Lendo agora
Algoritmos e a Modulação Social

Algoritmos e a Modulação Social

Paula Andrea Grawieski Civiero
blank

Nos últimos tempos tem-se ouvido falar em algoritmos fora das salas de aula de matemática, computação e áreas afins. Essa linguagem tem adentrado as conversas cotidianas. Entretanto, nos parece que ainda precisa de certa explicação. Então, nos questionamos: O que é um algoritmo? Por que parece que os algoritmos têm muito poder? Como eles podem influenciar as nossas vidas? Você, leitor, já parou para se questionar sobre isso?

Cathy O’Neil (2020), autora do livro: Algoritmos de destruição em massa, nos apresenta uma série de exemplos e reflexões sobre como os algoritmos podem contribuir com o aumento da desigualdade e com a ameaça à democracia. Inspirados nessa leitura e muitas outras, relacionadas a sociedade contemporânea, trazemos algumas inquietações para este texto, a partir da compreensão de que “vivenciamos um processo civilizatório o qual, cada vez mais, se volta à maximização dos lucros em detrimento da equidade social” (CIVIERO, 2021), procuramos de forma simples entender essa variável da equação civilizatória[1].

Então, o que é esse tal algoritmo?

De forma simplificada podemos definir como uma sequência de passos lógicos, que tendem a seguir uma ordem linear. Um exemplo disso é uma receita de bolo. O’Neil (2020), apresenta a ideia da preparação da alimentação familiar, onde o programador precisa conhecer os seus clientes e organizar um cardápio que possa satisfazê-los. Assim, a pessoa encarregada de preparar as refeições para uma família, precisa conhecer os gostos e desgotos de cada um. Dessa forma, ao preparar o cardápio, fará ajustes, de modo a satisfazer a todas as necessidades e vontades alimentares da família. Essa receita, cotidianamente pode ser comparada a fórmulas matemáticas como, por exemplo, a fórmula para resolver a equação do segundo grau. Nesses modelos, basta seguir o passo a passo e chegaremos a um determinado resultado. Num processo similar, um algoritmo pode ser definido por uma série de instruções para resolver problemas pré-definidos.  Um algoritmo é construído dessa forma, segmentando e definindo passos que visam chegar em um objetivo.

Com o desenvolvimento dos computadores e com o advento da internet, os algoritmos passaram a ser fundamentais para as programações computacionais e estão presentes em praticamente todas as funções executadas na rede. Portanto, a programação de um algoritmo dá-se de maneira a solucionar um problema. Isto é, são processos codificados para transformar dados de entrada em uma saída desejada, com base em cálculos especificados.

Então, qual a preocupação?

O problema está no interesse de quem e para que os algoritmos são programados. São cada vez mais construídos para capturar nossos dados aos interesses de um mercado, provocando assim uma modulação algorítmica, isto é, uma mudança em nosso comportamento.

Para que a modulação algorítmica aconteça é preciso conhecer os usuários, por isso, perpassa pelo mercado de dados.  Nesse processo, os algoritmos computacionais, é deles que vamos tratar, têm a função de filtrar e classificar as informações e direcionar mensagens que agradem os usuários. Ou melhor, que capturem a sua atenção. Até mesmo os sentimentos pela forma de interação são capturados. Quanto mais informações sobre cada indivíduo que interage nesses espaços, mais direcionado será o acesso as buscas, isto é, mais reduzido será o campo de visão dos usuários. E assim, ficamos enquadrados, limitados a ver somente o que querem nos mostrar, e por conseguinte, conduzidos a um modo de comportamento e opinião.

Ao navegar na internet nem sempre se percebe que tudo que é acessado, clicado e visto está sendo controlado por algoritmos computacionais, porém eles existem e são capazes de facilitar diversas ações, como a realização de cálculos, a pesquisa do conteúdo desejado, o recebimento de notícias em tempo real, a seleção de filmes em algumas plataformas e muito mais.

O que se tornou efetivo nos tempos atuais foi a forma de vender e comprar. Como as coisas são anunciadas na internet? Como o consumidor é levado a comprar determinado produto? Talvez as respostas estejam nos algoritmos computacionais, na programação e na inteligência das máquinas, cada vez mais eficientes, direcionando-nos a um novo mundo sob controle de quem comanda os algoritmos.

Os usuários da internet não os veem. Os algoritmos estão mascarados por uma interface bonita e harmoniosa e, muitas vezes, são eles que determinam o que o usuário irá acessar em seu próximo clique. Um algoritmo nada mais é que uma sequência de passos, que para a internet é construído por meio de uma linguagem de programação, que de acordo com seu tipo, pode variar sua forma de escrita, sem nunca fugir de lógicas e padrões estabelecidos pela ciência da computação e engenharia computacional.

Ao realizar uma pesquisa o usuário pode fornecer dados na internet que possibilitem e deem aos algoritmos uma margem dos seus interesses pessoais. E isso fica evidente quando, ao buscar algo na web, acessar e encerrar a busca, o usuário após uma nova entrada, seja em qual for a plataforma, poderá receber propagandas ou notícias relacionadas àquilo que ele realizou em sua busca anterior. Isso acontece pelo armazenamento de dados e processamento dos algoritmos que captam os movimentos do usuário a fim de o direcionar sempre ao que é de interesse do indivíduo. Esse movimento tem alimentado um novo nicho de mercado – os dados. Quem tem os dados sai na frente, quanto mais informações, melhor será o cerco para o mercado.

Os algoritmos das redes sociais – o atrativo perfeito

O algoritmo das redes sociais, é programado para oferecer ao usuário qualquer conteúdo capaz de atraí-lo à plataforma com maior frequência e por mais tempo. Essa conexão libera a Dopamina – neurotransmissor que libera sensação de recompensa – como comer algo prazeroso. Pense em uma porção de batata frita, você sempre quer mais uma. Ouvimos uma voz dizendo: “Faça de novo”. E assim, ficamos conectados ininterruptamente, cada vez mais. Faça o teste: quantas horas você fica conectado nas redes sociais? Quantos clics ao dia? Quanto tempo consegue ficar distante do seu smartphone? Qual é a primeira coisa que olha ao acordar? Os jogadores de games, ficam horas e horas, que até esquecem de comer ou de ir ao banheiro. Nesse tempo de isolamento, então, perdemos o controle.

As redes sociais têm poder, maior que possamos imaginar. Giuliano da Empoli, escreveu o livro Os engenheiros do caos. O autor ao trazer um panorama sobre a onda de extrema direita que se apossou no mundo nos últimos anos, discute como os fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. A leitura nos ajuda a entender um pouco sobre a intervenção dos algoritmos nas relações sociais.  Vejamos o caso da Cambridge Analytica que assessorou a eleição de Trump em 2016, por meio da eficiência do Big Data, foram construídos algoritmos que capturavam exatamente o perfil de cada eleitor, direcionando mensagem individuais. Durante as dez semanas de campanha oficial foram produzidos quase um bilhão de mensagens digitais personalizadas, principalmente pelo facebook.  Foram chamados de – eleitores consumidores –. No Brasil, também podemos relacionar com a eleição em 2018, as mesmas estratégias foram usadas. O sistema de desinformação cresce a cada instante. Quando você acha que está tomando uma decisão por livre escolha, na verdade sofreu influência das redes sociais, muitas vezes de forma inconsciente. Por isso, precisamos de alerta constante nas próximas decisões. Não podemos ficar imersos em grupos-bolhas que não se comunicam entre si, apenas se encontrando no momento do voto.

Aquilo que a computação busca mapear e modelar, ela acaba dominando. Vejamos, o Google se determinou a indexar todo o conhecimento humano e se tornou fonte e árbitro do conhecimento: tornou-se o que as pessoas pensam. – Quando você tem uma dúvida, onde pesquisa? É isso, consultamos o Google.  O Facebook se determinou a mapear as conexões entre as pessoas – fez grafo social – e acabou reformatando irrevogavelmente as relações sociais. Muitos dos nossos dados foram capturados dali.

Dentro deste contexto tecnológico, onde muito é programado para controle e conhecimento daquilo que o usuário irá acessar, depara-se com a questão de como isso afeta a vida do indivíduo introduzido nesse meio. Seus comportamentos são previstos a partir de tal contato com a internet? Os algoritmos trabalham para alienamento e venda de ideias únicas e exclusivas de quem as busca? Ao interesse de quem são desenvolvidos a grande maioria dos algoritmos?

Impactos na vida

Segundo alguns autores da contemporaneidade, estamos na sociedade do algoritmo, com as tecnologias disruptivas como o Big Data, a inteligência artificial, a internet das coisas e a robótica, as quais por sua vez, compõe plataformas e redes digitais. São tecnologias que mudaram nosso jeito de viver e prometem muito mais.

Os questionamentos requerem respostas por afetarem de forma clara e evidente o comportamento humano e o consumo de informações e de mercadorias. Portanto, saber o que causa tais fatos apenas, não satisfaz por completo a questão, mas, entender a funcionalidade da presente ciência, através da lógica e da matemática, pode levar a uma melhor compreensão, de modo a alterar de certa forma como os usuários estão lidando com isso, assim como levar o informe em relação ao que acontece nos confins do acesso à web.

A modulação algorítmica

Dentro deste contexto tecnológico, onde tudo é programado para controle e conhecimento daquilo que o usuário irá acessar, depara-se com a questão de como isso afeta a vida do indivíduo introduzido nesse meio. Seus comportamentos são previstos a partir de tal contato com a internet? Os algoritmos trabalham para alienamento e venda de ideias únicas e exclusivas de quem as busca?

Você já percebeu que quanto mais pesquisa-se por algo, seja em qual for o meio virtual, mais depara-se com um bombardeio de informações relacionadas aos consumos frequentes das pessoas? Por exemplo, quando pesquisamos sobre uma determinada mercadoria, logo começamos a receber cookies, ou seja, propagandas de mais diversos lugares.  Até parece que o computador está lendo nossos desejos de consumo. Através de algoritmos, viu-se que é perfeitamente possível tal segmentação no mundo da internet.

Imperceptivelmente, portanto, o usuário se vê cercado daquilo que ele mais acessa, o que pode sim ter um lado positivo, afinal de contas é muito bom ter seus gostos disponíveis sempre que for de vontade acessá-los. Entretanto, com isso, quase nunca nos permitimos sair da zona de conforto, dar espaço a diversidade do mundo, que é tão vasto. Pariser, esclarece que,

É claro que, em certa medida, costumamos consumir os produtos de mídia mais atraentes para os nossos interesses e hobbies, ignorando boa parte do resto. Mas a bolha dos filtros traz três novas dinâmicas com as quais nunca havíamos lidado até então: Primeiro, estamos sozinhos na bolha. […] Segundo, a bolha dos filtros é invisível. […] Por fim, nós não optamos por entrar na bolha. (PARISER, 2012, p. 11).

Os algoritmos que trazem as informações que as pessoas mais acessam acabam por as condicionar em bolhas. Bolhas do próprio mundo, das próprias visões, dos próprios gostos e opiniões. Manter-se assim desacelera, por vezes, o crescimento pessoal e até mesmo o aprendizado em relação àquilo que é diferente. Nessa óptica, se faz importante compreender que,

Os algoritmos não possuem uma função meramente organizacional ou de facilitação do uso dessas plataformas pelos usuários. Eles vão além, possibilitam também a coleta e a análise massiva e automatizada de dados, o que os tornou tecnologias essenciais para o modelo de negócios das principais plataformas digitais utilizadas nos últimos anos (MACHADO, 2018, p. 49).

See Also
blank

E aí mora o perigo. Essa modulação algorítmica conduz a uma modelação social, isto é, influencia diretamente no comportamento de uma sociedade que se apresenta sob controle dos proprietários das redes digitais. Portanto, interfere no processo civilizatório.

Poderíamos fazer uma analogia ao cavalo de Tróia, o qual na aparência apresenta uma mensagem, quase que sedutora, mas na sua essência tem muitos outros elementos que, na maioria das vezes, são desconhecidos e, portanto, desconsiderados. Da mesma forma que o cavalo de Tróia, as plataformas digitais podem trazer surpresas, que nem sempre são as esperadas pelos usuários.

Para finalizar esse início de conversa sobre os algoritmos

Bem, poderíamos ficar horas relatando os diversos aplicativos e tecnologias que são desenvolvidas num ritmo acelerado e nos envolvendo como se a vida dependesse irrestritamente dessas conexões. Provocando uma ruptura com o até então conhecido.

Ai, vem o contraditório civilizatório: onde estão os aplicativos para combater a pobreza ou a discriminação social? Existem aplicativos para acabar com a fome no mundo? A interesse de quem estão as pesquisas e os desenvolvimentos científicos e tecnológicos? É preciso refletir que não basta ter o desenvolvimento tecnocientífico, se depende dos interesses das elites dominantes a sua aplicabilidade. Os investimentos em ciência e tecnologia são direcionados a determinados interesses que, em sua maioria, não são para resolver os problemas humanitários.

Ao compreender que vivenciamos a sociedade do algoritmo, precisamos apreender esses conhecimentos e produzir algoritmos a nosso favor, para alterar o rumo da equação civilizatória.   Ao almejar como resultado da equação, pelo menos, garantir os princípios da dignidade humana, isto é, que todos tenham garantia de comer, vestir e morar e que tenham os mesmos direitos que qualquer pessoa, independente da classe social, precisamos pensar em quais algoritmos são necessários para interferir nas variáveis e assim, produzir uma mudança de rota civilizatória.

Referências

CIVIERO, P. A. G. Gênese e desenvolvimento do conceito de equação civilizatória na sociedade contemporânea. Relatório de Estágio Pós-Doutoral. Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, 2021. Disponível em: nepet.ufsc.br. Acesso em: 05 nov. 2021.

DA EMPOLI, G. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo:Vestígio, 2019.

MACHADO, D. A modulação de comportamentos nas plataformas de mídias sociais. In SOUZA; AVELINO; SILVEIRA. (Org). A sociedade de controle: manipulação e modulação nas redes digitais. São Paulo: Hedra, 2018, pp. 47-69.

O’NEIL, C. Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia. Tradução Rafael Abraham. Santo André, SP: Editora Rua do Sabão, 2020.

PARISER, E. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

[1] Equação civilizatória vem sendo considerada como uma categoria de análise do real. Veja mais em nepet.ufsc.br