho e Passo do Índio. Em carta enviada ao MPF, as lideranças exigem informações e a construção de um plano de trabalho em conjunto com as comunidades indígenas.

Reunião realizada no dia 05 de julho, em Carazinho/RS. Foto: Ivan Cima – Cimi Sul.

Lideranças Kaingang das Terras Indígenas Vyi Kupri, de Carazinho e Kanhgág Ti Já, de Passo do Índio, localizadas nos municípios de Carazinho e Lajeado Bugre, respectivamente, no norte do Rio Grande do Sul, reuniram-se no dia 05 de julho para dialogarem sobre o processo de demarcação de seus territórios tradicionais. Conforme Ivo Gales, Cacique da TI Vyi Kupri – Carazinho, as lideranças receberam a informação, por meio de aliados da causa indígena, sobre a publicação da portaria 472, de 01/02/2022, a qual constitui um Grupo Técnico (GT) que tem como tarefa realizar os estudos multidisciplinares de natureza etno-histórica, antropológica, ambiental e cartográfica das terras indígenas Vyi Kupri – Carazinho e Kanhgág Ti Já – Passo do Índio. No entanto, as lideranças questionam o porquê que a Funai não informou as comunidades e suas lideranças sobre essa portaria, também o motivo de as lideranças não terem sido procuradas, pelos membros do GT, para a construção de um plano de trabalho e sobre a data de quando esse estudo será iniciado, considerando que a portaria estabelece prazos.

 

Lideranças indígenas dialogaram sobre o processo de demarcação de seus territórios tradicionais. Foto: Ivan Cima – Cimi Sul.

As lideranças disseram que no dia 4 de julho de 2022, ocorreu uma audiência com a Funai, momento em que foi confirmada a informação sobre a portaria 472. No entanto, segundo os Kaingang, não há previsão para que o GT vá a campo para realizar o trabalho. Em carta enviada ao Ministério Público Federal, as lideranças solicitam ao MPF que acione a Funai para que se manifeste sobre o andamento efetivo dos trabalhos.

No mês de agosto de 2010, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) o qual realizou um estudo prévio da área. Nestes anos todos, foram cobradas informações da Fundação Nacional do Índio (Funai) e também feitas reuniões com o Ministério Público Federal (MPF) a respeito do andamento dos trabalhos”, diz a carta assinada pelas lideranças e enviada ao MPF.

Carta enviada ao Ministério Público Federal.
Carta enviada ao Ministério Público Federal.

Gales reforça que a demarcação do território tradicional é fundamental para garantir estrutura e segurança às 22 famílias que vivem hoje na comunidade Vyi Kupri – Carazinho.

Em agosto de 2010 foi criado um grupo que realizou um estudo prévio aqui, mas depois daquilo não tivemos retorno para comunidade. A Funai nunca sequer deu resposta para comunidade. Tanto que a comunidade sofre com a demora da demarcação de terra e vive em área de sete hectares, limitada, porque é área municipal, a dificuldade é muito grande, não existe melhoria dentro da comunidade indígena. Saúde e educação precária. A demora da demarcação atrapalha a melhoria da comunidade. A terra é fundamental para a segurança da comunidade indígena de Carazinho que vem sendo perseguida pela reintegração de posse pelo município”.

A terra é fundamental para a segurança das comunidades indígenas. Foto: Julia Saggioratto.

Ouça o depoimento completo na plataforma de áudios:

Em setembro de 2018, o TRF da 4ª Região atendeu ao pedido do Ministério Público Federal e fixou prazo para a demarcação de Terra Indígena em Carazinho. Segundo a nota:

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) atendeu ao pedido do Ministério Público Federal (MPF) e determinou, por unanimidade, o prazo máximo de dois anos e meio para que a Fundação Nacional do Índio (Funai) finalize o processo de demarcação da Terra Indígena Kairu, no município de Carazinho (RS). Também foi determinado que, no caso da tradicionalidade da ocupação não ser reconhecida administrativamente, a Funai constitua reserva no prazo de um ano. No entendimento da 3ª Turma do TRF4, apesar das limitações orçamentárias e de pessoal enfrentadas pela Funai, bem como da complexidade do procedimento demarcatório, a demora no andamento do processo administrativo impõe que o Poder Judiciário fixe um prazo para sua conclusão. A demanda foi levada ao conhecimento da FUNAI em 2005 e, em 2010, foi constituído grupo técnico para a realização dos estudos de natureza etno-histórica, antropológica e ambiental necessários à fundamentação antropológica nas áreas de ocupação do povo Kaingang no município de Carazinho. Ou seja, a autarquia demorou 5 anos para constituir grupo técnico e a questão encontra-se pendente há, pelo menos, 8 anos”.

No entanto, a morosidade na efetivação dos estudos para o encaminhamento do processo demarcatório deixa a comunidade em constante insegurança. “Muitas vezes a comunidade fica passando frio, vivendo uma vida precária, não tem condições de casa boa para a comunidade. Com a demora da demarcação, não tem segurança nenhuma, viemos para reclamar, trazer preocupação como liderança, que a Funai dê uma resposta e continuidade a reivindicação de terra. Aonde está a segurança para os nossos velhos, filhos, as mulheres gestantes, jovens? A demarcação é fundamental e  nós queremos uma resposta”, disse o Cacique Ivan Gales.

Comunidade deseja efetivar melhorias, inclusive na estrutura escolar, porém depende da demarcação do território. Foto: Cimi Sul.

Luta histórica pela demarcação da TI em Carazinho

Somam-se pelo menos 14 anos de luta das famílias Kaingang, da Terra Indígena Vyi kupri – Carazinho, no Rio Grande do Sul, pela demarcação do território tradicional. Os indígenas vivem em uma porção de terra, de sete hectares, localizada na extremidade do parque da cidade, local abandonado e com pouca vegetação nativa.

As famílias Kaingang viviam às margens da rodovia BR-386, espaço de comercialização de seu artesanato, fonte de renda importante para os Kaingang. No entanto, o perigo de viverem às margens da BR, também a perda de pessoas da comunidade, vítimas de atropelamento e a eminente possibilidade de despejo pela Justiça Federal, fez com que as famílias deixassem a BR-386.

As famílias Kaingang viviam às margens da rodovia BR-386, espaço de comercialização de seu artesanato, fonte de renda importante para os Kaingang. Foto: Julia Saggioratto.

A área ocupada desde então, era utilizada como estacionamento de um santuário que foi construído dentro de uma reserva pública, causando estranheza esse tipo de edificação em área de patrimônio público no estado laico de direito, o qual garante, inclusive, a laicidade como um dos princípios da democracia, descritas no Art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, assegurando liberdade de crenças aos cidadãos.

Neste ambiente, os Kaingang sofrem até hoje, perseguição e ameaça de reintegração de posse pelo município de Carazinho, que, segundo o Cacique Ivo Gales, dificultou a vida das famílias desde o início, quando os indígenas tiveram que limpar a área, fazendo a retirada de uma quantidade considerável de lixo e o acesso a água potável lhes foi negado.

No ambiente que vivem os Kaingang, a perseguição e ameaça de reintegração de posse pelo município de Carazinho é constante. Foto: Julia Saggioratto.

 “Quero pedir satisfação por parte da Funai, que nos dê respostas concretas de quando irá iniciar esse trabalho do GT” – Adélio Pinto, Cacique da TI Kanhgág Ti Já – Passo do Índio.

Adélio Pinto, Cacique da TI Kanhgág Ti Já – Passo do Índio, também relatou sobre a luta da comunidade pela demarcação do território tradicional.

Quero falar sobre a nossa indignação com a Funai, que atua contra a nossa luta, contra a demarcação da nossa terra. Recentemente recebemos por meio de aliados, a informação sobre essa portaria de fevereiro de 2022, porém, nunca fomos comunicados pelaFunai e menos ainda por esse grupo técnico, que não procurou as lideranças. Quero externar nesse momento, que não estamos sendo bem atendidos conforme a Funai deveria atender. Quero pedir satisfação por parte da Funai, que nos dê respostas concretas de quando irá iniciar esse trabalho do GT. Faz 12 anos que estamos esperando, aguardando essa resposta da Funai”.

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No caso da TI Kanhgág Ti Já – Passo do Índio, as lideranças que integram o Conselho Estadual dos Povos Indígenas do estado do Rio Grande do Sul (CEPI – RS) realizaram, no dia 13 de junho, uma reunião na Terra Indígena Votouro, município de Benjamin Constant do Sul/RS, para tratarem sobre a postura do Ministério Público Federal de Erechim e de um despacho do procurador Drº Filipe Andrios Brasil Siviero sobre pedido de informação da Terra Indígena Kanhgág Ti Já – Passo do Índio,, localizada no município de Lajeado Bugre/RS.

No dia 20 de maio de 2022, o Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul, a pedido do Cacique da TI Kanhgág Ti Já – Passo do Índio, Adelio Pinto, encaminhou, por meio de sua equipe de assessoria jurídica, uma manifestação solicitando providências do Ministério Público Federal quanto a suposta morosidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) em realizar/concluir o procedimento de demarcação de território tradicionalmente ocupado pelos Kaingang.

A partir desse encaminhamento, o Procurador do MPF de Erechim, Drº Filipe Andrios Brasil Siviero, fez um documento de despacho diante das informações solicitadas. Intitulado: “Promoção de Arquivamento”, o procurador assinou o documento em 30 de maio de 2022, utilizando-se inclusive, no conteúdo de decisão, da tese ilegal do Marco Temporal (que ainda não teve julgamento concluído no Supremo Tribunal Federal), em atuação contrária aos direitos originários sobre a TI Kanhgág Ti Já – Passo do Índio,.

Considerando a decisão do MPF de Erechim mais um ataque aos direitos originários e, neste caso, contrariando a vida, luta, cultura e costumes do povo Kaingang do Rio Grande do Sul, o Cimi Sul, por meio de sua equipe de Assessoria Jurídica,  encaminhou novamente o pedido de retificação do caso da TI Passo do Índio, contra a decisão do Procurador da República Drº Felipe Andrios Brasil Sivieiro, que determinou o arquivamento do pedido. No entanto, o procurador mais uma vez atribuiu negativa, encaminhando o caso à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata especificamente da temática referente aos povos indígenas e comunidades tradicionais, em Brasília, e que, até o momento, não emitiu manifestação acerca do questionamento.

Leia mais sobre a luta pela demarcação da Terra Indígena Passo do Índio:

Lideranças Indígenas e CEPI/RS contestam postura anti-indígena do MPF de Erechim